sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Protestos em questão: Para entender a violência e Mestre Dines, ouso discordar - [tendências/debates]

folha de são paulo
RAFAEL ALCADIPANI
TENDÊNCIAS/DEBATES
PROTESTOS EM QUESTÃO
Para entender a violência
Há um quadro de disputa simbólica pelo estigma dominante: o da Polícia Militar violenta ou o dos manifestantes vândalos
Não foi preciso muito tempo para que a categoria "vândalos" entrasse em ação. Para explicar o movimento "black blocs", analistas logo enquadraram nela os jovens mascarados que promovem atos de violência contra símbolos do capitalismo.
Em conjunto com a professora Esther Solano, da Universidade Federal de São Paulo, iniciei uma pesquisa sobre as manifestações. Para tanto, temos ido às ruas observar e conversar com jovens, policiais e jornalistas durante esses eventos.
A técnica da pesquisa é inspirada na antropologia e partimos do pressuposto de que, para termos a compreensão de um fenômeno, precisamos observar e conversar com aqueles que o vivenciam.
Uma coisa é formarmos uma opinião observando o acontecimento à distância, pela mídia. Outra é formar uma opinião em campo.
Como pesquisador, posso falar apenas dos dados que tenho em mãos, os quais analisei sem pretensão de obter a verdade absoluta.
O que observei ao ir às ruas pode ser resumido da seguinte forma. Os jovens do "black blocs" são articulados intelectualmente. Grande parte é estudante secundarista. Vários estudam em escolas públicas.
Muitos moram em regiões periféricas; alguns, na região central de São Paulo, como nos bairros da Bela Vista e da Luz. Outros parecem ser da elite econômica, mas são percebidos como minoritários. São jovens que dizem não ter futuro no Brasil.
Eles comentam que protestos devem chamar atenção. Uma das manifestações durou mais que quatro horas e os casos de violência foram bastante restritos.
Os manifestantes são acompanhados o tempo todo por policiais. A tensão fica no ar. Os adolescentes provocam os policiais com frequência. Existe uma disputa velada para saber quem vai usar da violência primeiro e então poder acusar o outro na mídia.
Chamou-me a atenção a quantidade de pessoas com smartphones e câmeras filmando tudo o que acontece, especialmente os atos de violência dos dois lados.
Há uma dimensão de espetáculo muito forte nisso tudo. Parece-me que a ideia de "vandalismo" não nos permite ver o que está por trás desses atos. Estamos falando de uma violência quase teatral. Afinal, quebrar um vidro com pedra gera imagens bastante impactantes.
O professor Jeffrey S. Juris, da Universidade do Arizona, fez análise semelhante a respeito das ações do "black blocs" no encontro do G-8 em 2001, em Gênova, na Itália. Sua pesquisa foi publicada no periódico "Critique of Anthropology".
Assim como os manifestantes, a Polícia Militar também é vítima de estigmas que a caracterizam como uma corporação essencialmente violenta. Presenciei oficiais tentando dialogar com os manifestantes ao mesmo tempo em que precisavam segurar os ânimos de sua tropa. Ao que me parece, eles têm que rever as táticas para lidar com distúrbios civis. As manifestações são um desafio também para a PM.
Há um quadro de disputa simbólica na opinião pública pelo estigma dominante: o da PM violenta ou o dos manifestantes vândalos. Um pesquisador independente, ao querer analisar o fenômeno, logo é jogado para um dos lados.
Para compreendermos o que acontece no Brasil hoje, precisamos ser capazes de pensar. A violência, que em todas as suas manifestações é condenável, para ser combatida precisa ser compreendida para além de discursos simplificadores.
Não temos respostas definitivas para a compreensão dos protestos e os seus desdobramentos. O debate continua em aberto. Para isso, estudar os fatos para discuti-los além do senso comum é fundamental.
    MARLI GONÇALVES
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    PROTESTOS EM QUESTÃO
    Mestre Dines, ouso discordar
    Os meninos são ninjas de marketing, fugazes. Quem acompanhou as bobagens ditas no ar viu que é tão ruim que chega a ser divertido
    Decano do jornalismo, professor, observador da imprensa, Alberto Dines anda entusiasmadíssimo com os ninjas a ponto de compará-los à imprensa alternativa surgida na resistência à ditadura. Ouso discordar do mestre.
    Os ninjas (e similares) têm transmitido o reality show da vida ativista durante horas, coisa que --convenhamos-- não há mesmo muito jornalista que vá e possa fazer. Jornal fecha edição. TV tem tempo valioso. Rádios registram takes. Ninjas rodam bruto e hoje há liberdade de expressão, além de tecnologia.
    Mas antes havia qualidade e inteligência, nomes importantes, líderes. Éramos vários grupos e tendências. Lembro quando fundamos o jornal "Nós Mulheres", feminista.
    Uma guerra para fechar cada edição. Tudo era difícil para todos: alguns, apoiados por organizações políticas e partidos na clandestinidade; outros, por vaquinhas, o crowdfunding da época, ajudados por artistas ou militantes de boas famílias.
    No sobrado da rua Capote Valente, 376, havia duas redações: "Nós Mulheres" no porão emprestado e o "Versus" no térreo. Horas vagas na militância jornalística. Todos eram assim. Nada se podia pagar. Poucos eram editores profissionais.
    E para buscar os jornais nas raras gráficas que aceitavam o risco de trabalhar para "subversivos"? Ou caloteiros, que às vezes também éramos? Filmados, fotografados, seguidos e perseguidos pela polícia política.
    Bombas explodiam nas redações ou em bancas que ousavam vender nossos jornais. Ou, como aconteceu no Bar da Terra, que frequentávamos. Ali, se a bomba tivesse sido mais certeira, dizimaria boa parte de quem fazia a imprensa nanica, como simpaticamente era vista.
    Era uma imprensa que juntava jornalistas, intelectuais, pesquisadores, pensadores, contatos do exílio, o que de melhor havia. Formulávamos um país melhor.
    Nada contra a Mídia Ninja. Acompanho muitas manifestações por eles. Mas daí a dizer que o que vêm fazendo é igual à imprensa alternativa, que são gênios da informação, calma lá. Alguém que tenha tido a pachorra de acompanhar a linguagem descompassada da cobertura, o português assassinado, as bobagens ditas no ar, a desinformação, a ignorância política ou que tenha tido a disposição de ler os comentários da audiência viu que é tão ruim que chega a ser divertido.
    O jornalismo da vida real é feito sem brincadeira, por profissionais, que deveriam ter melhores condições de trabalho, de tempo, de estrutura. Denúncias, entrevistas, investigações e reportagens requerem técnica e --por que não dizer?-- proteção, em suas várias formas.
    Não há esse duelo "velho" jornalismo, "novo" jornalismo. Vejo uma visão empobrecida de quem ouviu cantar o galo por aí, falando em "crise narrativa" --expressão cunhada pelo Fora do Eixo Pablo Capilé, que insiste na confusa e rala análise que faz onde pode, se enrolando todo.
    Mestre Dines, com todo o respeito: não terá o senhor se entusiasmado demais? Ninjas são parte da nossa fantasia, aquela coisa oriental de luta. Os meninos são ninjas de marketing, de sorte de sigla: Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação. Não se sustentam nas pernas. Não têm qualidade. São fugazes. Como o papa alerta, jovens podem ser as maiores vítimas da manipulação.

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