sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Questão que pode beneficiar Dirceu gera tensão no STF

folha de são paulo
SEVERINO MOTTA
FILIPE COUTINHO
FERNANDA ODILLA
DE BRASÍLIA
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Ao analisar uma questão que pode vir a beneficiar o ex-ministro José Dirceu, condenado como mentor do esquema do mensalão, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, voltou nesta quinta (15) a bater boca com o ministro Ricardo Lewandowski no plenário do STF.
A sessão foi encerrada abruptamente, após Barbosa acusar o colega de promover "chicana", como os advogados chamam as manobras às vezes usadas para atrasar a conclusão de um processo.
Embora não tenham sido analisados quinta, os recursos apresentados por Dirceu têm argumento similar ao que provocou divergência pública entre os ministros.
O STF retomou na quarta (14) o julgamento do mensalão, iniciando a análise dos recursos dos condenados. Até agora, o tribunal já examinou os pedidos de 7 dos 25 réus e rejeitou todos os recursos.
O bate-boca de quinta começou durante a análise do pedido apresentado pelo ex-deputado do PL (atual PR) Carlos Rodrigues, que tentava reduzir sua pena com o argumento de que foi punido por lei mais severa do que a que vigorava à epoca do crime.
Editoria de Arte/Folhapress
Ao avaliar o recurso, Lewandowski, que é revisor do processo, considerou que ele deveria receber punição mais branda pelo crime de corrupção passiva, pelo qual foi condenado a três anos de prisão.
O ex-deputado recebeu o primeiro pagamento do esquema do mensalão em 2002, quando a lei previa pena de um a oito anos de prisão para o crime de corrupção.
No entendimento de Barbosa, que é o relator do processo, como Rodrigues recebeu outro pagamento em dezembro de 2003, ele deveria ser punido pela lei aprovada em novembro desse ano e em vigor hoje, que aumentou a pena para até 12 anos de prisão.
Ao ouvir os argumentos de Lewandowski, Barbosa ponderou que o tipo de recurso apresentado por Rodrigues, chamado de embargos de declaração, não permite a alteração de algo que já havia sido julgado na primeira etapa do julgamento.
Barbosa também reclamou do tempo gasto nesta quinta com o julgamento do recurso de Rodrigues que, se aceito pela maioria do tribunal, abrirá a possibilidade de revisão da pena de José Dirceu.
Ao julgar o caso de Dirceu no ano passado, o STF concluiu que o esquema do mensalão começou a operar na época da morte do ex-presidente do PTB José Carlos Martinez, em outubro de 2003.
Mas um erro cometido por Barbosa induziu o plenário a entender que Martinez morrera em dezembro desse ano, quando já estava em vigor a lei mais rigorosa, usada para definir a pena de Dirceu.
Na quinta, quando Barbosa reclamou da demora na análise do recurso de Rodrigues e sugeriu que o revisor estava fazendo "chicana", Lewandowski pediu que o presidente do STF se retratasse.
Barbosa não se retratou, acusou Lewandowski de não respeitar o tribunal e encerrou a sessão. Segundo ministros ouvidos pela Folha, os dois continuaram discutindo nos bastidores, com dedos em riste.
Editoria de Arte/Folhapress


QUESTÕES DE ORDEM
MARCELO COELHO - coelhofsp@uol.com.br
Chicanas!
A palavra infamante foi proferida por Joaquim Barbosa. Lewandowski ficou apoplético
Terminou pessimamente, ontem, o que poderia ser uma sessão sem maiores problemas no STF. Discutia-se, com alto grau de concordância, mais uma série de "embargos declaratórios" apresentados pelos réus do mensalão.
Em tese, esses pedidos serviriam para eliminar omissões ou obscuridades na decisão já tomada pelo tribunal. No fundo, em sua maioria, terminam sendo atos de "mera irresignação", como disse Joaquim Barbosa.
Funcionaram como pretexto, por exemplo, para que Roberto Jefferson solicitasse "perdão judicial" pelos crimes que cometeu. Afinal, não foi por seu intermédio que todo o escândalo veio à tona? Segundo a defesa, esse ponto não foi discutido pelos ministros... Omissão, portanto, no acórdão que o condenou.
Mas o ponto tinha sido discutido, e o plenário não aceitou o argumento.
Jefferson foi além, apontando também "omissão" do STF ao não incluir o ex-presidente Lula no julgamento. Mas isso, como todos sabem, não foi responsabilidade do STF, e sim da acusação. O Ministério Público não viu provas contra Lula; nada havia a embargar, ou recorrer, nesta altura do julgamento. "Mera irresignação" de Jefferson.
Outras irresignações, também sem maior efeito prático, vieram do novo ministro Luís Roberto Barroso. Ele estranhou, por exemplo, que uma simples funcionária de Marcos Valério, Simone Vasconcelos, tivesse recebido pena tão alta --12 anos, e 7 meses e 20 dias de reclusão.
Mas, como o próprio Barroso reconheceu, não era o momento de rediscutir decisões já tomadas pelo tribunal.
Ou era? Tudo ficou de pernas para o ar quando se examinou o caso do Bispo Rodrigues. O vice-presidente do PL foi condenado por corrupção, do mesmo modo que seu líder, Valdemar Costa Neto.
A defesa de Rodrigues estranhou, contudo, a pena aplicada. No caso de Costa Neto, ficaram valendo critérios mais brandos. Por quê?
Ocorre que, enquanto as atividades dos mensaleiros corriam a pleno vapor, foi aprovada uma lei prevendo penas mais pesadas para o crime de corrupção. Se alguém cometeu o crime antes dessa mudança, recebe punição mais leve.
Foi o caso de Costa Neto, que participou de um acordo entre o PL e o PT, no qual se acertaram "vantagens indevidas", antes da alteração da lei. Note-se que, para ser corrupto, não é preciso receber o dinheiro. O mero ato de solicitá-lo já caracteriza o crime.
Rodrigues não participou dessas negociações. Mas recebeu propina. Mais tarde. Num momento em que já valia a nova lei. Sua corrupção, portanto, foi punida com mais rigor.
Tudo isso já tinha sido decidido em plenário. Mas Ricardo Lewandowski, ontem, voltou a ter dúvidas. Se Costa Neto, ao receber dinheiro, estava apenas vivenciando a consequência prática de um crime cometido antes (que foi o de pedir dinheiro), por que Rodrigues, ao receber dinheiro do mesmo acordo, é punido como se o crime tivesse sido cometido depois?
Claramente, Lewandowski estava se confundindo. Eram dois réus, com atos diferentes, embora o nome e a causa dos atos sejam iguais. Um solicitou dinheiro na data "x", e foi condenado por corrupção. Outro recebeu dinheiro na data "y", e é condenado (com mais severidade) por corrupção também.
Não adiantou que Luiz Fux, Gilmar Mendes e Celso de Mello esclarecessem o ponto. Lewandowski continuava "irresignado".
Chicanas! A palavra infamante foi proferida por Joaquim Barbosa. Lewandowski ficou apoplético. Exigiu que o presidente do STF retirasse o que disse. Barbosa não retirou. Retiraram-se todos, logo depois, quando a sessão foi encerrada, em clima consternador.

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