sábado, 5 de julho de 2014

A terceira via - Carlos Herculano Lopes

O ensaísta e tradutor Cláudio Willer mergulha na obra e do projeto existencial dos autores da Geração Beat, com destaque para Jack Kerouac e Allen Ginsberg


Carlos Herculano Lopes
Publicação: 05/07/2014



O poeta Allen Ginsberg, autor de Uivo, poema que marcou várias gerações, em imagem captada por Williams Burroughs         (Gabriel Bouys/AFP)
O poeta Allen Ginsberg, autor de Uivo, poema que marcou várias gerações, em imagem captada por Williams Burroughs


Um dos maiores especialistas brasileiros na chamada Geração Beat, movimento literário de vanguarda, composto por alguns escritores tidos como marginais, que surgiu nos Estados Unidos na década de 1950, com reflexos que perduram até hoje em todo o mundo, o escritor e ensaísta Cláudio Willer acaba de publicar um novo livro sobre o tema, Os rebeldes – Geração Beat e o anarquismo místico. O trabalho, que enriquece a bibliografia já existente, é resultado do pós-doutorado em letras, Religiões estranhas, misticismo e poesia, realizado por Willer como bolsista no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, concluído em 2011.

Se no seu primeiro livro sobre o tema, Geração Beat (Editora L&PM Pocket, 2009), que teve nas figuras de Allen Ginsberg e Jack Kerouac seus principais representantes, Cláudio Willer contou a história do movimento, com seus desdobramentos literários e sociais, em Os rebeldes… ele explora, entre outras facetas, o anarquismo místico, as viagens (reais ou imaginárias, muitas vezes embaladas pelas drogas) e as tendências religiosas da turma, sobretudo de Allen Ginsberg. Tanto que, logo no início do segundo capítulo, “As religiões Beat”, ele pergunta: “Poderia a Geração Beat ser considerada um movimento religioso?”.

De acordo com Willer, que é autor ainda de Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia (Civilização Brasileira, 2010),  essa tendência religiosa dos beats é como uma procura de respostas a questões fundamentais sobre o sentido da vida e estar no mundo, como um desejo de autoconhecimento e de transcendência. “E como busca de uma terceira via: nem religião institucional, nem visão cientificista de mundo”, diz.

Para Willer, a ligação de Allen Ginsberg com a religiosidade, que acabou levando-o a países como Israel, Índia e Cuba, onde se interessou pela santeria, culto oriundo de ritos africanos, começou desde criança, apesar de ele não ter sido criado em ambiente religioso. No seu diário de juventude, por exemplo, já se encontram referências a Deus e às religiões.

Tendências religiosas à parte, Cláudio Willer, paulistano nascido em 1940, conta que seu interesse por aquela geração, que teve ainda, entre seus expoentes, nomes conhecidos como Gregory Corso, MacClure, Di Prima e Burroughs, surgiu no início dos anos de 1960, quando caiu na vida. “Li On the road e The dharma bums (Os vagabundos iluminados), de Keroua, e gostei. Beat era tema na imprensa, novidade que interessava, inclusive por escândalos e tentativas de censura e libertinagem”, conta Willer.

Ocorreu também que um dia, ainda segundo ele, o poeta Roberto Piva apareceu na sua casa com uma pilha de livros da turma, lançados pela City Lights. Não deu outra, simplesmente leram tudo, como adolescentes descobrindo um novo mundo. “Já em 1967, com Décio Bar, fiz América, uma encenação teatral de poemas beat. Depois traduzi Uivo, de Ginsberg, e quando o mercado editorial brasileiro começou a se despertar para os beats, em 1984, eu estava preparado para participar”, conta.

Os rebeldes – Geração Beat e o anarquismo místico

. De Claudio Willer
. L&PM Editores, 198 páginas, R$ 34,90



três perguntas para...
Claudio Willer
escritor

 (Rodas de Leitura/Divulgação)


Quando os beats surgiram nos EUA, na década de 1950, causaram furor por suas ideias e escritos, tidos como anarquistas. Foram perseguidos e execrados pela mídia conservadora. O que ficou daquela época?

O que deixaram? Obras, em primeira instância. Algo para ser lido. E, como espero ter mostrado nesse meu novo livro, para ser estudado. Em termos mais gerais, se compararmos como era o mundo há 60 anos e como é hoje, examinando o que melhorou, há uma contribuição beat para essa melhora, em temas como tolerância, respeito pela diversidade, valorização do multiculturalismo (insisto muito na contribuição de Kerouac nesse tópico); enfim, liberdade.

No seu livro você diz que Allen Ginsberg foi a figura central do movimento. Por quê?

Barry Miles, em sua biografia de Ginsberg, afirma que, sem ele, não teria havido o movimento Beat. Isso, por ele incentivar os amigos, acreditar na existência de um movimento, atuar como ideólogo e animador. Era uma figura maravilhosa. Deu-me atenção, respondeu a minhas consultas assim como as de outros tradutores (Willer traduzir o poema Uivo, de Ginsberg), fez que seus livros sempre me fossem enviados. Sua obra é definitiva, como criação poética e documento histórico.

Qual o lugar de Jack Kerouac entre os escritores da mesma geração?

Kerouac é ao mesmo tempo um autor complexo, que promove uma síntese da língua falada e da expressão erudita – em passagens de Vanity of Duluoz, por exemplo, ele emenda Shakespeare e fala das ruas. E foi o criador da expressão Geração Beat, com plena consciência das consequências dessa criação. 

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