sábado, 5 de julho de 2014

Eduardo Almeida Reis-Pandegando‏

Tudo é esquisito, muito esquisito, num tribunal de contas, a começar pela maioria dos conselheiros em todos os estados, sem olvidar os ministros do Tribunal de Contas da União


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 05/07/2014





Como sabe o leitor, pandegando é o gerúndio do verbo pandegar, viver em pândegas como vivem os tribunais de Contas de um país grande e bobo. Ainda quando aqui ou ali, eventualmente acolá, seja possível encontrar cavalheiros e damas capacitados e bem-intencionados procurando trabalhar honestamente, o conjunto da obra é pândego.

Agora em maio os telejornais nos mostraram alguns dos bens imóveis de um conselheiro do TCESP, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, cavalheiro que recebe por mês pouco mais de R$ 26 mil e deve gastar perto disso na manutenção de cada um dos seus muitos imóveis. Não é fácil ter acesso ao saldo de suas contas nos paraísos fiscais, mas as assinaturas daqui coincidem com as fichas dos bancos paradisíacos, como deu para perceber nos jamegões mostrados pela tevê.

Tudo é esquisito, muito esquisito, num tribunal de Contas, a começar pela maioria dos conselheiros em todos os estados, sem olvidar os ministros do Tribunal de Contas da União. Quais são os critérios de escolha? Quem escolhe? Por que escolhe? Quem elege? Por quê?

O fenômeno é contagiante e se estende aos funcionários concursados e/ou apaniguados. No TCMG – e Minas é estado menos incivilizado que os outros – vi coisas do arco da velha, como por exemplo: um conselheiro analfabeto de pai e mãe, sem prejuízo do seu próprio analfabetismo pessoa física. Deve ser carismático, pois o carisma tem sido usado para explicar a eleição de outro analfabeto para cargo muito mais importante do que o de conselheiro do TCMG.

Releva notar que carismáticos eram Lampião, Hitler, Mao, Ceausesco, Benito Amilcare Andrea Mussolini, Pol Pot, Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, e tantos outros do mesmo naipe, donde se conclui que é melhor não concluir nada e não acreditar na inviolabilidade das urnas eletrônicas.

Hebdomadário


O vestibular da Nacional de Direito, no Rio, tinha provas escritas e orais. Em francês, pediam a tradução de autor moderno. Até hoje não falo uma palavra de francês, mas estudei Françoise Sagan (1935-2004), que tinha publicado Bonjour Tristesse aos 18 aninhos com enorme sucesso: “Sur ce sentiment inconnu dont l'ennui, la douceur m'obsèdent, j'hésite à apposer le nom, le beau nom grave de tristesse”.

Pensei que fosse autora moderna e caiu na prova a tradução de um trecho de Balzac (1799-1850), que falava de uma “fête hebdomadaire” nos arredores de Paris. Mesmo para um analfabeto em francês, a tradução era fácil, mas empaquei no “hebdomadaire”. Julgando improvável a existência de camelos e dromedários nos subúrbios parisienses, mantive “hebdomadaire” na tradução, explicando no final da lauda: “Hebdomadaire é palavra muito usada na França, principalmente nos arredores de Paris, e significa esquisito, inusual, incomum”. Voltando para casa, fui ao dicionário e descobri que “hebdomadaire” é semanal. Portanto, no subúrbio parisiense a festa era semanal. Tirei 6 na prova escrita.

Dias depois a prova oral, anfiteatro imenso, centenas de vestibulandos, três professores sentados na banca lá embaixo. Fui dos primeiros sorteados. Levantei-me de terno e gravata, lá em cima, e gritei para os professores-doutores: “Aqui vai o homem do hebdomadaire”. Os três caíram na gargalhada. Minha “tradução” tinha circulado entre eles. Conversamos sobre os mais diversos assuntos, menos sobre a língua oficial da França: os três já sabiam da minha ignorância. Tirei 10.

Provas orais são muito perigosas. Aluno desembaraçado leva os professores na lábia. Tirei 10 em diversas disciplinas no vestibular da Faculdade do Catete. Em vez de responder às perguntas, elogiava as obras publicadas pelos examinadores. Obras que nunca li, mas sabia os nomes dos autores. Na prova de medicina-legal – especialidade médica que aplica conhecimentos médicos na resolução de questões jurídicas –, quando o professor Hélio Gomes perguntou se o sujeito, querendo, pode ficar maluco, respondi que sim. “Como?” perguntou o mestre. E o aluno engravatado: “Comprando um carro velho”. Opinião de um vestibulando que havia comprado, um mês antes, um Cadillac 47, hidramático, que chegava aos 135km/h na Praia de Ipanema sem o menor compromisso com a estabilidade e vivia enguiçando, sem falar da noite em que pegou fogo na porta do melhor rendez-vous do Rio. Graças ao carro velho tirei 10 em medicina-legal.

O mundo é uma bola

5 de julho: faltam 179 dias para acabar o ano e oito dias para acabar a Copa das Copas. Em 1687, publicação dos Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, de Isaac Newton (1642-1727), que tomava conta da fazendinha de sua mãe e vivia no mundo da lua próximo do seu alto filosofar. Em 1811, independência da Venezuela, o primeiro país da América do Sul a livrar-se da Espanha. Decorridos 203 anos, a Venezuela está nas mãos de Nicolás Maduro e falta papel higiênico. Pobre país.

Em 1914, portanto há exatos 100 anos, o aviador Eduardo Pacheco Chaves faz o primeiro voo de São Paulo para o Rio de Janeiro em seis horas e meia. Monoplano Bleriot, velocidade média: 80 km/h.

Ruminanças

“Não foi Chesterton quem escreveu que o avião faz encolher o mundo e que o microscópio o engrandece?” (Paul Morand, 1888-1976). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário