sábado, 12 de julho de 2014

A vergonha não é sua ARNALDO VIANA‏

A vergonha não é sua 
 
ARNALDO VIANA - arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 12/07/2014


Todos os retransmissores de notícias deste Brasil transpuseram a noite de terça para quarta-feira falando em vergonha, decepção, vexame. E a TV, principalmente, arrastou esses sentimentos em todos os programas, noticiosos ou de entretenimento. A ideia que jornalistas e palpiteiros passavam era de uma nação arrasada, atirada de repente ao chão para rastejar humilhada e digna de dó do resto do mundo. Na mesma TV, a mocinha disse: “A vergonha é do futebol”. Uma das mais sábias declarações pós-goleada alemã. Certa a garota. A vergonha não é do país, não é do brasileiro.

O brasileiro, o cidadão ganhou a Copa, não a do futebol, mas a da civilidade, do orgulho de ser filho desta terra. Foi o povo, hospitaleiro, quem mostrou ao turista do exterior os sabores inigualáveis da nossa culinária, as belezas naturais e artísticas do país. A diversidade cultural, do Arroio ao Chuí, encantou europeus, latinos, asiáticos e africanos. Então, envergonhar-se de quê? De um futebol que nem é mais das massas, distantes das arenas, do palco, de quem elas ainda idolatram? De um futebol que não é mais esporte? É! Futebol, há tempos, virou negócio no Brasil.

Não pensem que a Seleção Brasileira vai resgatar a capacidade de encantar o torcedor e de conquistar títulos trocando o técnico. Mesmo sabendo-o arrogante, teimoso. Quem mais ele convocaria? Ronaldinho, Robinho, Kaká? Acredita você que eles resolveriam diante do que a Alemanha apresentou? A questão é bem mais profunda. Quem o Brasil revelou depois do surgimento de Neymar e Ganso há cinco ou seis anos, capaz de ombrear a responsabilidade de uma camisa pentacampeã? Ninguém. O futebol mudou de mãos. Nem os clubes mandam no futebol. Quem manda são os chamados grupos de investidores, a quem chamaremos a partir de agora de GIs.

Quem são os grupos de investidores? Ninguém sabe. Formar craque, lapidar talento é um processo demorado. A ganância, a volúpia pelo dinheiro fácil, depois que os europeus inflacionaram o mercado futebolístico, corre mais rápida. Os chamados agentes a serviço dos GIs blindam os portões dos campos infantojuvenis dos clubes. Não sem conveniência, claro. Só entra quem interessa a eles. Meninos magrinhos, meninos baixinhos, mesmo bons de bola, são descartados como lixo. Só entra quem estiver de mãos dadas com os “empresários”. O negócio é formar atletas altos, fortes, corredores.

 Todos os dias o Brasil exporta um desses caras para Portugal, Espanha, Inglaterra, Ucrânia. Conhecem algum talento, dos que foram nos últimos anos (à exceção de Neymar), capaz de suprir uma Seleção Brasileira? Então? Como ganhar uma Copa, mesmo em casa? Queriam que a torcida jogasse? Só se ela pudesse entrar em campo para tentar frear o carrossel alemão. E quando um desses robôs – alguns deles estiveram a serviço da Seleção na Copa – é negociado por 30 milhões de euros, o clube fica com uma ninharia e a bolada vai para os cofres dos GIs,

Mas quem são os GIs? Se o Ministério Público não perguntar e insistir na pergunta, ninguém nunca vai saber. Incrível! São invisíveis e nem se sabe se são figuras jurídicas. E se os clubes, todos endividados, ficam com a menor fatia do bolo, como investir em categorias de base? Analisem o nível técnico do Campeonato Brasileiro dos últimos cinco anos. Vinte clubes na Série A, 20 na B, e tantos outros nas C e D. E nenhum jogador digno de ser chamado de selecionável.

A Alemanha só chegou ao futebol semelhante ao estilo brasileiro dos anos 1950 aos anos 1970, que aplicou sobre o time Felipão, porque o governo pegou US$ 1 bilhão e, em parceria com a Federação Alemã, criou centros de excelência de onde saíram os craques (à exceção de Klose) que amanhã decidem a Copa contra a Argentina. Se o Brasil quiser recuperar o prestígio de seu futebol, tem que cortar essa ligação venenosa dos clubes com os GIs. Criar parcerias com as categorias de base e abri-las aos talentos mirins, sejam eles magros, feios ou não apadrinhados. E, pelo amor de Deus, sem botar dinheiro vivo nas mãos de dirigentes.

Enquanto autoridades e entendidos discutem as saídas para o futebol, sigamos em frente como povo, como nação e não como uma pátria calçada de chuteiras e com uma bola no lugar da cabeça.

Recado do Negão: Não permita que sua criança se sinta uma derrotada. O sorriso dela ajudou, e muito, a iluminar os caminhos deste país para que os gringos descobrissem um povo, uma comida de recursos ilimitados e um dos mais lindos pedaços deste planeta. 

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