sábado, 9 de agosto de 2014

Arnaldo Viana - Entre bichos e homens‏

Entre bichos e homens 
 
Arnaldo Viana - arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 09/08/2014


A conversa dos últimos dias girou em torno do incidente no zoológico de Cascavel, no Paraná. O tigre Hu dilacerou o braço de um menino de 11 anos. Imediatamente, iniciou-se a caça aos culpados. O pai, que teria sido omisso; o garoto, pela brincadeira imprudente; os demais visitantes que testemunharam a cena e nada fizeram, a não ser pedir à criança que parasse de provocar o felino; os administradores do zoo, por questões de segurança; e o próprio tigre, que passou dias isolado em uma espécie de solitária. Não se sabe se o animal se sentiu provocado no seu instinto de caçador ou de defesa, se estava retribuindo uma brincadeira, um afago, sem a noção da força da pata e do risco que as garras afiadas oferecem. Por fome e ódio, com certeza não foi.

Logo pipocou na internet notícia falsa de que Hu seria sacrificado. Sem justificativa, a não ser aquela bobagem de “ah, ele provou a carne humana”. É lógico que escondidos na vastidão da rede havia aqueles interessados realmente na morte do felino enclausurado. Então veio a reação do garoto: “Não matem o tigre”. Crianças entendem melhor os animais que os adultos, porque elas ainda não desenvolveram o pior dos sentimentos tipicamente humanoides: o ódio, que pode vir da incompreensão, da intolerância ou mesmo da ignorância. Se fosse um homem, enjaulado desde a infância, como aquele tigre, como reagiria se visse alguém correndo de um lado para o outro, atiçando-o, com o inocente objetivo de atraí-lo a uma brincadeira? Pensemos nisso.

O filme O planeta dos macacos: o confronto, sequência de O planeta dos macacos: a origem, tirando as cenas desnecessárias – sempre as há na maioria das fitas –, oferece ótimo campo para reflexão. Mostra em quais circunstâncias os humanos e os outros seres do reino animal podem parecer iguais ou diferentes. Não se trata apenas de, simplesmente, separar a natureza de cada um. Mas também de convivência, de espaço, de sentimentos, de reação a atos e ações. O filme deixa entender quem desenvolveu o ódio em quem. Quem tem a melhor percepção da inutilidade de conflitos violentos se há meios de evitá-los.

A questão do espaço é interessante levando em conta que o animal tido como não racional usa seu hábitat para procriar, caçar, para se esconder e se defender de predadores. Como o macaco na mata. O homem também tem florestas, mas os interesses são outros. Um dos modernos hábitats humanos, só para citar um, é a internet, e ele a usa muito, mas muito mesmo, para atacar, ofender, sob a sombra do anonimato. Para fins escusos. Estudo recente mostra que entre 2010 e 2013, com a proliferação de aplicativos, o número de páginas de conteúdo de intolerância religiosa saltou de nove para 409. Neonazismo, de duas para 236. Racismo, de 49 para 6.911. Xenofobia, de 38 para 335. Apologia ao racismo e a outros crimes, de 33 para 2.398. Homofobia, de 12 para 815. Isso sem falar em outras práticas, em outros tipos de ataque, cara a cara, como se vê no trânsito, nas filas, no transporte coletivo, nas esquinas.

E ainda queriam matar o tigre!

Recado do Negão: As eleições estão chegando. Já pensaram no Congresso, nas cadeiras legislativas estaduais? Já pensaram nas bancadas representativas de grupos econômicos? Perguntem ao seu candidato, sem se vexar, se ele vai integrar um desses grupos ou se vai trabalhar para as causas populares. Dizem, há séculos, que perguntar não ofende.

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