sábado, 17 de novembro de 2012

Murakami reinventa ethos do folhetim clássico - Joca Reiners Terron


Em "1Q84", autor japonês, eterno cotado ao Nobel de Literatura, cria heroína sexy que vinga mulheres espancadas
JOCA REINERS TERRONESPECIAL PARA A FOLHA
UM ASPECTO DE ORDEM ESTRUTURAL É ONIPRESENTE EM "1Q84": A REPETIÇÃO NOVELÍSTICA. É IMPOSSÍVEL SE PERDER NA EXTENSA TRAMA
Mais de um crítico relaciona Haruki Murakami ao realismo mágico latino-americano. Diferentemente de García Márquez e companhia, de estilista da linguagem o japonês não tem nada, e sua fatura demonstra a personalidade de uma bula de remédio.
Contudo, diacho, é impossível parar de ler "1Q84".
Diversas qualidades desse catatau de mais de mil páginas em três volumes, incluindo o irrefreável anseio vira-páginas, permitem compará-lo a outro produto típico destas bandas do sul do mundo: a telenovela brasileira.
Blasfêmia?
Que nada. Ainda concernente ao estilo, um aspecto de ordem estrutural é onipresente em "1Q84": a repetição novelística.
O autor repete e repete informações que o leitor está careca de saber, como afirmando a cada reiteração: "Prestou atenção nisso? É importante".
Assim, torna-se impossível se perder em meio à extensa trama. E há a exuberância inverossímil dos protagonistas: a sexy Aomame é a assassina de espancadores de mulheres (parecida demais com a personagem Lisbeth Salander do jornalista e escritor sueco Stieg Larsson), ex-testemunha de Jeová e mestre em artes marciais. Tengo é um escritor inédito contratado pelo editor Komatsu para reescrever "Crisálida de Ar", romance da adolescente disléxica Fukaeri.
Com hábil condução, Murakami imbrica essas duas histórias aos poucos.
Ano após ano, às vésperas do Nobel, Murakami vai ao topo das listas de apostas.
Investir em sua vitória, porém, não seria diferente de jogar fichas em Larsson (se vivo fosse) ou Henning Mankell, com uma diferença: os suecos militaram politicamente, ao contrário do japonês, e isso costuma somar pontos para o prêmio.
Então o que os aproxima? Todos praticam ficção de entretenimento, vala larga e profunda onde cabe quase tudo, inclusive qualidade, com larga influência americana.
E o que diferencia o tão cotado autor de "1Q84"?
Comparado com Kafka, Salinger etc., Murakami tem mais a ver com si próprio, ou melhor, seus livros mais recentes soam como pálido arremedo de anteriores, como "País das Maravilhas Duro de Roer e o Fim do Mundo", inédito no Brasil.
Nesses romances, ele criou sua mistura caudalosa de ficção científica com "hard-boiled" e romance açucarado de banca de jornal.
Com eficiente método narrativo baseado em repetição, enigmas, sexo, humor esquisito, Murakami reinventa o ethos do folhetim clássico: heróis a combaterem o poder oculto e as seitas secretas que governam o mundo. Porém, ao contrário de "Os Três Mosqueteiros", de Dumas, a "realidade" de Murakami só pode ser escrita entre aspas.

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