sábado, 17 de novembro de 2012

Quando as luzes se apagam - Marcelo Freitas‏

Filmes sobre o roqueiro Raul Seixas e acerca da tensa relação entre Gonzaguinha e Gonzagão expõem o lado perverso da indústria do entretenimento em sua busca permanente de novidades 

Marcelo Freitas
Estado de Minas: 17/11/2012 


Dois filmes exibidos este ano mostraram, com muita perfeição, diga-se de passagem, um lado desconhecido da história de dois artistas brasileiros – Raul Seixas, um ídolo do rock, e Luiz Gonzaga, o “rei do baião”. Ainda que tivessem trilhado caminhos muito diferentes na música popular brasileira, suas histórias têm algo em comum. Ambos foram artistas que experimentaram o auge da popularidade, entraram em decadência, foram resgatados para o cenário musical pelas mãos de terceiros e morreram quando suas carreiras estavam novamente em alta.

A história de Raul Seixas foi contada no documentário Raul Seixas: o início, o fim e o meio, de Walter Carvalho. O filme mostra o início da carreira, o auge e o ostracismo de Raul Seixas, quando estava mergulhado no alcoolismo e nas drogas e chegou a perder até os dentes. Foi resgatado do mundo-cão pelo músico Marcelo Nova, sobre quem chegaram a pesar insinuações de que teria se aproveitado de Raul Seixas para dar um impulso à própria carreira. Juntos, fizeram shows pelo país afora, de tal forma que quando morreu, em agosto de 1989, Raul Seixas havia voltado a gravar e gozava de prestígio.

Quem retratou a vida de Luiz Gonzaga foi o diretor Breno Silveira, que levou para as telas, em Gonzaga – De pai pra filho, além da vida do sanfoneiro nordestino, um mundo desconhecido para a esmagadora maioria dos brasileiros: o do abismo que havia entre ele e seu filho, Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha, que morreu em abril de 1991, de acidente automobilístico, no Paraná.

Não sabia que os dois eram brigados. Só com o filme foi que pude entender por que Gonzaguinha nunca havia feito sucesso cantando as músicas do pai. Da mesma forma, não fosse o filme, não teria entendido os fatos que estavam por trás da célebre turnê que os dois – pai e filho – fizeram juntos em 1979 e que marcou o fim da separação. 

Foi Gonzaguinha quem retirou Gonzagão do ostracismo em que se encontrava. A pedido da mulher de Gonzagão, o filho viajou a Exu, interior de Pernambuco, onde o “rei do baião” vivia, e o convidou a, juntos, fazerem uma turnê. Nascia ali a dupla Gonzaguinha e Gonzagão, que muito sucesso fez no início dos anos 1980.

Sempre gostei muito das músicas de Raul Seixas, principalmente as de sua fase mais mística. Mas confesso que nunca havia entendido muito por que em determinada época de sua vida ele tinha deixado de ser um cantor de sucesso. O documentário de Walter Carvalho mostrou isso com muita clareza. Raul Seixas estava no fundo do poço. Porém, seu drama pessoal não foi tornado público. Para seu público, o cantor simplesmente deixou de existir por algum tempo.

As histórias de Raul Seixas e Luiz Gonzaga ilustram muito bem algo que é muito comum nos dias de hoje: o das pessoas que por seus próprios méritos ou mesmo pelos méritos da indústria do entretenimento atingem o auge da fama e depois desaparecem. Deixam de gravar discos, não aparecem mais em novelas, nem fazem filmes. 

O pior de tudo é que muitas vezes isso acontece sem que os próprios fãs notem sua falta. Confesso que não me importava muito com a ausência de Raul Seixas do cenário musical. Afinal, na indústria do entretenimento, uns são substituídos por outros. Na disputa por um lugar ao sol, há um grande número de bons atores, bons compositores e bons cantores na fila. Basta, muitas vezes, que lhes seja dada uma pequena chance.

Celebridade instantânea Nos últimos anos, a disputa pelo sucesso se tornou algo ainda mais efêmero. Com a internet, qualquer um pode fazer um vídeo com qualidade razoável e postar na rede. Um blog ou uma fan page no Facebook pode, de uma hora para outra, ter milhares de acessos e virar notícia, como foi o caso da estudante Isadora Faber, que começou a descrever como era a escola onde estudava, no interior de Santa Catarina. Até a última terça-feira, sua fan page havia recebido 442 mil  curtidas. Famosa, virou notícia nos jornais, rádios e TVs. Nas redes sociais, muitos fazem suas postagens na expectativa de que um número sempre grande de pessoas “curta” suas fotos, suas histórias, suas ideias. É a era da fama instantânea, que, vamos ser francos, muitos perseguem nas redes sociais.

Aposto que ninguém sabe como vivem e o que fazem hoje os “artistas” que “venceram” o Big Brother Brasil. Com raras exceções, como Grazi Massafera, que se tornou atriz contratada da Rede Globo, e Jean Wyllys, que se elegeu deputado federal pelo Rio de Janeiro tendo como plataforma a defesa dos direitos dos homossexuais, os demais voltaram a ser ilustres desconhecidos. Pelo menos segundo os padrões da indústria do entretenimento. Nenhum deles tem hoje a visibilidade que chegaram a ter na época do reality show.

O drama de dois grandes artistas brasileiros – Luiz Gonzaga e Raul Seixas – chegou ao cinema. Porém, por todo o país, centenas de outros artistas devem estar passando pelo mesmo que eles passaram – o amargo retorno ao anonimato. Um pouco por culpa, vamos ser realistas, deles mesmos. Porque o sucesso é inebriante. Quem está no auge da fama acredita piamente que a queda está reservada apenas para outros. Não para eles. Esquecem-se que artista é como se fosse uma mercadoria. Ambos têm prazo de validade. 

Em um campeonato de futebol, como o Brasileirão, o grande desafio não é chegar à liderança. É chegar e, ao mesmo tempo, manter-se em primeiro lugar até o fim do campeonato. No mundo artístico, a indústria do entretenimento precisa de novas caras, novos ídolos, novos ritmos musicais a todo momento. Assim, uns são sempre substituídos pelos outros. Não existem ídolos eternos. Raros são os que podem se dar a esse luxo.

A rigor, não há muito o que fazer quando as luzes se apagam. Alguns artistas procuram como que tentar barrar o avanço dos anos. Fazem plástica na expectativa de que a preservação dos traços fisionômicos lhes ajudem a preservar a fama. Na música, muitos artistas mudam de estilo acreditando que assim podem passar de uma época para outra fazendo o mesmo sucesso, como se seus fãs fossem também os mesmos. Alguns – poucos – até conseguem. Mas o resultado nem sempre convence.

Mais sábio talvez tenha sido Pelé, que resolveu abandonar o futebol no auge da fama, quando era tricampeão mundial e era insistentemente cobrado pela opinião pública brasileira para que aceitasse uma quarta convocação para integrar a seleção brasileira de futebol, desta vez em 1974. Em 18 de julho de 1971, para um público de 138 mil pessoas, em jogo contra a Iugoslávia, Pelé despediu-se da Seleção Brasileira.

Há duas semanas, o mundo da música perdeu Carmélia Alves, que nos anos 1940 e 1950 fez muito sucesso como a “rainha do baião”. Sua trajetória foi muito parecida com a do “rei do baião”. Chegou ao auge da fama e, depois, também caiu no ostracismo. Porém, diferentemente de Luiz Gonzaga e Raul Seixas, Carmélia Alves não teve quem lhe estendesse o tapete vermelho novamente. Morreu pobre e esquecida no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro. Seus últimos minutos de fama não lhe vieram em vida. Para evitar o dissabor do apogeu e do ostracismo, talvez valesse a pena o ser humano sempre se lembrar de algo do qual acaba se esquecendo quando está sob o brilho dos holofotes: que somos todos mortais.

Marcelo Freitas é jornalista

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