sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Regulamentação da profissão de historiador


PAULO PAIM E BENITO BISSO SCHMIDT
TENDÊNCIAS/DEBATES
Algumas controvérsias derivam do desconhecimento do projeto. Ninguém vai ser impedido de escrever sobre história, mas os professores tem de ser da área
A recente aprovação do projeto de regulamentação da profissão de historiador no Senado Federal, no último dia 7, tem gerado algumas controvérsias que, do nosso ponto de vista, derivam de certas incompreensões e até mesmo do desconhecimento do texto do projeto.
Alguns têm alegado que a regulamentação conduzirá ao cerceamento da liberdade de expressão daqueles que, mesmo não sendo historiadores de formação, escrevem sobre o passado.
Neste sentido, citam, inclusive, nomes de grandes intelectuais que produziram e continuam produzindo verdadeiros clássicos da historiografia brasileira.
Outros afirmam que a necessidade de formação específica levará à falta de professores de história no ensino fundamental, já que hoje muitos ministrantes desta disciplina realizaram outros cursos de graduação, como pedagogia, ciências sociais e filosofia.
Sobre o primeiro argumento contra o projeto, ele só é manifestado por quem não conhece o seu teor. Em nenhum momento foi proposto que historiadores profissionais tenham exclusividade na formulação e divulgação de narrativas históricas.
Jornalistas, cientistas sociais, diplomatas, juristas, economistas e todos os cidadãos poderão continuar a produzir conhecimento histórico -e esperamos que isso aconteça, pois só a partir de perspectivas diferentes e multidisciplinares conseguiremos fazer avançar a historiografia brasileira que, por sinal, é bastante consistente e tem grande reconhecimento internacional.
Além disso, advogar esta exclusividade aos historiadores profissionais seria atentar contra as liberdades democráticas, o que não é o caso aqui. Prova disso é que o projeto foi apoiado por todas as lideranças partidárias do Senado, demonstrando que ele não tem um viés político-partidário específico.
Quanto ao segundo argumento, defendemos sim que os professores de história realizem alguma etapa de sua formação em história (na graduação ou na pós-graduação), já que acreditamos que nossos alunos do ensino básico devem ter o direito de aprender com docentes qualificados e possuidores de conhecimentos e habilidades específicas nas áreas que lecionam.
Isso não é desmerecer professores de outras disciplinas, mas reconhecer que cada campo disciplinar implica a aquisição de saberes específicos, mesmo que em diálogo com outros âmbitos de conhecimento.
(No caso dos professores de história, por exemplo, a atenção às múltiplas temporalidades, a crítica e a interpretação dos documentos, a atualização historiográfica, a atenção às relações entre história acadêmica e história ensinada etc.)
De qualquer forma, esta especialização do corpo docente não se dará de uma hora para outra. Afinal, a própria Lei das Diretrizes e Bases da Educação prevê que, quando não há professores formados nas disciplinas específicas, devem ser aproveitados professores com outras formações e só, em último caso, professor sem nenhum formação.
Isso não impede, contudo, que, a médio e longo prazo, continuemos lutando pela qualificação e especialização de nossos professores, sem deixar de estimular, é claro, o saudável diálogo interdisciplinar.
Ou seja, o projeto não veda a ninguém o direito de escrever sobre história nem pretende impor de uma hora para outra a especialização a todos os docentes. Apenas quer assegurar a presença de historiadores profissionais em espaços dedicados ao ensino e à pesquisa científica em história, para que esses possam, em colaboração com outros estudiosos, contribuir para o avanço da área.


EDUARDO GRAEFF
TENDÊNCIAS/DEBATES
As consequências da transparência tributária
Há pouco, sem muita conversa, Dilma vetou cortes de impostos da cesta básica. Sabendo a carga tributária, os brasileiros teriam reclamado? Se sim, seria ótimo
Você sabia quanto paga de imposto toda manhã? Por exemplo: 17% no preço do pãozinho, 37% na pasta de dentes, 35% numa camisa, 41% na gasolina. Tudo isso para chegar ao trabalho sorridente e descontar 18% de imposto de renda e previdência de um salário de R$ 5.000 no fim do mês.
Os opositores do projeto de lei que manda informar a incidência de impostos na nota das mercadorias acham que você não precisa saber ou em todo caso não deveria se chatear com isso todo santo dia. Preferem não jogar sal na sua pele esfolada de contribuinte.
Não sei se a entrada em vigor dessa lei criaria um clamor coletivo pela redução de impostos, como uns temem e outros gostariam. Mas há mais em jogo aí do que o tamanho da carga tributária.
Que país nós queremos: um Estado de direito democrático com cidadãos-contribuintes cada vez mais informados e exigentes? Ou uma semidemocracia plebiscitária com clientes mais ou menos agradecidos pelos favores do Estado, em vez de cidadãos? Se é o primeiro, uma dose diária de informação sobre impostos viria bem.
O sociólogo americano Charles Tilly, no seu livro "Democracia", mostrou como diferentes formas de financiamento do Estado têm consequências políticas diferentes.
Quando precisa arrecadar impostos, o soberano tem que negociar com seus súditos. Eventualmente, pode trocar tributação por representação, como no famoso pacto entre o rei da Inglaterra João Sem-Terra e seus barões (1215), considerado a certidão de nascimento da monarquia constitucional inglesa.
Quando o soberano conta com outras fontes de financiamento, os súditos podem achar mais difícil arrancar concessões políticas dele.
Pense nos modernos autocratas dos países exportadores de petróleo. Ou na Coroa portuguesa, que terminou a Reconquista (1249) dona de quase todo o reino de Portugal, deixando sua aristocracia à míngua de terra e cacife político. Vem daí, segundo Raymundo Faoro, a renitente tradição centralista patrimonialista luso-brasileira.
Não somos, felizmente, nenhum reino nem república petroleira. A Petrobras é grande, mas não é, assim, uma PDVSA, a estatal venezuelana do petróleo, proporcionalmente ao PIB brasileiro.
O Brasil resolveu se democratizar, mas ainda tropeça em restos do patrimonialismo. A própria Constituição de 1988 é ambígua. Prevê equilíbrio fiscal mas embute pérolas como "a saúde é direito de todos e dever do Estado", como se esse fosse uma fonte de recursos descolada dos cidadãos-contribuintes.
A ambiguidade atravessa a sociedade. Cidadão-contribuinte, quem? Os ricos e pobres afeiçoados aos favores estatais (crédito subsidiado, benefícios fiscais, emprego público bem remunerado para uns, Bolsa Família para os outros)? Ou as classes médias que tentam erguer o estandarte da cidadania entre essas duas alas de clientes do poder?
Os ricos e a classe média mais escolarizada sabem quanto custa a máquina do Estado. Os pobres e emergentes têm direito de saber.
O que eles vão fazer com essa informação, não sei prever exatamente. Talvez queiram, sim, menos impostos sobre a cesta básica, por exemplo. Há uns meses, a presidente da República vetou sem muita conversa uma emenda que suprimia esses impostos. Teria que se explicar melhor se a massa dos consumidores soubesse quanto está perdendo.
Ou talvez nossa cidadania emergente, sabendo quanto paga, se sinta no direito de cobrar serviços em quantidade e qualidade correspondente. O que seria um bom problema para as nossas instituições democráticas. Aliás, um ótimo problema.
E não digam, por favor, que especificar essa conta vai fundir os computadores do fisco.

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