domingo, 30 de dezembro de 2012

Novo Oriente Médio [Editorial FolhaSP]

FOLHA DE SÃO PAULO

Primavera Árabe alterou todo o panorama da região, mas ainda não está claro se redesenho poderá desarmar tensão entre Irã e Israel
O ano de 2012 consolidou a reconfiguração geopolítica do Oriente Médio iniciada com as revoltas árabes e a escalada da tensão em torno do projeto nuclear iraniano. Esses dois fatores, interligados, delineiam perspectivas preocupantes para a região mais volátil do mundo em 2013.
A Primavera Árabe derrubou ditaduras na Tunísia, no Egito e na Líbia. Deixou um vácuo de poder rapidamente preenchido por movimentos islamitas organizados e populares. Embora imbuídos de legitimidade obtida nas urnas, os governos pós-revolucionários preocupam o Ocidente.
Suas agendas domésticas são norteadas pela sharia, a lei inspirada no Corão. Há margem para uma leitura modernizante das escrituras islâmicas, mas o jogo político compele os dirigentes recém-eleitos a fazer concessões a facções extremistas.
Direitos da mulher, das minorias e dos artistas ficam, assim, sob ameaça. Segmentos seculares se mobilizam contra o que lhes parece deturpação reacionária das revoluções. A agitação política e social será agravada pela crise econômica. Os governos pós-revolucionários precisarão superar sua inexperiência administrativa e evitar reações populistas para fazer frente a um cenário de recessão, desemprego e corrupção.
A política externa dos novos regimes árabes até agora se mostrou pragmática. A Tunísia sinaliza que os tradicionais canais diplomáticos com europeus e americanos serão mantidos.
No recente ataque israelense à faixa de Gaza, o presidente islamita egípcio, Mohamed Mursi, absteve-se de agir em favor do Hamas e contrariou parte da opinião pública nacional ao costurar um cessar-fogo com Israel. Mas essa atitude parece decorrer mais de um cálculo oportunista, com o intuito de manter a ajuda militar americana. Mursi tem problemas demais para acirrar atritos com Israel.
A nova realidade regional deixa claro, contudo, que se rompeu o pacto de confiança entre o antigo regime do Cairo e o Estado judaico. Mursi e seus aliados antissemitas desagradam aos israelenses, acuados e nervosos numa vizinhança cada vez mais conturbada.
A Síria protagoniza o capítulo mais sangrento das revoltas árabes. O levante contra Bashar Assad esbarrou na sanguinária repressão do regime e na popularidade do ditador na classe média e entre minorias religiosas.
O crescente apoio diplomático e militar da Turquia, de petromonarquias árabes e de potências ocidentais permitiu, porém, uma guinada estratégica em favor dos oposicionistas ao final de 2012. Rebeldes estão a poucos quilômetros do centro de Damasco. É provável que o cerco resulte na queda de Assad em 2013.
No entanto, as perspectivas são sombrias para a Síria. Boa parte do movimento contra Assad -membro de uma seita xiita, mas laico- é composto de extremistas sunitas, alguns deles ligados à Al Qaeda.
Responsáveis por atrocidades semelhantes às cometidas pelo regime, esses jihadistas têm uma agenda ideológica favorecida pela Arábia Saudita e pelo Qatar, que buscam expandir uma visão sunita do islã para contrastar a hegemonia do Irã, grande rival xiita.
A queda de Assad interessa também aos EUA e à Europa, pela perspectiva de privar o regime iraniano de seu principal aliado regional, o que aumentaria a pressão sobre Teerã, maior inimigo do Ocidente. Essa contenda geopolítica continuará a ser travada em várias frentes, mas o programa nuclear iraniano será um tema mais urgente do que nunca em 2013.
A provável reeleição do premiê israelense linha-dura, Binyamin Netanyahu, no pleito antecipado para janeiro, reforçará a facção partidária de um ataque às centrais nucleares iranianas. Netanyahu diz que a única solução aceitável para o Estado judaico é o fim de toda a atividade nuclear no Irã.
Vozes mais pragmáticas no Ocidente ponderam que um acordo só seria viável caso contemplasse o direito de Teerã enriquecer urânio, ainda que em níveis reduzidos, para fins energéticos e medicinais.
A reeleição de Barack Obama nos EUA foi sucedida por sinais apaziguadores da parte do Irã, o que reforça a expectativa de eventual diálogo direto entre os dois arqui-inimigos, após uma década de inócuas conversas multilaterais.
A saída de cena do incendiário Mahmoud Ahmadinejad, impedido pela lei iraniana de se candidatar a um terceiro mandato consecutivo no pleito presidencial de junho, criará um ambiente mais sereno para o diálogo entre potências ocidentais sem disposição nem recursos para uma nova guerra e um Irã sufocado por sanções.
A normalização das relações com Teerã aliviaria consideravelmente o maior foco de tensão no mundo. Novo fracasso, no entanto, tornaria muito mais plausível um conflito de consequências devastadoras para a economia global.

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