domingo, 30 de dezembro de 2012

O misterioso caso do Vaga-Lume

FOLHA DE SÃO PAULO

Coleção juvenil faz 40 ano de sucesso e terá edição digital e versões no cinema
CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULONo início dos 1970, um vaga-lume usando boina, cavanhaque, calça boca-de-sino e medalhão começou a surgir em escolas de todo o Brasil.
Batizado de Luminoso, o personagem aparecia desenhado nas orelhas de livros de títulos intrigantes como "O Escaravelho do Diabo" e "Menino de Asas". Usando expressões como "tudo joinha?", o inseto apresentava os enredos dos romances.
Boinas, medalhas e "joinhas" foram parar, há décadas, nos brechós, mas os livros de Luminoso continuam, como diria ele, "supimpas".
Lançada na virada de 1972 para 1973, a Série Vaga-Lume, coleção de romances infantojuvenis, chega aos 40 anos com mais de 70 livros em catálogo, num caso de inédita longevidade editorial.
A editora Ática, que publica a série, pretende comemorar a efeméride no final do ano que vem. "Vamos trazer novas linhas visuais para a série e lançá-la também em formato digital", antecipa o gerente editorial de literatura juvenil da casa, Fabricio Waltrick, 35, ele mesmo "fã de carteirinha" da Vaga-Lume quando moleque.
Na mesma época, no final de 2013, começam as filmagens de "O Mistério do Cinco Estrelas", de Marcos Rey (1925-1999), um dos grandes sucessos da coleção.
MILHÕES DE CÓPIAS
A palavra "sucesso" é constantemente associada à série. Dois estudos feitos como teses de doutorado pelas professoras Catia Toledo Mendonça (Universidade Federal do Paraná) e Silvia Helena Simões Borelli (PUC-SP) trazem farta documentação sobre a Vaga-Lume.
Em 1996, época do levantamento feito por Borelli, por exemplo, um dos livros iniciais da série, "A Ilha Perdida", de Maria José Dupré, já ultrapassara os 2,2 milhões de exemplares vendidos.
A Ática não divulga as vendagens, mas, caso tenha sido mantida a média histórica de 100 mil unidades/ano, o livro estaria na casa de 4 milhões de cópias.
A obra de Dupré (1898-1984) é emblemática da primeira fase da coleção. O livro, que narra as peripécias de dois garotos numa ilha habitada por um misterioso eremita, é uma clássica obra juvenil de aventura.
"O objetivo da coleção era veicular histórias ágeis, rápidas na percepção e enfáticas na ação", afirma Borelli em sua tese, publicada como "Ação, Suspense, Emoção" (editora Estação Liberdade).
Na "fase heróica" da Vaga-Lume, alguns títulos não eram inéditos. Um dos grandes êxitos da série, "O Escaravelho do Diabo", de Lúcia Machado de Almeida (1910-2005), havia sido lançado em 1956 como um folhetim da revista "O Cruzeiro".
"Se, no primeiro período de sua existência, a série se caracterizava pela presença de obras consagradas, na segunda década os textos que a comporão serão inéditos, de autores sem tradição na produção para jovens", diz Toledo Mendonça.
JOVENS AUTORES
Um desses "iniciantes" foi o hoje autor consagrado Marçal Aquino, 54. Quando foi convidado pelo editor da série à época, Fernando Paixão, Aquino era repórter do "Jornal da Tarde" e "não tinha a menor ideia do que era essa tal 'literatura juvenil'".
"Topei o desafio e resolvi contar uma história de 'turma de rua' numa cidade do interior. Acabei me divertindo muito no processo."
Depois da estreia, "A Turma da Rua Quinze" (1989), ele escreveu mais três volumes e pendurou a chuteira juvenil para se dedicar aos adultos.
Há também quem nunca tenha escrito ficção fora da Vaga-Lume. É o caso de Marcelo Duarte, 48.
O jornalista, escritor e dono da editora Panda Books publicou toda a sua obra de ficção, cinco livros, na coleção, da qual era leitor voraz desde criança.
"Comecei na quarta série, com 'O Caso da Borboleta Atíria', de Lúcia Machado de Almeida. Li ao menos 70% da coleção." Segundo ele, seus cinco títulos, entre os quais o bem sucedido "O Ladrão de Sorrisos", venderam mais de 240 mil exemplares.
O editor Jiro Takahashi, um dos criadores da Vaga-Lume, sustenta que o sucesso da coleção se deve a uma somatória de fatores. Um deles era prosaico: o preço. "As altas tiragens, devido à divulgação bem dirigida, permitiam preços baixos que facilitaram as adoções nas escolas."
Ele também salienta a importância, para a boa aceitação dos professores, dos encartes chamados "Suplementos de Trabalho", com atividades didáticas ligadas às narrativas.
Takahashi, atual editor da Prumo, do grupo Rocco, chama atenção ainda para a importância do trabalho dos designers e ilustradores, que criaram uma identidade marcante para a coleção.
Editor de arte da série entre 1978 e 1987, Antônio do Amaral Rocha destaca as ilustrações de nomes como Mário Cafiero, Jayme Leão e Milton Rodrigues Alves.
Este último, conta que para ilustrar "O Caso da Borboleta Atíria" passou um tempo internado no Museu de Zoologia. "Não tínhamos internet e a melhor maneira de saber a forma de um 'Dynastes hercules' era ir ao museu...".

    Fora da série, obras de Marcos Rey ganharão as telas
    DE SÃO PAULO"Quanto?", exclamou Marcos Rey, quando, num almoço com os editores da Ática, em 1980, recebeu a primeira proposta para fazer um romance infantojuvenil.
    "Quanto?", perguntou novamente, ao lhe informarem que a tiragem inicial poderia ser de 120 mil exemplares.
    Rey, pseudônimo de Edmundo Nonato, era um autor bem estabelecido de contos e romances adultos, e estava acostumado a tiragens na casa de 3.000 exemplares.
    A história, narrada na saborosa biografia "Maldição e Glória" (Companhia das Letras), de Carlos Maranhão, dá a dimensão do tamanho da aposta que Jiro Takahashi, editor da Ática, e Anderson Fernandes Dias, fundador da editora, fizeram em Rey.
    Mas nenhum deles poderia imaginar quão longe o autor iria no gênero. O primeiro e maior sucesso juvenil, "O Mistério do Cinco Estrelas" (1981), com mais de 2,5 milhões de exemplares vendidos, ele concluiu em dois meses. Escreveria outros 15, incluindo os sucessos da Vaga-Lume "O Rapto do Garoto de Ouro" (1982) e "Um Cadáver Ouve Rádio" (1983).
    Neste ano, os direitos destas três obras para o cinema foram compradas pela produtora RT Features, de Rodrigo Teixeira, e começam a ser filmadas no final de 2013.
    Teixeira, 36, diz que quando garoto leu todos os títulos da coleção Vaga-Lume. "Dos 8 aos 11 anos eu ia uma vez por semana a uma livraria no shopping Ibirapuera para comprar livros da coleção", relembra o produtor.
    Ele convidou Tadeu Jungle para dirigir os primeiros filmes da série, que deve estrear em julho de 2014.
    Os livros de Rey lançados na Vaga-Lume hoje estão fora da coleção. Toda a sua obra está na editora Global, que relançará em 2013 o livro adulto "A Ópera de Sabão".

      4 AUTORES E SEUS CASOS COM A VAGA-LUME
      MICHEL LAUB, 39
      "Boa parte do que aprendi sobre ritmo, estrutura e ponto de vista de uma trama vem de romances policiais. Especialmente os de Agatha Christie e alguns da coleção Vaga-Lume - como 'O Mistério do Cinco Estrelas' e 'O Escaravelho do Diabo', que li pelos 12 ou 13 anos"
      CAROL BENSIMON, 30
      "Ela foi fundamental na minha formação de 'pequena leitora'. Estudei num colégio que estimulava bastante a leitura, e muitos dos livros da coleção chegaram até mim desse jeito. Os meus preferidos eram os meio thrillers, meio policiais, em especial 'Um Cadáver Ouve Rádio'"
      MARÇAL AQUINO, 54
      "Eu tinha lido somente o Monteiro Lobato e não sabia nada de literatura juvenil. Então, no momento em que comecei a escrever, passei a ler meus companheiros de Vaga-Lume. Além do Marcos Rey, que tem uma obra estupenda no gênero, conheci o trabalho de gente como Luiz Puntel, Lúcia Machado de Almeida e Luiz Galdino"
      ADRIANA LISBOA, 42
      "Eu adorava os livros da série! Lembro-me de 'A Ilha Perdida', 'O Caso da Borboleta Atíria', 'Spharion', 'O Escaravelho do Diabo'. A Coleção Vaga-Lume parecia uma fonte inesgotável de leituras maravilhosas, era pura diversão, pura alegria. Os livros me acompanharam durante muitos anos"

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