domingo, 30 de dezembro de 2012

Situação financeira será problema para Haddad, diz Kassab [entrevista]

FOLHA DE SÃO PAULO

Prestes a passar o cargo para o novo prefeito, Kassab diz que pagamento de R$ 4 bilhões por ano à união compromete gestão
DENISE CHIARATOEDITORA DE COTIDIANOEVANDRO SPINELLIDE SÃO PAULOO maior problema que Fernando Haddad (PT) vai enfrentar é a situação financeira da Prefeitura de São Paulo. Quem fala é o terceiro prefeito com mais tempo no cargo na história da cidade, Gilberto Kassab (PSD), que termina amanhã seu mandato.
Kassab recebeu a Folha no início da noite de quinta-feira em seu gabinete praticamente vazio. Gavetas e armários já estavam limpos. Sua mesa de trabalho ainda tinha dois computadores ligados e uma pilha de papéis, a maioria portarias de exoneração de servidores de confiança.
Ele afirmou que pretende continuar na vida pública, admitiu que pode concorrer a governador do Estado em 2014, falou sobre as promessas não cumpridas em sua gestão e elogiou Haddad.
Folha - O sr. termina o mandato mal avaliado nas pesquisas de opinião. Para quem pretende ter um futuro político, não é ruim sair assim?
Gilberto Kassab - A avaliação é um sentimento que muda com o tempo. Pega a última pesquisa Ibope, 30 dias atrás deu avaliação de 19% de ótimo e bom e agora está dando 27%. Cada pesquisa tem um momento, mas existe uma tendência, passado o período eleitoral, de as pessoas passarem a tomar consciência das realizações da gestão. Eu tenho uma confiança muito grande de que, com o tempo, a avaliação tende a melhorar.
Durante a campanha, Haddad disse que o sr. era o pior prefeito que São Paulo teve...
Todos os candidatos focam os problemas da cidade. É o processo eleitoral. Findo o processo eleitoral, a tendência é que as atenções se voltem também para as realizações, não para os problemas.
Para o sr., por que Haddad ganhou a eleição?
Numa cidade como São Paulo, com tantos problemas, apesar de ter uma gestão que realizou muito, o sentimento de mudança é muito presente. Eu representei o sentimento de mudança num determinado momento. O Haddad representou. A Dilma representou. Acho que o sentimento de mudança prevaleceu, ajudou a sua vitória.
O sr. tem dito que estaria à disposição para ser candidato a governador. O PSDB já está há 20 anos no governo. O sentimento de mudança pode jogar a seu favor em 2014?
O que eu tenho dito, quando me perguntam em relação ao partido, é que existe uma diretriz recomendando aos Estados que deem prioridade à candidatura própria. Em São Paulo não é diferente. Isso não quer dizer que o candidato deva ser eu.
O sr. topa a parada?
Se tiverem circunstâncias e tiver o apoio partidário, não tem por quê [negar]. Seria uma honra muito grande ser candidato e, em caso de vitória, servir ao Estado. Como foi ser prefeito de São Paulo.
O sr. completa 20 anos em cargos eletivos. Vai conseguir ficar sem um cargo?
Eu tenho já duas missões. Eu recebi um convite da USP, aceitei, e vou ficar lá aproximadamente um ano e meio criando um núcleo de estudos voltado à gestão de cidades. E também vou ter uma atuação no campo partidário.
O sr. deixa algumas marcas na prefeitura e promessas não cumpridas. A principal marca da segunda gestão é a ciclofaixa e a ocupação do espaço público. O sr. concorda?
É a ocupação do espaço público, seja pelas pessoas, seja pelos veículos: a restrição em relação aos fretados, ocupação das calçadas pelos pedestres, o combate à ocupação dos camelôs que vendiam carga ilegal, a restrição à circulação do abastecimento na cidade durante o dia, passando para a noite, a ocupação do espaço pelas bicicletas, ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas, que foi um sucesso. Como tem sido referência a Lei Cidade Limpa.
O sr. abriu 150 mil vagas em creches. A Marta construiu 21 CEUs. Ela tem a marca dos CEUs, mas o sr. não tem a marca das creches.
Na educação, nós temos a marca da eficiência. Isso marca para o usuário. Na hora que você vincula o serviço à gestão, cresce. Isso é só com propaganda partidária, porque é ilegal qualquer outro tipo de propaganda. É isso que eu tenho dito, não é possível que essa avaliação não melhore, como melhorou quando da nossa reeleição.
Em 2008, as principais promessas eram três hospitais, 60 km de corredores de ônibus, e aqueles ônibus bonitos, modernos, R$ 1 bilhão para o Metrô. O sr. não cumpriu nenhuma dessas três promessas.
Para o Metrô foi sim. Foi nesta gestão.
O sr. prometeu R$ 1 bilhão na primeira gestão e R$ 1 bilhão na segunda gestão.
Não são R$ 2 bilhões. Na outra, encerrou a gestão e não foi R$ 1 bilhão. Foi justificado, encerrou. Tínhamos o compromisso de, nesta gestão, transferir R$ 1 bilhão...
E os outros?
Os hospitais nós estamos sendo ousados. Deixamos o modelo para a próxima gestão de parceria público-privada que nos permitiria não apenas construir, mas reformar e ampliar toda a rede. Foi paralisado pelo Tribunal de Contas. Veio o processo eleitoral e nós entendíamos que não era bom retomar, deixaríamos para a próxima gestão. E não cumprimos essa meta. Cumprimos outras.
Em relação ao corredor, demorou um pouco, mas nós avançamos bastante. Nós definimos o trajeto, conseguimos licitar o projeto, habilitamos no PAC para receber recursos, iniciamos o processo de licitação da obra. Esse processo está bem adiantado. Não avançamos 100%, mas avançamos bastante.
O sr. não acha que é ruim prometer uma coisa na campanha, depois não cumprir e dizer que deixou encaminhado?
Tudo que você fez é muito gratificante. Tudo que não foi feito é muito frustrante. O importante é que todos tenham a certeza do dever cumprido, que foi feito o melhor possível. Imprevistos acontecem.
Haddad prometeu 150 km de corredores de ônibus, 55 mil casas...
Então, vamos dizer que o Haddad faça 27.500 casas. Vai falar que a meta é zero? Claro que não. Ele concluiu 50%.
O sr. acha que dá para fazer 150 km de corredores e 55 mil casas?
Eu torço para que sim.
É possível?
Circunstâncias podem haver. Ele está com praticamente 70 km garantidos. Você vê que tem já um bom começo. Eu torço para o seu sucesso.
Qual é o principal problema que Haddad vai enfrentar?
A prefeitura está numa situação financeira muito difícil, pagar R$ 4 bilhões anualmente ao governo federal é muito. Ele conseguindo finalizar essa discussão [da renegociação da dívida] com o governo federal, poderá sobrar recursos para investimentos. Ele conhece a área financeira, tenho certeza que deve ter essa como sua principal preocupação.
Vai sentir saudade, prefeito?
Vou.
Mas não volta mais?
Não, não volto. Como tenho saudades de todas as fases da minha vida, vou ter saudades da prefeitura. Não ter saudades seria um sentimento muito ruim. Gostei muito, convivi aqui com uma excelente equipe, conheci melhor a cidade, fiz amigos. Saio muito feliz, convencido de que fizemos o nosso dever.
Leia no site da Folha a entrevista completa
folha.com/no1207832

    FRASES
    "A prefeitura está numa situação financeira muito difícil, pagar R$ 4 bilhões anualmente ao governo federal é muito. Ele [Haddad] conseguindo finalizar essa discussão [da renegociação da dívida], poderá sobrar recursos para investimentos
    "Seria uma honra muito grande ser candidato [a governador] e, em caso de vitória, servir ao Estado"
    GILBERTO KASSAB
    prefeito de São Paulo

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