domingo, 30 de dezembro de 2012

Forte na política, mas desgastado, PT faz 10 anos no poder

FOLHA DE SÃO PAULO

Favorito para emplacar 4ª vitória presidencial em 2014, partido teve imagem abalada pelo escândalo do mensalão
Petistas aderiram aos métodos tradicionais da política brasileira e fragmentaram divisão do poder com mais siglas
Jorge Araújo/Folhapress
Dilma recebe a faixa presidencial de seu padrinho político
Dilma recebe a faixa presidencial de seu padrinho político
FERNANDO RODRIGUESDE BRASÍLIAO PT completa dez anos no poder exibindo músculos na política, mas com um forte abalo em uma de suas principais bandeiras antes de chegar ao poder, a ética.
Favorito hoje para emplacar a quarta vitória presidencial seguida em 2014 -tanto Dilma Rousseff quanto Luiz Inácio Lula da Silva lideram com folga as pesquisas de intenção de voto-, a sigla tenta superar o desgaste causado pelo mensalão, maior escândalo da era Lula (2003-10).
Quando o PT chegou ao poder federal com Lula em janeiro de 2003, aderiu com rapidez aos métodos tradicionais da política brasileira.
O partido e seus aliados aparelharam o Estado e abriram espaço para a fisiologia no Congresso.
Não há inovação nessas práticas. O PT apenas emulou, ao seu jeito, o que outros faziam. E usa muitas vezes essa explicação para justificar o que pratica. Foi o caso de Lula à época em que eclodiu o mensalão, em 2005.
"O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente", declarou à época. E mais: "Não é por causa do erro de um dirigente ou outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção".
Essas explicações do então presidente da República e líder máximo do PT serviram de salvo-conduto para tudo o que o partido fez e viria a fazer no exercício do poder.
Mas existem nuanças em relação ao comportamento de outros grupos políticos anteriores. A comparação mais evidente é com o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Tanto FHC como Lula se abriram à política miúda da fisiologia no Congresso. Mas com engenharias distintas.
Nos seus oito anos no comando do Brasil, FHC preferiu construir bancadas governistas menos fragmentadas -com número reduzido de siglas. Concentrou a adesão de deputados nas legendas-âncora de sua administração, PSDB e PFL (hoje DEM).
Já Lula decidiu repelir alianças com alguns partidos maiores, como o PMDB. Optou por horizontalizar sua base, com partidos médios e pequenos. Mas aí teve de cooptar mais agremiações.
O resultado foi simples. Enquanto nos anos FHC a centralização política foi quase total, sob Lula uma miríade de interesses se espalhou, tornando a gestão da fisiologia -demandas paroquiais, legítimas ou não- dos políticos às vezes incontrolável.
Os números das bancadas no Congresso no início de cada mandato são ilustrativos. Quando FHC tomou posse, em 1995, tinha o apoio formal de 387 deputados -dos quais 258 estavam abrigados em apenas três legendas: PSDB, PFL e PMDB.
Já Lula ao assumir, em 2003, tinha uma bancada governista de 336 deputados na Câmara. Ocorre que os três principais partidos lulistas (PT, PL e PSB) somavam apenas 153 deputados.
O passo seguinte na governança política petista foi fatiar os cargos públicos entre os diversos partidos aliados.
O número de ministérios teve de crescer. Eram 27 quando FHC assumiu. Hoje são 38.
Uma base política mais fragmentada é menos controlável. Isso explica por que durante FHC o Congresso teve mais CPIs e nenhuma abalou o governo como o mensalão dos anos Lula.
O tucano conviveu com 54 CPIs, mas teve comando total em todas. Lula enfrentou 42 investigações e perdeu o controle durante a mais relevante, a do mensalão.
FHC também foi hábil ao evitar a abertura de CPIs que poderiam escapar do comando. Um caso relevante ocorreu em 1997, quando o tucano abafou uma investigação sobre a compra de votos a favor da emenda da reeleição.
À época, os deputados envolvidos foram forçados a renunciar aos mandatos. E nove dias depois de o caso eclodir, o PMDB, vital na operação dos interesses políticos tucanos no Congresso, impôs a nomeação de dois ministros.
Lula nunca conseguiu impedir a investigação do mensalão. Não que não tivesse tentado. Mas a política de fragmentação partidária não dava ao petista essa margem. De maneira inadvertida, o petismo e o lulismo ajudaram o Brasil a conhecer um pouco mais como se opera a política no país.

    Economia fica mais sólida, mas vive hoje pior momento
    Desafio é retomar crescimento para preservar avanços sociais dos últimos anos
    No poder, PT aposentou promessas mirabolantes como a de dobrar em 4 anos o poder de compra do salário mínimo
    GUSTAVO PATUDE BRASÍLIAEm outubro de 2002, enquanto Lula vencia pela primeira vez a eleição presidencial, as expectativas de inflação para o ano seguinte saltaram de 5,5% para 8%.
    Impensável nos dias de hoje, a escalada repentina das projeções dá uma ideia do terror então inspirado pelo candidato petista entre analistas de mercado, empresários, investidores e especuladores.
    Afinal, chegava ao poder o partido que havia sido contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o pagamento da dívida externa -basicamente, a tudo que mantinha o precário equilíbrio monetário e financeiro do país.
    Nos anos seguintes, o PT patrocinaria de fato mudanças na condução da economia. Mas a condução da economia mudou muito mais a teoria e a prática do partido.
    Foram abandonados slogans como "Fora, FMI" e promessas mirabolantes como a de dobrar o poder de compra do salário mínimo em quatro anos -não cumprida nem dez anos depois.
    A adesão aos pilares da política execrada nos anos de oposição tranquilizou os mercados. E, com o início de um período de rara prosperidade internacional, a administração petista tirou de cena as principais fragilidades que assombraram o governo FHC.
    Graças ao crescimento das exportações e dos investimentos estrangeiros, o governo assegurou o cumprimento dos compromissos externos.
    A dívida pública despencou para 35% do PIB, afastando os riscos de insolvência.
    A lua de mel com a ortodoxia acabou com o fim da bonança externa. Desde 2009, o controle dos gastos foi afrouxado, a preocupação com a alta de preços diminuiu e recrudesceu o intervencionismo estatal na tentativa de estimular o crescimento.
    Os liberais deixaram a equipe econômica, agora quase inteiramente composta por egressos da escola desenvolvimentista, ao gosto do PT. Mas, na falta de opção, mantêm-se ao menos no papel as metas fiscais e inflacionárias.
    Neste ano, o Brasil deixou de ser um favorito do mercado global e o PIB estagnado virou piada na imprensa especializada. Mas o PT ainda pode se apegar à indiscutível redução da pobreza, da desigualdade e do desemprego.
    Como em quase toda a América Latina, os indicadores sociais melhoraram rapidamente desde a década passada, devido à combinação de transformações no mercado de trabalho e ao impacto de programas sociais.
    No Brasil, recordista de gasto público na região, a queda da miséria ficou acima da média, e o programa Bolsa Família se tornou a principal marca doméstica e internacional da gestão petista.

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