sábado, 26 de janeiro de 2013

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Coagulante nacional para hemofilia tipo A 

Pesquisadores da Universidade de São Paulo desenvolvem fator VIII recombinante, que pode beneficiar cerca de 10 mil brasileiros. Apesar da tecnologia nacional, governo fechou acordo para importar medicamento estrangeiro 

Shirley Pacelli
Estado de Minas: 26/01/2013 

Na infância, Maxmiliano Anarelli, o Max, não podia jogar futebol, andar de bicicleta ou mesmo correr. Hoje, aos 35 anos, nada de andar de moto ou se aventurar em esportes radicais. Tudo isso para evitar atividades em que ele possa se machucar e sofrer uma hemorragia – até mesmo diante de um pequeno ferimento. Max tem hemofilia, doença em que a coagulação do sangue não se completa corretamente. Ele é um dos 10 mil brasileiros que podem ser beneficiados com a pesquisa para a produção nacional do fator VIII recombinante (rhFVIII), fármaco para o tratamento da hemofilia do tipo A. Pesquisadores do Centro Regional de Hemoterapia do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC/FMRP/USP), desenvolveram uma tecnologia, exclusiva no Brasil, do rhFVIII produzido por meio de engenharia genética à base de células humanas. 

Atualmente, o país é importador de concentrados plasmáticos, originados da França e da Itália. Nos últimos dois anos, o investimento do Ministério da Saúde foi de R$ 497 milhões para garantir o atendimento aos pacientes com hemofilia assistidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar da pesquisa da USP, em outubro a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) assinou um contrato de transferência de tecnologia do fator VIII recombinante com a Baxter, empresa multinacional na área da saúde. Pelo acordo, os laboratórios estrangeiros se comprometem a transferir aos laboratórios brasileiros a tecnologia para a produção nacional do medicamento ou da vacina, dentro de cinco anos. Como contrapartida, o governo brasileiro garante exclusividade na compra desses produtos durante esse mesmo período. Há 11 anos o estudo da produção do rhFVIII está sendo desenvolvido no Centro de Hemoterapia da USP em Ribeirão Preto, coordenado pelo professor Dimas Tadeu Covas. 

Segundo a pesquisadora da equipe Virgínia Picanço e Castro, devido ao tratamento atual usar apenas fatores derivados do plasma (que tem quantidade limitada), eles apresentam riscos de contaminação viral (como por HIV e hepatites B e C), além de serem caros. Dessa forma, o tratamento com recombinantes é uma melhor opção para os pacientes. 

A técnica usada na hemoterapia utiliza a tecnologia do DNA fator recombinante para produzir fatores de coagulação em cultura de células. “A grande inovação do nosso produto frente aos existentes no mercado é que o nosso fator VIII é produzido em células humanas, permitindo a produção de um fator idêntico ao encontrado no plasma. Portanto, é menos suscetível a reações adversas no paciente”, afirma Virgínia.

Atualmente, o Centro de Hemoterapia está produzindo o medicamento em escala suficiente somente para os testes pré-clínicos. Com os biorreatores que o centro tem hoje, eles conseguem apenas pequenas doses. “Não há estrutura nem interesse para produzi-lo em larga escala”, ressalva a pesquisadora. O objetivo, segundo Virgínia, é transferir essa tecnologia para alguma empresa que possa produzir o medicamento. Ainda não há como estimar o investimento para uma produção em massa, porque ela ainda está em fase de testes. 

DESTAQUE Chefe do Serviço de Pesquisa da Fundação Hemominas, Daniel Gonçalves Chaves ressalta que projetos de pesquisa como esse são de extrema importância para o Brasil por permitirem o desenvolvimento de novas tecnologias, o que ajuda o país a ter destaque internacional no meio científico. Ele lembra que, atualmente, o país importa todos os tipos de fatores de coagulação para o tratamento de pacientes com hemofilia e ainda, que sua produção no país depende da transferência de tecnologia, o que já vem ocorrendo desde a criação da Hemobrás pelo governo federal. 

“A produção de uma proteína recombinante para fins terapêuticos não é uma tarefa fácil e o projeto é um exemplo de que resultados de pesquisas desse tipo podem, um dia, ser revertidos em ganho real para a população”, afirma. Chaves explica que pesquisas como essa geram tecnologias que podem posteriormente ser transferidas para a indústria, permitindo a produção em larga escala de um produto biotecnológico. Atualmente, a Fundação Hemominas não realiza nenhuma pesquisa com objetivo de produção de fármacos.

Doença descoberta aos 2 anos

Maximiliano Anarelli, de 35 anos, mantém, desde 2005, o blog Hemofilia News
(maxianarellidebemcomavida.blogspot.com.br), que reúne notícias e discussões sobre o tema. Atualizado sobre as novidades das pesquisas sobre hemofilia, ele já sabia do estudo do Centro de Hemoterapia de Ribeirão Preto. Segundo o auxiliar administrativo, se realmente houver a produção nacional do rhFVIII, os pacientes correrão menos riscos, tanto de contaminação quanto de reações, assim como vão poder levar mais doses para casa. “Em 2008, houve uma alta no preço do medicamento e, por isso, tivemos dificuldades para nos tratar”, conta. A descoberta da doença foi aos 2 anos, quando sofreu uma queda e os pais ficaram assustados porque o ferimento não parava de sangrar. Max conta que depois disso, a família descobriu que um tio também tinha hemofilia, mas que na época os médicos diagnosticaram erroneamente, que era reumatismo. Toda vez que Max se machucava e precisava se medicar, a família pegava um ônibus até Belo Horizonte para tratá-lo. Para se ter uma ideia, a cada dente de leite de Max que ficava bambo, ele viajava por três horas até a capital para extraí-lo com um profissional. No pior dos episódios, ele ficou uma semana internado no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII para tratar uma hemorragia no iliopsoas, músculo do abdômen. “Nessa época, eu chegava da escola e ficava sentado no sofá com a perna comprimindo o abdômen. A médica acha que foi isso a causa da hemorragia”, conta Anarelli. Desde 2000, os pacientes têm direito à dose domiciliar do medicamento. No caso de Max, que tem hemofilia do tipo moderada, o tratamento é sob demanda, ou seja, ele só usa o medicamento quando necessário.

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