sábado, 26 de janeiro de 2013

Ruy Castro

FOLHA DE SÃO PAULO

Obituários
RIO DE JANEIRO - Todos os jornais do mundo já têm pronto o obituário do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, internado para tratamento de saúde em Cuba e dado como morto desde o fim do ano -mas, parece, ainda exuberantemente vivo, apenas fora do ar. É praxe dos jornais preparar obituários com antecedência sobre celebridades acima de certa idade ou já pela bola sete.
O problema é quando o morto em potencial se recusa a ir embora. Passei por isso em 1989, ao escrever
um artigo para uma revista de avião. Por algum motivo, eu precisava citar a morte do imperador japonês Hiroíto, que ainda não acontecera, mas que os médicos davam como certa por aqueles dias. Como a revista só sairia dali a três meses, sapequei
Hiroíto como morto. Mas as semanas se passaram e Hiroíto não morria. Àquela altura, a revista fora para a gráfica, e seu editor, desesperado, já considerava a ideia de fazer "harakiri". Por sorte, Hiroíto morreu no dia em que a revista rodou.
Pior foi em 1990, quando um jornal me pediu o obituário de Ella Fitzgerald, então com 73 anos e, tudo indicava, a próxima diva do jazz a morrer. Contra minha vontade, "matei" Ella e opinei que, a partir dali, seu manto iria para a grande Carmen McRae, muito mais jovem. Mas, antes de Ella, quem morreu foi Carmen, em 1994, e o obituário não foi corrigido. Quando a própria Ella morreu, em 1996, o obituário saiu e lá estava eu, coroando a falecida McRae.
Ou quando me pediram de São Paulo o obituário de Dercy Gonçalves, em 1996. Estranhei porque, naquela semana, Dercy, aos 91 anos, ia começar uma temporada no Canecão, aqui no Rio. Mas aceitei a tarefa, e Dercy "morria" lindamente no meu texto. Na vida real, só foi morrer 12 anos depois, em 2008, e, quando isso aconteceu, seu obituário tinha caducado por completo.
Na verdade, eu é que quase morri antes dela.

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