sábado, 26 de janeiro de 2013

Simbolista, livro de Mariana Ianelli encara o desafio de escapar de imagens desgastadas

FOLHA DE SÃO PAULO

CRÍTICA POESIA
Sem temer anacronismo, versos exprimem estados psicológicos
FELIPE FORTUNAESPECIAL PARA A FOLHAPersiste nos poemas de "O Amor e Depois", de Mariana Ianelli, uma atitude de marcante simbolismo: as palavras estão a serviço de um fluxo subjetivo, no qual não se distingue muitas vezes o tema, de propósito encoberto ou fugidio.
Também por esses aspectos, tudo parece prender-se a estados psicológicos, a sensações indefiníveis, como se o poema pudesse estar situado fora do seu tempo.
Por isso mesmo, o anacronismo dos poemas explica a seleção vocabular pouco moderna: que poeta poderia arriscar-se, agora, a escrever palavras como "bruma", "coração fremente", "um guizo de túrgidas estrelas" -como se lê no poema "Fantasia"?
Nesses casos, o desafio consiste em tornar o poema relevante para o tempo presente da leitura, superar os lugares-comuns e as trivialidades que poderiam trair os sentimentos mais potentes.
Os versos "Essa jura / De um dia pousar sobre a nossa cara / O hálito quente do destino feito um lobo", do poema "Os Patriarcas", e "Sem tocar teu corpo cântaro / Provaria / O sangue da tua meditação", do poema "Lírica", são exemplos notáveis de uma tendência dos poemas de "O Amor e Depois", que embotam frequentemente a imagem e a metáfora, em vez de torná-la contundente.
No Brasil, não é difícil identificar uma tradição de exacerbado lirismo que se manifesta pela farta simbologia de elementos sublimes.
POETA MEDIADOR
Os poemas de "O Amor e Depois" se somam a essa tradição, que revela notável pretensão metafísica: um "jardim entregue / Às chuvas e aos ventos" pode transformar-se, como ocorre no poema "Neste Lugar", o primeiro do livro, em "Nenhum traço de delicadeza, / Só palavras ávidas / E o tempo, / A devoração do tempo".
Pois essa poesia está convencida de que existe em tudo "Uma legião de verdades escondidas", e o poeta é esse mediador entre o real e o transcendente.
Nesse caso, o novo desafio é encontrar a expressão que escape ao kitsch das imagens desgastadas.
Mas Ianelli não se constrange ao apresentá-la: "O amor, até o amor existe, / Um lunático mendicante que vadia pela terra / À espera de outra chance", se lê em "Miragem".
Já em "Ouro e Púrpura", alguns versos muito ganhariam se fossem aperfeiçoados o ritmo e a musicalidade, mas neles prevalece um intransigente prosaísmo, talvez provocado pela imagética algo confusa, que prejudica a obra.
"Não é mais um êxtase de nossa lavra / Nem o disfarce de feridas bem guardadas / Por receio de munir com as nossas faltas / Um inimigo no sentimento do amante", diz o poema.
Os versos finais de "Instinto" indicam que "O Amor e Depois" se mostra hesitante entre um discurso puramente espiritualizado -onde o amor mal se materializa- e a dimensão sublime da poesia.
Neles, o beijo é transformado em ósculo -e, assim, mostra-se o amor à boca pequena (o sentido latino de osculum), ao mesmo tempo em que o seu sentido físico e carnal é todo matizado em beijo fraterno e conciliador.
Há um sentido de elevação nessa poesia que poderá deixar os amantes à margem, assim como os leitores modernos, seguramente perplexos com a celebração de um ideal.
FELIPE FORTUNA, poeta, ensaísta e diplomata, é autor do livro de poemas
"A Mesma Coisa" (Topbooks).
O AMOR E DEPOIS
AUTORA Mariana Ianelli
EDITORA Iluminuras
QUANTO R$ 38 (112 págs.)
CLASSIFICAÇÃO bom

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