sábado, 26 de janeiro de 2013

Poeta sem perdão (Caio Fernando Abreu)-André di Bernardi Batista Mendes‏

Livro Poesias nunca publicadas, de Caio Fernando Abreu, revela o talento do escritor gaúcho para o lirismo íntimo 

André di Bernardi Batista Mendes
Estado de Minas: 26/01/2013 
Dono de prosa poética sigular, Caio Fernando Abreu ficou mais conhecido como romancista e contista


Uma boa notícia para as amantes da poesia. A Editora Record acaba de lançar Poesias nunca publicadas, de Caio Fernando Abreu. Esta é a primeira vez que os poemas do escritor gaúcho são publicados em livro. Com uma contundente prosa poética, a obra chega para preencher uma lacuna, para completar o périplo literário desse que é um dos grandes nomes da literatura brasileira. 

O lirismo de um coração inquieto permanece forte, intocável. Os poemas de Caio passeiam pelo que atormenta o coração dos homens: dor, paixão, amor, desejo, solidão, o medo, o grande medo que sentimos. Tudo isso batido num liquidificador para surgir um caldo de lirismo e, principalmente, excelentes poemas. Caio sabia de sua grandeza. 

E a poesia sempre foi o seu norte. O livro reúne 116 poemas, perpassando toda a sua carreira literária, desde a década de 1960 a 1990. “Nunca pertenci àquele tipo histérico de escritor que rasga e joga fora. Ao contrário, guardo sempre várias versões de um texto, frase em guardanapo de bar à impressão no computador”, confessou o poeta na coletânea que ele próprio reuniu. 

Assim, as professoras e pesquisadoras Letícia da Costa Chaplin e Márcia Ivana de Lima e Silva conseguiram organizar o livro, que mostra a força de uma poesia que já nasce pronta para a vida, para a rebeldia, que ganha boas asas de sonho e utopia: “E dizem-me: pisar o real/ para que não te doam as ilusões/ para que não te turvem as aparências/ para que não para que sim// para que, Senhor?// dizem-me também para despir máscaras/ dizer o indizível que nada é indizível/ e ajustam meus olhos/ e abrem meus dedos/ e empurram-me para a frente/ constantemente// para onde, Senhor?// para que eu não me perca/ poços, becos, labirintos/ dentro de mim”.

E é justamente esse desamparo que faz nascer um grande artista, um excelente poeta. É justamente essa noção que faz do imenso algo bem maior do que um coração sensível pode mensurar. Caio Fernando Abreu, ao mesmo tempo que consumiu, foi consumido por esse fogo simples, mas devastador. Vida que se alimenta de vida, que por sua vez se transforma em literatura.

Entre o devaneio, entre o delírio e uma constante vigília, Caio construiu uma poética vigorosa, sempre atento e com um intenso e necessário rigor com o ato de escrever. Ele sempre soube de sua força, ele sempre soube viajar nos vários sentidos da língua e da linguagem. E foi justamente aí que surgiram os grande poemas do livro, da coletânea. E é justamente aí que surgem fagulhas. 

Palavra e sentimento O livro de Caio Fernando Abreu, em poucas palavras, traz um arder contínuo de palavras e mais palavras. O poeta usufruiu, como poucos, da delícia de poder dizer. Um arder de palavras que muito servem para ampliar, para emprestar riqueza ao nosso périplo. Dizer périplo, agora sei, é viajar. Ler, escrever, dizer das angústias é também rezar um pouco.

Palavra é nada. Sentimento é tudo. Palavra é simulacro de coisas pensadas, vividas em essência e profundidade. Caio Fernando pensa, assim, nesse sem sentido de estrelas, sua literatura caminha para o alto, sempre para um alto feito de abismos. Verbalizar é falar dessa fundura, desse tanto, que, como o breu, acolhe e assusta. Caio, em sua vida, com sua literatura, deixou o paradeiro de suas asas. A redenção, se existe, chama-se verbo, e é feita de noite e é feita de dúvidas, encontros e desencontros. 

Só apanha quem semeia. Sobram socos na poesia de Caio Fernando. O poeta, nesse caso, aponta o seu dedo para o nariz de todas as coisas. Pensar grande exige coragem e discernimento. E uma boa dose de loucura. Ao mesmo tempo que inexistem janelas, sobram respiros nos poemas de Caio Fernando. Surgem poemas que desauxiliam. A sua doideira é a das flores, das crianças curiosas. A alma deste bom poeta é feita de dentes-de-leão, de rosas e de vários espinhos. O que sentimos diante de acordes que é música? Poesia é sopro e permanência. Nessa espécie de vento, nesse turbilhão cabem compaixão e incerteza, milagres e pequenas dádivas, que são todos os poemas. 

Caio soube transformar sua experiências de vida em pura poesia, Entre o simples e o profundo, entre o raso e um céu de estrelas e de sol, ele meio que se esfrega nas palavras, no cotidiano para surgir aquela centelha. Isso sem deixar de lado o diálogo com outras janelas, como o cinema, o teatro e a música. Tudo é combustível. A poesia de Caio é feita com o cuidado de quem cria laços afetivos, colchas para melhor esquentar os olhos e o coração de quem lê. 

A solidão, a beleza singela das flores, a fumaça de um cigarro, conversas soltas, tudo, para o poeta, transforma-se em material para o surgimento do novo, em forma de texto, em forma de poema: “Mais que ti/ de quem não me ficou o rosto/ lembro de mim/ como de um outro”. Caio joga um belo jogo com as palavras, com a linguagem, sua fonte de delícias. Sua poesia é feita, sim, de amarguras. Mas que doçura, mas que luzes descem de tanta intensidade.

POESIAS NUNCA PUBLICADAS DE CAIO FERNANDO ABREU

• De Caio Fernando Abreu 
• Organização de Letícia da Costa Chaplin e Márcio Ivana de Lima e Silva
• Editora Record, 208 páginas, R$ 29

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