terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Editoriais FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

Ano novo para a Europa
O último encontro de líderes da União Europeia (UE) trouxe duas decisões importantes. Uma delas foi a promissora liberação, após meses de tensa negociação, de € 34,4 bilhões (cerca de R$ 92 bilhões) para a Grécia, o que elimina por ora o risco de que o país abandone a zona da moeda única.
A outra, um marco no aprofundamento da comunidade monetária, foi o acordo para estabelecer o Banco Central Europeu (BCE) como supervisor bancário comum.
Como autoridade supervisora, o BCE poderá fiscalizar diretamente os bancos com ativos acima de € 30 bilhões, ou que superem 20% do PIB do país onde têm sede. Ao todo, são cerca de 200 instituições.
A regra abarca a maior parte do sistema financeiro espanhol, por exemplo. Mas deixa de fora quase todos os bancos comunitários alemães, responsáveis por grande parte do financiamento a empresas.
O BCE operará em parceria com as autoridades locais, mas não está claro quanto poderá intervir nas casas bancárias. Falta um acordo sobre regras de liquidação para instituições insolventes em cada jurisdição nacional. Esse é o grande nó a ser desatado em 2013.
A fragmentação financeira, com bancos sob responsabilidade apenas nacional e sujeitos a interferência política, se mostrou um elemento crítico de propagação da crise.
O temor de quebras bancárias nos países da periferia da zona do euro acelerou a fuga dos investidores, que passaram a se desvencilhar de títulos de dívida soberana, o que elevou o custo de financiamento dos governos mais frágeis. Esse círculo vicioso só agora começa a ser revertido.
Apesar da recessão e de compreensíveis críticas quanto à lentidão das decisões, a zona do euro termina 2012 melhor do que começou.
Houve dois momentos cruciais. Em meados do ano, no auge dos temores quanto à saída de países da área de moeda única, acordou-se que o caminho de longo prazo seria no sentido de maior integração fiscal, financeira e política.
Em setembro, o presidente do BCE, Mario Draghi, deu sua contribuição ao enfrentar a oposição do Bundesbank (banco central da Alemanha) para criar um programa de compra ilimitada de papéis de qualquer país que aceite submeter-se a um programa formal de ajuste com a UE e com o FMI.
Assegurou, assim, que governos da periferia possam manter financiamento por longo tempo, mesmo enquanto ajustam suas economias.
Em 2013, persistirão um ambiente econômico ruim e o risco de volatilidade política, mas a zona do euro construiu laboriosamente, em 2012, alguns alicerces fundamentais para sua sobrevivência.

    A regra é complicar
    Decisão de adiar para 2016 o acordo ortográfico, que na prática já vale no Brasil, abre brecha para uma inoportuna rediscussão das mudanças
    Ficou célebre a frase do poeta Ferreira Gullar: "A crase não foi feita para humilhar ninguém". Com mais razão seria possível acrescentar que ninguém estará ameaçado de cadeia ou multa se desobedecer às regras do novo acordo ortográfico, adotado no Brasil a partir de 2009.
    Chega a ser notável, aliás, a diligência com que tantos brasileiros trataram de se adaptar às modificações impostas. Manuais explicativos, dicionários atualizados, edições refeitas de antigos livros se produziram em quantidade e -no que sem dúvida consistiu em forte motivo para todo o desassossego- se venderam com rapidez.
    Eis que a presidente Dilma Rousseff aceitou adiar, para janeiro de 2016, a plena vigência desse acordo, que muitos acreditavam, ingenuamente, já imperante no papel e na tinta.
    A origem do problema -como não poderia deixar de ser em questões de correção vernacular- está em Portugal. Lá se previu um período mais longo de transição para as novas normas, o que é justo, pois é maior o impacto das mudanças na grafia lusitana.
    Enquanto isso, o Brasil se complica. O tempo a transcorrer até que se adotem, formalmente, as regras que já se adotaram no cotidiano serve para inspirar o Senado a rediscutir o tema.
    Reforme-se a reforma, mude-se a mudança: é o que propõem, por exemplo, o senador Cyro Miranda (PSDB-GO) e a senadora Ana Amélia (PP-RS). Argumentam, ao lado dos inevitáveis gramáticos dissidentes, que muita coisa não faz sentido ou é complicada demais no acordo ortográfico.
    Sem dúvida, há aspectos irritantes e enigmáticos no novo sistema. Nenhum tão nocivo, talvez, quanto a abolição do acento diferencial que tornou a preposição "para" indistinguível do verbo "parar" na terceira pessoa do singular.
    Paciência. Abrir de novo a discussão -verdadeira caixa de Pandora das preocupações puristas e das ociosidades diplomáticas- traria mais uma rodada de reedições de livros, em especial os destinados ao público escolar.
    Excetuada essa área de interesse, que mobiliza recursos de vulto nas compras governamentais, qualquer alteração no que já se decidiu traria apenas mais descrédito. Quem sabe seja esse o objetivo inconsciente de todo o quiproquó.
    O acordo ortográfico, surpreendentemente, fugiu à regra das famosas "leis que não pegam" no Brasil. Não que todos conheçam suas imposições, mas houve empenho em saber que existiam. Mais uma reforma, entretanto, e ninguém saberá escrever mais nada.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário