terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Tendências/Debates

FOLHA DE SÃO PAULO

FÁBIO ULHOA COELHO
Objetividade, concisão e comedimento
Há em nossa Justiça excesso de argumentos desimportantes, de linguagem redundante e com adjetivos demais e de mesuras desmedidas -e isso é recente
Não poderia ter sido mais feliz a receita para o aperfeiçoamento da Justiça brasileira formulada pelo ministro Joaquim Barbosa, em seu objetivo, conciso e comedido discurso de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal. Para o novo presidente da Corte Suprema, precisamos de uma Justiça "sem firulas, sem floreios e sem rapapés".
Firulas são argumentos artificialmente complexos, usados como expediente diversionista, para impedir ou retardar a apreciação da essência das questões em julgamento (o mérito da causa). Apegos a detalhes formais sem importância é um exemplo de firula.
Floreios são exageros no uso da linguagem, oral ou escrita. Expediente empregado em geral no disfarce da falta de conteúdo do discurso, preenche-o de redundâncias, hipérboles e adjetivações.
E rapapés são mesuras desmedidas que mal escondem um servilismo anacrônico. Todos devemos nos tratar com respeito e cordialidade, dentro e fora dos ambientes judiciários, mas sempre com o virtuoso comedimento.
Firulas, floreios e rapapés são perniciosos porque redundam em inevitável desperdício de tempo, energia e recursos. Combater esses vícios de linguagem, por isso, tem todo o sentido no contexto do aprimoramento da Justiça.
O oposto da firula é a objetividade; o contrário dos floreios é a concisão; a negação dos rapapés é o comedimento. A salutar receita do ministro Barbosa recomenda discursos objetivos, concisos e comedidos. São discursos que, aliás, costumam primar pela elegância.
É uma recomendação dirigida a todos os profissionais jurídicos: magistrados, promotores e advogados. Precisam todos escrever e falar menos, para dizerem mais.
Arrazoados jurídicos e decisões longas são relativamente recentes.
Nas primeiras décadas do século passado, elas ainda eram escritas à mão. Isso por si só já estabelecia um limite (por assim dizer, físico) aos arroubos. Os pareceres de Clóvis Beviláqua, o autor do anteprojeto do Código Civil de 1916, tinham cerca de cinco ou seis laudas.
Depois, veio a máquina de escrever. Embora tenha tornado a confecção de textos menos cansativa, ela também impunha limites físicos à extensão. No tempo do manuscrito e da datilografia, o tamanho do texto era sempre proporcional ao tempo gasto na produção do papel.
O computador rompeu decididamente este limite. Com o "recorta e cola" dos programas informatizados de redação, produzem-se textos de extraordinárias dimensões em alguns poucos segundos.
Os profissionais do direito não têm conseguido resistir à tentação de fabricar alentados escritos abusando dos recursos da informática. Clientes incautos ainda são impressionáveis e ficam orgulhosos com a robustez das peças de seu advogado.
Claro, há questões de grande complexidade, que exigem dos profissionais do direito maiores digressões e fundamentações, gerando inevitavelmente textos mais extensos. Tamanho exagerado nem sempre, assim, é sinônimo de firula, floreio ou rapapé. Mas é um bom indicativo destes vícios, porque os casos realmente difíceis correspondem à minoria e são facilmente reconhecidos pelos profissionais da área. Não se justifica grande gasto de papel e tinta na significativa maioria dos processos em curso.
Pois bem. Se a receita do ministro Barbosa melhora a Justiça, então a questão passa a ser a identificação de medidas de incentivo ao discurso objetivo, conciso e comedido. A renovação da linguagem jurídica necessita de vigorosos estímulos.
Alegar que estimular maior objetividade fere o direito de acesso ao Judiciário ou à ampla defesa é firula. Lamentar que a concisão importa perda de certo tempero literário das peças processuais é floreio. Objurgar que o comedimento agride a tradição é rapapé.
Se a exortação do ministro Barbosa desencadear, como se espera, a renovação da linguagem jurídica, a sua posse na presidência do Supremo Tribunal Federal se tornará ainda mais histórica.
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ROBERTO RODRIGUES
Todos sabem, nada acontece
As reuniões sobre segurança alimentar já são enfadonhas. O risco de desabastecimento e outros desafios são famosos. Mas nada concreto é feito...
Desde a Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, na sigla em inglês, instituição que antecedeu a OMC, Organização Mundial do Comércio), os países se agrupavam de acordo com a similaridade dos seus interesses.
Mas foi com a Rodada de Doha, iniciada há 11 anos e cujos avanços até agora foram pífios, que surgiram muitos outros grupos, cuja designação sempre começa com a letra G.
Destaca-se o G20, liderado pelo Brasil, com uma visão flexível sobre a abertura do comércio agrícola, embora seus membros disputem diferentes posições quanto ao nível dessa abertura. É natural, pois aí estão gigantes como a China e a Índia, ao lado de países pequenos como Cuba e a Bolívia, entre outros.
Já havia o G-Cairns, o grupo de países exportadores agrícolas, a Austrália à frente. Este perdeu um pouco de protagonismo com o G20.
Há o G10, de países que se consideram vulneráveis às importações agrícolas, o grupo Africano, o grupo de países de economia em transição, o G7, dos países mais ricos do mundo, e assim por diante.
Apesar do imobilismo de Doha, a ideia dos grupos permaneceu, dando origem a outro G20, composto pelas principais economias do planeta, cujo objetivo foi enfrentar as crises financeiras, a partir de 2008. Boa parte de suas metas se deve à falta de atuação de outras organizações multilaterais e aos riscos decorrentes desse vazio institucional.
Pois bem. O mundo está diante de um desafio monumental, o da segurança alimentar e energética sustentáveis. Não passa uma semana sem que, em diversos países, sábios, cientistas, especialistas, economistas, sociólogos, engenheiros, agrônomos, administradores, advogados, traders, políticos, diplomatas e todo tipo de profissionais se debrucem sobre esse tema em eventos variados.
Já há um certo enfado nas reuniões. Todo mundo sabe que em 2050 teremos 9 bilhões de pessoas no mundo, que até lá precisaremos dobrar a produção de alimentos e fazer mais do que isso em energia. Todos sabem que é preciso preservar os recursos naturais (inclusive por causa do aquecimento global), que o poder aquisitivo da população de países emergentes vai crescer, que as regras de comércio agrícola precisam ser flexibilizadas (com redução dos subsídios dos ricos).
Todos sabem que a tecnologia agrícola tropical tem que ser levada ao continente africano, que a agroenergia não pode suplantar a produção de alimentos, que o desmatamento deve diminuir etc., etc., etc.
Todo mundo está careca de saber disso. Mas nada de concreto é feito, por mais que a FAO (Organização de Agricultura e Alimentação da ONU) se esforce para convencer o mundo dos riscos de desabastecimento.
Boa parte desta inércia se deve à falta de lideranças globais. Boa parte se deve ainda à visão urbana de muitos governos, que entendem segurança alimentar apenas sob a ótica do abastecimento, porque isso dá votos, e se esquecem de que não se abastece sem produção.
Falta um esforço dirigido para a produção, com ênfase aos fatores ligados a ela: tecnologia, logística, financiamento, estoques, seguro de preços, regras de comércio, bolsas eficientes, infraestrutura etc.
E muitos países produtores sabem como fazer isso tudo, mas falta coesão em torno do assunto.
Está na hora de criar um novo grupo, o G da produção. Os países com disponibilidade de terra, tecnologia ou know how poderiam se juntar, com apoio da FAO, e montar um gigantesco projeto de aumento da produção rural, com renda garantida aos produtores pequenos, médios e grandes de todos os continentes.
O Brasil tem que estar no comando deste G, ao lado do Canadá, Argentina, China, Estados Unidos, Índia, Rússia, Ucrânia, Indonésia, Sudão, Congo e Austrália, entre outros.
Eis um desafio formidável para a boa equipe do Itamaraty liderar.
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