sábado, 12 de janeiro de 2013

Editoriais FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

O fio da navalha
Norma que proíbe policiais de socorrer feridos graves é acertada; governo agora precisa garantir equilíbrio das forças de segurança
Empenhado em conter a violência policial no Estado de São Paulo, o novo secretário da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, assinou nesta semana uma polêmica resolução que proíbe aos policiais paulistas socorrer vítimas de ferimentos graves.
A partir de agora, eles serão obrigados a avisar o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) para que uma equipe médica faça o atendimento no local.
A medida abriu uma crise com a Polícia Militar. Setores da corporação entendem que, no intuito de combater maus policiais, a nova determinação põe sob suspeita toda a instituição. Com efeito, o objetivo da norma é inibir graves desvios, como alterações na cena de um crime e a morte suspeita de vítimas socorridas por PMs.
A Ouvidoria da Polícia já constatou a inverossimilhança de registros sobre feridos leves que morrem "ao dar entrada no hospital".
A situação parece ter se agravado em 2012, quando, em meio a uma onda de assassinatos de policiais, o então secretário Antonio Ferreira Pinto -conhecido por combater a corrupção na polícia- acirrou o enfrentamento do crime organizado.
Desgastado, Ferreira Pinto foi substituído em novembro por Fernando Grella. O novo titular vem emitindo sinais de que pretende alterar a orientação da pasta.
Do ponto de vista médico, parece consensual que foi acertada a decisão de transferir o atendimento para o Samu. É melhor que um profissional cuide dessas vítimas. Não faltam exemplos de danos irreversíveis provocados até por pessoas com treinamento mínimo.
Verdade que, sob pena de ser processado por omissão de socorro, um policial não pode ficar de braços cruzados diante de uma vítima agonizante. O dilema se esvai, no entanto, com um telefonema: basta que o policial avise o Samu para que tal responsabilidade se dilua, mesmo porque, em casos de emergência, o agente receberá instruções do médico por telefone.
A medida do governo estadual, assim, transfere para o Samu, uma estrutura federal, a responsabilidade exclusiva pelo socorro. Resta esclarecer se o Samu terá condições de dar conta do encargo.
É ainda assim preocupante outro efeito colateral da medida. Objeto das novas restrições, a Polícia Militar pode se sentir desmotivada no exercício de seu trabalho, responsável por uma sensível redução da criminalidade no Estado nos últimos anos.
É imperioso que o governo deixe claro que toda a corporação sairá fortalecida com o fim das antigas suspeitas sobre execuções. Nesse intuito, a fim de restabelecer o equilíbrio entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, a secretaria não pode incorrer no erro de restringir demais a atuação da primeira e tolerar abusos na segunda.

    Dúvidas bolivarianas
    A decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela, que considerou constitucional o adiamento da posse do presidente Hugo Chávez, deu base legal à solução improvisada pelo chavismo, mas não tornou a situação política e institucional do país menos intrincada -tampouco imune a críticas e contestações.
    Pelo contrário, a sentença da mais alta corte venezuelana acrescentou interrogações sobre os contornos desse arranjo transitório e das atribuições do vice-presidente, Nicolás Maduro.
    O tribunal chancelou o início de um novo período presidencial sem a necessidade da cerimônia de posse. Ao mesmo tempo, entretanto, prorrogou o mandato, já vencido, do vice-presidente.
    A questão é mais delicada pelo fato de que o vice, na Venezuela, não é eleito, mas indicado pelo chefe do Executivo. Embora Chávez, ainda no ano passado, tenha apontado Maduro como seu herdeiro político, isso não basta para transformá-lo em novo presidente.
    O vice, no atual contexto, exerce o poder de maneira precária. Antes de ausentar-se para tratamento médico em Cuba, o líder bolivariano delegou-lhe prerrogativas, permitindo, por exemplo, que tome medidas em temas orçamentários e nomeie vice-ministros.
    Maduro, todavia, está legalmente impedido de indicar ministros; de celebrar e ratificar convênios internacionais; de promover oficiais acima da patente de coronel; e de assumir a função de comandante em chefe das Forças Armadas.
    Trata-se, portanto, de um mandatário de mãos atadas. Como a corte não delimitou prazo para a interinidade, o país poderá enfrentar problemas importantes caso a ausência de Chávez prolongue-se por tempo indeterminado.
    Até quando a Venezuela, nessas circunstâncias, poderá esperar por um desenlace? Embora os sinais relativos à saúde do presidente reeleito sejam preocupantes, o establishment chavista continua negando-se a fornecer informações.
    Na hipótese de o líder bolivariano ser vencido pela enfermidade ou de permanecer incapacitado de assumir o cargo, haverá mais uma rodada de interpretação da lei ou serão convocadas eleições, como determina a Constituição?
    Parece mais provável que se respeite a Carta, mas o questionamento é justificável, num país com recente histórico de golpes e no qual a corte suprema se mostra tutelada pelo regime chavista.

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