sábado, 12 de janeiro de 2013

Igor Gielow

FOLHA DE SÃO PAULO

Réquiem
BRASÍLIA - A rivalidade Brasil-Argentina, hoje basicamente resumida a piadas sobre futebol, já foi algo grave. Não faz muito tempo, ambos os países desenvolviam programas para ter a bomba atômica e os meios para jogá-la um sobre o outro.
Mesmo sob ditaduras ideologicamente compatíveis e que perseguiam conjuntamente opositores, não havia confiança mútua: a força de blindados brasileira sempre esteve concentrada no Sul, por exemplo.
Isso mudou com o fim dos regimes militares, nos anos 80. A emergência do Mercosul foi o marco político da distensão, emulando os acordos econômicos europeus da década de 50, que visavam enlaçar Alemanha e França após duas guerras mundiais.
Lá, o resultado foi a União Europeia. A entidade é bastante imperfeita, e pode tanto avançar a um federalismo maior como dissolver-se numa sociedade frouxa, mas é um capítulo virtuoso da história mundial.
O Mercosul poderia ter sido também, guardadas as proporções. Se é inegável o peso das trocas comerciais entre seus membros, pode-se argumentar que isso ocorreria de qualquer forma. Acordos bilaterais talvez fossem tão ou mais eficientes, e poupariam os países-membros dos chiliques alfandegários argentinos, que desmoralizam a noção de união aduaneira constantemente.
O prego no caixão, contudo, é político. Os governos de esquerda que dominam a América do Sul nos anos 2000, do modelo centrista do PT brasileiro à histrionice chavista e ao peronismo tardio dos Kirchner, transformaram o Mercosul em um fórum para proselitismo barato.
A suspensão do Paraguai para abrir caminho à Venezuela, no ano passado, selou o fim do bloco como entidade séria. A chancela à ilegalidade pilotada por Havana em Caracas só consolida a noção de um clube casuísta. A ficar assim, o melhor seria arriar de vez aquela bandeira horrorosa do Mercosul e pronunciar um "requiescat in pace".

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