sábado, 12 de janeiro de 2013

Haiti ,3 anos após o inferno

FOLHA DE SÃO PAULO

No Haiti, onde um tremor em 12 de janeiro de 2010 deixou 220 mil mortos, mais de 350 mil pessoas continuam a viver em campos improvisados
Dieu Nalio Chery - 9.jan.2013/Associated Press
Vista de um campo para desabrigados na capital do Haiti
Vista de um campo para desabrigados na capital do Haiti
RENATO MACHADOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE PORTO PRÍNCIPE (HAITI)
Três anos após o terremoto que destruiu a capital do Haiti e matou 220 mil pessoas, um dos principais símbolos da tragédia começa a desaparecer da vista dos haitianos. Foram extintos recentemente grandes campos onde haitianos viviam em barracas, que tomavam praças e até o estádio de futebol.
O problema, no entanto, ainda não acabou, já que, "escondidos", ainda existem 357 mil nessas condições. E não há definição clara de quando isso vai ter fim.
Logo após o terremoto de 12 de janeiro de 2010, haitianos que perderam as suas casas foram destinados a "campos de deslocados", que se espalharam por diversas áreas de Porto Príncipe.
Estima-se que 1,5 milhão de pessoas tenham passado a viver dessa forma nos meses após a tragédia.
No segundo semestre do ano passado, o governo do Haiti concluiu um programa-piloto para tentar acabar com os campos de deslocados.
Com um investimento total de US$ 49 milhões (R$ 98 milhões), seriam feitas melhorias em 16 bairros atingidos pelo terremoto para que os moradores pudessem retornar. Além disso, seriam fechados seis campos, meta que foi superada.
Entre os fechados estão o da praça Champs de Mars (ao lado do Palácio Nacional), dois na área nobre de Pétionville, um na antiga Primatura (gabinete do primeiro-ministro e outros ministérios, que ruiu com o terremoto) e o que ocupava os gramados do Estádio Nacional Sylvio Cator. Para deixar esses locais, as pessoas receberam por um ano auxílio-aluguel.
"O programa foi um sucesso até agora, mas precisamos de mais recursos para continuar. Não temos mais a ajuda que existia logo após o terremoto", disse Clément Bélizaire, diretor da divisão do governo haitiano responsável pelo programa.
Bélizaire afirma que existe um plano para fechar em quatro anos todos os campos de deslocados restantes, realocando as 84 mil famílias que vivem nessa situação.
O grande problema é que o investimento necessário é de US$ 84 milhões, e o governo haitiano tem apenas US$ 20 milhões para esse fim.
ESCONDER O PROBLEMA
Apesar de ter conseguido fechar alguns campos, o programa recebeu críticas -a principal, a de que os lugares escolhidos para as ações são áreas centrais ou nobres da região de Porto Príncipe.
Entidades de direitos humanos afirmam que, para mostrar resultado à comunidade internacional, desapareceram as barracas perto de hotéis, do governo e do aeroporto. Por outro lado, a alguns metros da principal via de acesso ao aeroporto, continua existindo um com cerca de 50 mil pessoas.
"Os lugares foram escolhidos estrategicamente. Por isso os campos fechados ficam perto da sede do governo ou em Pétionville, onde se hospedam muitos jornalistas que vão ao Haiti", disse a americana Nicole Philips, do Instituto para a Justiça e Democracia no Haiti. Ela também destaca que houve poucas melhorias nos bairros.
A mesma visão têm muitos moradores dos campos de deslocados. "A preocupação do governo é só em deixar bonito do lado do palácio", disse Edouard Louis, que vive num dos campos.
O governo haitiano rebate ao afirmar que o programa foi apenas um piloto. "Escolhemos os campos seguindo uma metodologia, porque eles não eram muito grandes. E demos preferências para desocupar praças, escolas e áreas de risco", completa Bélizaire.

    Moradores não conseguem nem mendigar
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
    DE PORTO PRÍNCIPE (HAITI)
    Sempre que consegue colocar a mão em alguns trocados de gourde -a moeda local-, o haitiano Charlie Saint Louis, 25, precisa tomar uma decisão: usar o dinheiro para ir à capital Porto Príncipe à procura de emprego ou comprar um mínimo de água e alimento para a família.
    A situação difícil nos campos de desabrigados é ainda pior para Saint Louis e outros moradores do campo Jerusalém e dos vizinhos Canaan e Corail Cesselesse. Isso porque esses três foram organizados em uma área afastada da capital haitiana, em Bon Repos.
    O trajeto de tap-tap (os ônibus haitianos) chega a levar mais de uma hora.
    Folha esteve na semana passada nesses campos, que ficam localizados ao pé da montanha, em uma área com muito pó e pouca vegetação.
    Lá vivem 15 mil famílias, segundo o governo. "Nós não conseguimos ficar nas barracas, porque é muito quente. Mas também não podemos ficar muito tempo fora, porque o vento levanta muita poeira", diz Saint Louis.
    Inicialmente, as barracas ficavam todas aglutinadas na região próxima à rodovia.
    Mas a vastidão da área e a falta de perspectiva de sair dali fez com que muitos moradores se espalhassem para mais perto da montanha e começassem a fazer melhorias no lugar. Muitos contam que venderam pertences resgatados em suas casas após o terremoto e também criaram dívidas para começar a construir moradias pequenas.
    ÁGUA
    "Aqui é um grande deserto e ninguém se lembra da gente. Algumas pessoas venderam tudo para começar a construir, porque não dá para viver aqui em barraca. Entra muito pó e, nos furacões, precisa a família inteira segurar tudo para não voar, além de molhar tudo", diz Gribel Laurent, que vive com a mulher e três filhos.
    Ele conta que o campo foi visitado no passado por autoridades internacionais e por isso houve melhorias, como a construção de algumas moradias por ONGs.
    Os moradores reclamam que estão esquecidos e nem podem mendigar, pois quase ninguém passa por ali.
    A criminalidade também é um problema. E trabalho só há quando uma ONG realiza alguma ação -como a construção de um orfanato.
    Mas a falta de água é ainda considerada o mal maior. Laurent conta que a comunidade arrecadou dinheiro para a perfuração de um poço. O problema é que a água é de baixa qualidade, salgada e provoca doenças.

      País já recebeu US$ 6,4 bi em ajuda, quase o PIB
      COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
      DE PORTO PRÍNCIPE (HAITI)
      Para se recuperar, o Haiti recebeu uma avalanche de recursos dos países estrangeiros. Mas agora, três anos e US$ 6,4 bi depois, parte da comunidade internacional questiona a eficácia das doações.
      O valor destinado corresponde à metade dos repasses previstos pelo fundo de reconstrução -US$ 13,4 bilhões até 2020. Para efeitos de comparação, o PIB do país fechou o ano passado em US$ 7,7 bi.
      O governo haitiano e a ONU ressaltam melhorias como a demolição e retirada de grande parte dos escombros e a redução no número de pessoas vivendo em barracas. Algumas ruas, estradas e praças foram recuperadas, e até um novo e moderno terminal para o aeroporto Toussaint Louverture foi inaugurado.
      No entanto, a reconstrução física segue em ritmo lento. Prédios públicos continuam no chão, como ministérios e o Palácio Nacional. Faculdades não foram reconstruídas e continuam em local provisório. Na principal via do centro, o Boulevard Jean-Jacques Dessaline, vendedores trabalham entre restos de prédios.
      "Estava trabalhando aqui e desabou tudo em cima de mim no dia do terremoto. A vida ficou mais difícil e não chega essa ajuda de que todos falam", disse o vendedor de CDs e DVDs Odner Antoine, 35.
      A principal crítica, no entanto, vem de países que reclamam que os projetos de cooperação não decolam.
      Para o presidente haitiano, Michel Martelly, a culpa não pode recair toda sobre o Haiti, uma vez que grande parte da ajuda internacional vai para ONGs e não para os cofres do Tesouro -apenas um terço foi direto para o governo.
      "O Haiti apresenta problemas como a fragilidade institucional e a carência de quadros, mas a responsabilidade é também dos outros países, já que cada um procura contribuir do seu próprio modo", diz o embaixador brasileiro, José Luiz Machado e Costa.
      O Brasil lidera a força militar da ONU no Haiti.

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