quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

CIÊNCIA » O novo rosto do rei‏

A partir do crânio encontrado, cientistas reconstituem a face de Ricardo III, que governou a Inglaterra entre 1483 e 1485. Trabalho vai ajudar a reescrever a história do monarca 

Estado de Minas: 06/02/2013 

Leicester – Um semblante tranquilo, jovem, bondoso, contemplativo. Bem diferente do homem cruel, “deformado, inacabado e horrendo”, como descreveu o dramaturgo William Shakespeare. Assim deveria ser Ricardo III (1452-1485), o rei cuja tumba perdida foi localizada debaixo de um estacionamento. Um dia depois de cientistas anunciarem que o esqueleto descoberto em Leicester, a 160 quilômetros de Londres, era mesmo do monarca, a Sociedade Ricardo III divulgou a reconstituição da imagem de seu rosto, feita a partir de análises anatômicas e de interpretações históricas. 

“É uma face interessante, mais jovem e satisfeita do que costumávamos pensar. Parece menos preocupada e com o esboço de um sorriso”, avaliou Phil Stone, presidente da sociedade. “Acho que as pessoas vão gostar. É humanizado. De fato, quando olho em seus olhos, o ‘bom rei Ricardo’ parece vivo e prestes a falar. Finalmente, agora temos a verdadeira imagem de Ricardo III. Foi esse rosto que deu origem a milhares de mitos?”, questionou. Um dos quadros mais conhecidos do monarca está na National Gallery de Londres. O óleo sobre tela, de autoria desconhecida, foi pintado no século 16 e, embora não retrate Ricardo III como um homem feio, mostra um rosto envelhecido, preocupado, com os lábios ligeiramente franzidos.

De acordo com Phil Stone, depois que o rei morreu, muitos pintores deliberadamente acrescentaram olhos apertados e traços severos à representação de sua face, por culpa da campanha difamatória deflagrada pelos Tudors, sucessores do trono e inimigos políticos da Casa de York, à qual Ricardo pertencia. Graças à análise do esqueleto, pesquisadores da Universidade de Leicester descartaram que o monarca tivesse “braço seco” e fosse corcunda – embora ele, de fato, sofresse de uma severa escoliose. “Agora, sabemos que ele tinha um rosto caloroso, jovem e honesto”, informou um comunicado distribuído pela Sociedade Ricardo III. 

Modelagem O novo rosto do rei foi modelado por Caroline Wilkinson, professora de identificação craniofacial da Universidade de Dundee, na Escócia, que há 20 anos usa a técnica para ajudar investigações criminais. “Foi um grande privilégio para toda a equipe trabalhar nessa importante tarefa. Foi extremamente empolgante reconstruir e visualizar a face que poderia ser de Ricardo III, e esse novo retrato deve nos ajudar a ver o rei sob uma luz diferente”, afirmou Caroline. “A estrutura facial do rei foi produzida usando uma abordagem científica, baseada em avaliações e interpretações anatômicas”, disse a cientista. 
Primeiro, foi feita uma tomografia computadorizada do crânio de Ricardo. Os resultados seguiram para o laboratório da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade de Loughborough, que usou um software para obter um modelo tridimensional. O crânio, então, foi impresso com uma técnica que aplica raio laser para fundir pequenas partículas de materiais – no caso, plástico – em uma massa com formato 3D. “Quando os primeiros modelos computacionais ficaram prontos, foi muito excitante. Depois, ver o crânio do rei emergir da máquina de laser em uma forma física foi incrível. Conseguimos ver claramente um número significativo de lesões resultantes da batalha. Os dados estão gravados e podem ajudar em inúmeros estudos futuros”, contou Russell Harris, professor que liderou o projeto. 

Com o crânio modelado, foi hora de Janice Aitken, professora da Faculdade de Arte e Design da Universidade de Dundee, dar um rosto a Ricardo III. Ela pintou a face e acrescentou textura a ela.  Depois, usando retratos como referência, colocou os olhos de vidro e a peruca. “Minha parte no processo foi mais interpretativa que científica”, disse. “Guiada pelos conhecimentos da professora Caroline, usei minha experiência em pintura de retratos, combinando referências históricas e contemporâneas. A reação da equipe quando o modelo foi revelado fez todo o duro trabalho valer a pena.”

A cabeça do rei será emprestada ao Conselho Municipal de Leicester para ser exibida em um centro que deverá ser construído perto do Mosteiro dos Greyfriars, onde o corpo do monarca foi enterrado. Com o passar dos séculos, a igreja dos franciscanos virou ruínas e, sobre elas, construiu-se o estacionamento. Agora, a cidade quer erguer um memorial para contar a história da vida e da morte de Ricardo III, assim como detalhar para os visitantes os esforços de cientistas e historiadores para recuperar o túmulo perdido. 

“Ver a verdade sobre o último rei guerreiro da Inglaterra significou, para mim, encontrar face a face com o homem no qual investi os últimos quatro anos”, declarou Phillipa Langley. A roteirista e integrante da Sociedade Ricardo III foi quem teve a ideia de procurar o local onde o rei foi enterrado. Ela convenceu o Conselho Municipal e a Universidade de Leicester a investir no projeto – inclusive, o de reconstituição facial do soberano. “A experiência foi de tirar o fôlego, uma das mais emocionantes da minha vida”, disse. Phillipa fez um documentário sobre a busca, exibido na segunda-feira pelo Canal 4, canal público da televisão inglesa. 

Personalidade Os pesquisadores da Universidade Leicester não estão interessados apenas em saber como era o verdadeiro rosto de Ricardo III. Agora, eles querem descobrir mais sobre a real personalidade do monarca, morto na última batalha da Guerra das Duas Rosas, disputa entre as casas de York e Tudor que durou três décadas. Até o estilo de linguagem do rei é motivo de estudo. Philip Shaw, professor da Faculdade de Inglês da instituição, analisou duas cartas redigidas à mão pelo soberano para descobrir como Ricardo III devia escrever e falar. 
A primeira das mensagens data de 1469, época em que ele ainda não era rei. O documento foi escrito quando Ricardo viajava com o irmão Eduardo IV para Yorkshire. Do Castelo de Rising, em Norkfolk, ele pede com urgência um empréstimo de 100 libras para sir John Say, o chanceler do Ducado de Lancaster. Redigida em 1483, a segunda carta é do primeiro ano do curto reinado de Ricardo III. O monarca fica sabendo que o Ducado de Buckingham está se rebelando e solicita que seu chanceler o encontre pessoalmente. Parte é ditada aos secretários, mas as duas últimas linhas foram manuscritas pelo próprio rei. 

“Descobri que a forma de escrever de Ricardo III é consistente e reflete a prática formal empregada por seus secretários. Porém, ela também se difere ocasionalmente, e essas peculiaridades podem fornecer pistas sobre como ele falava”, explica Shaw. 

“Assim como hoje, havia muitos dialetos pelo país. Mas, diferentemente de agora, as pessoas costumavam escrever de uma maneira que refletia seus dialetos locais. Por isso, ao analisar as escritas de Ricardo, consegui identificar quais os pontos que poderão indicar o seu sotaque. A linguagem empregada nas duas cartas não mostra qualquer evidência do dialeto do Nordeste da Inglaterra. Ela reflete largamente o sistema (linguístico) derivado de Londres”, conta, acrescentando que ainda há muita pesquisa para ser feita sobre o tema.

Um trono polêmico

Nascido em 2 de outubro de 1452 no Castelo de Fotheringhay, Ricardo era filho do terceiro duque de York, também chamado Ricardo, e da duquesa Cecília Neville. Em dezembro de 1460, quando ele tinha apenas 8 anos, seu pai foi morto depois da batalha de Wakefield, acusado de conspiração pela rainha Margarida de Anjou. Durante a infância e a juventude, Ricardo foi criado pelo conde de Warwick no Castelo de Middleham, onde aprendeu as artes militares. Em 1472, casou-se com Anne Neville, filha do conde, com quem teve Eduardo de Middleham, o príncipe de Gales. O irmão mais velho de Ricardo depôs Henrique VI em 1461, assumindo o trono como Eduardo IV. Duas décadas depois, o monarca morreu e foi sucedido pelo filho de 12 anos, Eduardo V. Ricardo, então duque de Gloucester, assumiu a coroa como regente, sendo também responsável pela proteção dos sobrinhos Eduardo V e Ricardo, de 9 anos. Uma revelação sobre 
a legitimidade das crianças, contudo, mudou a sucessão do trono. Descobriu-se que Eduardo IV era bígamo e seus filhos com Isabel Woodville não poderiam assumir o reinado. 
O Parlamento analisou o caso e, segundo a linha sucessória, coroou Ricardo III na Abadia de Westminster, em 6 de julho de 1483. Forças que se opunham à deposição dos filhos de Eduardo deflagraram uma rebelião para reverter a decisão e devolver o trono a Eduardo V, que então morava com o irmão mais novo no apartamento real da Torre de Londres. Em setembro, foram espalhados rumores de que os príncipes haviam sido mortos a mando de Ricardo – depois de se mudarem para a torre, eles nunca mais foram vistos.
Os inimigos de Ricardo III começaram uma campanha a favor de Henrique Tudor, que culminou na batalha de Bosworth Field, onde o rei foi morto, aos 32 anos, em 1485. Durante a dinastia Tudor, a reputação de Ricardo III foi destruída. O ex-monarca foi tachado de traidor, tirano e cruel, uma imagem reforçada pela peça de William Shakespeare, mas rechaçada posteriormente por muitos historiadores.

Homem biônico

Além de exibir o documentário sobre a busca pelos restos mortais de Ricardo III, o Canal 4 da tevê britânica desenvolveu um projeto que resultou no mais completo homem biônico já construído até o momento. Batizado de Rex (abreviação em inglês para exoesqueleto robótico), o humanoide de 2m de altura reúne os mais avançados órgãos artificiais já desenvolvidos pela ciência, incluindo pulmões, rins, pâncreas e um sistema circulatório com sangue funcional. O protótipo (foto à esquerda) ficará exposto no Museu de Ciência de Londres até 11 de março. Ele recebeu um rosto inspirado no do psicólogo social suíço Bertolt Mayer, apresentador do documentário Como construir um homem biônico. Mayer, que nasceu sem a mão esquerda e utiliza uma sofisticada prótese, conheceu ontem o homem biônico (à direita), que custou US$ 1 milhão e foi desenhado com a colaboração de pesquisadores em robótica de várias partes do mundo. Embora seja mais barato do que o homem de seis milhões de dólares, famoso pela cultuada série de televisão dos anos 1970, Rex conta com uma tecnologia muito mais avançada do que a das criaturas biônicas concebidas pela ficção na época.

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