quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Britânicos dão o primeiro passo para legalizar casamento gay

folha de são paulo

Projeto do governo David Cameron é aprovado por ampla maioria na Câmara dos Comuns
Proposta divide Partido Conservador, que sofre críticas de seus aliados tradicionais e também da Igreja Anglicana
BERNARDO MELLO FRANCODE LONDRESA Inglaterra abriu caminho ontem para legalizar o casamento de pessoas do mesmo sexo. O projeto do governo David Cameron foi aprovado com ampla maioria em seu primeiro teste na Câmara dos Comuns: 400 votos a 175.
A proposta dividiu o Partido Conservador do primeiro-ministro, que sofreu duras críticas de aliados tradicionalistas e da Igreja Anglicana. Ele não participou do debate no Parlamento para tentar esfriar a crise na legenda.
O texto ainda pode sofrer mudanças e terá que passar por outra votação. Ele só vai virar lei se também for aprovado na Câmara dos Lordes.
Mesmo assim, a votação de ontem foi considerada histórica por representantes do governo e da oposição, por ativistas do movimento gay e pela imprensa britânica.
De acordo com a BBC, cerca de 140 conservadores, mais da metade dos presentes, teriam votado contra a proposta, na maior rebelião já vista pelo governo atual.
Longe da tribuna, Cameron disse a emissoras de TV que a aprovação do casamento de homossexuais vai fortalecer a sociedade britânica.
"Os gays também devem poder se casar. É uma questão de igualdade, mas também é algo que vai tornar a nossa sociedade mais forte. É um grande passo à frente para o nosso país", afirmou.
O vice-premiê Nick Clegg, do Partido Liberal-Democrata, disse que a votação entrará para a história. "Vamos olhar para trás e ver o dia de hoje como um marco pela igualdade na Grã-Bretanha."
O líder da oposição trabalhista, Ed Miliband, disse que o país deu um "passo importante na luta pela igualdade".
"ORWELLIANA"
Na Câmara dos Comuns, deputados conservadores se revezaram nas críticas à proposta. A maioria dos discursos sustentou a tese de que o casamento é uma instituição criada para unir homem e mulher com objetivo de procriação, o que não poderia ser realizado por homossexuais.
O deputado Roger Gale acusou o governo de usar tática "orwelliana" para alterar o sentido da palavra casamento. No livro "1984", de George Orwell, um regime totalitário manipula o sentido das palavras para induzir a população a concordar com medidas que vão prejudicá-la.
O parlamentar sugeriu que o próximo passo seria a legalização do incesto. "Se o governo está levando isso a sério, deveria jogar este projeto fora, abolir o casamento civil e criar uma lei válida para todos, independentemente da sexualidade e do tipo de relação que tenham entre si. Irmão com irmão e irmã com irmã, inclusive", disse Gale.
Os três principais ministros de Cameron não foram ao Parlamento, mas publicaram manifesto a favor do projeto no jornal "The Daily Telegraph", numa tentativa em vão de conter a rebelião aliada.
Pesquisas mostram que a maioria da população britânica aprova o casamento gay, mas não vê o tema como prioritário para definir seu voto nas eleições de 2015. Segundo levantamento publicado no "Sunday Times", 55% aprovam o projeto, com 36% contrários e 9% indecisos.
A maioria (63%) diz acreditar que Cameron não aprova a ideia, mas decidiu endossá-la por motivação política.
O projeto cria a possibilidade do casamento gay, mas não obriga as igrejas a celebrá-lo. A união civil já garante direitos civis aos casais homossexuais desde 2005.

    Pentágono dará mais benefícios a gays, diz jornal
    DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
    Segundo o jornal "The Washington Post", o Pentágono estenderá parte dos benefícios dados aos seus funcionários heterossexuais casados a gays e lésbicas com companheiros que trabalham no Departamento de Defesa.
    A reportagem diz que ouviu autoridades familiarizadas com a decisão. Segundo o jornal, um anúncio oficial deve acontecer ainda nesta semana.
    Ainda não foram divulgados detalhes sobre os benefícios que serão concedidos. O Pentágono não pode violar o Ato de Defesa do Casamento, de 1996, que impede o governo federal de reconhecer uniões homossexuais.

    Debate na França é marcado por insultos
    ANGELIQUE CHRISAFISDO “GUARDIAN”O Parlamento francês começou a sua segunda semana de debate sobre o casamento gay, depois de parlamentares atacarem uns aos outros verbalmente durante o dia, a noite e todo o final de semana.
    O tom das discussões ressalta as divisões na sociedade francesa à medida que o presidente socialista François Hollande promove sua agenda de reformas sociais.
    Na disputa, a direita francesa tentou alongar o processo o máximo possível.
    Mais de 5.300 emendas foram apresentadas pela oposição, algumas das quais eram absurdas, como a demanda de que casamentos polígamos e incestuosos sejam legalizados, em nome da igualdade de direitos.
    Diversos parlamentares de direita alertaram sobre um fluxo de estrangeiros gays querendo se casar na França.
    Com cerca de 3.000 emendas para serem debatidas por ao menos outra semana, as brigas se alongam, com o líder do Parlamento frequentemente pedindo que ambos os lados se acalmem.
    Durante o final de semana, a primeira vez em mais de oito anos em que o Parlamento se reúne sábado e domingo, incluindo à noite, a esquerda e a direita discordaram sobre quem havia sido mais ofensivo.
    Diversos parlamentares acusaram uns aos outros de serem "ditadores".
    "OS MISERÁVEIS"
    Com a maioria socialista deliberadamente evitando falar por muito tempo, para acelerar os procedimentos, muitos tuitaram de seus bancos para extravasar sua ira.
    Isso por sua vez enfureceu a direita. Uma reunião foi adiada depois de um dos líderes de direita ser comparado a um personagem da série "Desperate Housewives" em um tuíte de um parlamentar.
    O jornal francês "Le Monde" anotou que, desde a sexta-feira até o domingo, a transcrição do debate parlamentar reuniu mais de 240 mil palavras, cerca de metade do texto de "Os Miseráveis", de Victor Hugo.
    A rixa foi encenada nas ruas. Uma manifestação contra o casamento entre homossexuais foi realizada em Paris, no mês passado, e atraiu centenas de milhares de manifestantes na maior das reuniões de conservadores e alinhados à direita em 30 anos.
    Houve passeata favorável ao casamento gay, em seguida. Com maioria do partido socialista na Assembleia Nacional e no Senado, o governo da França espera que a legalização do casamento homossexual e da adoção sejam aprovados até o fim de abril.

      ANÁLISE
      Disputa em torno do tema gera muito mais calor do que luz
      HÉLIO SCHWARTSMANCOLUNISTA DA FOLHA
      É INTRIGANTE O GRAU DE CONCORDÂNCIA ENTRE AS PARTES
      Muita emoção e pouca razão. É por isso que a disputa entre liberais e conservadores em torno do casamento gay gera muito mais calor do que luz, como se pode constatar pelo baixo nível dos debates e pelas tentativas de manobra parlamentar na França e no Reino Unido.
      O mais intrigante, porém, é constatar que há um grau razoável de concordância entre as partes, o que, pelo menos em tese, bastaria para tornar toda a discussão ociosa.
      Com efeito, a maioria das pessoas, aí incluída uma parte da direita religiosa, seguindo o mais elementar senso de justiça, tende a concordar que casais homossexuais devem ter direito aos mesmos benefícios sucessórios, previdenciários e fiscais oferecidos aos pares heterossexuais.
      Os conservadores relutam é na hora de autorizar casais gays a adotar crianças e, principalmente, de chamar essa parceria civil de casamento.
      E o problema está justamente aí. O casamento em sua forma atual reúne duas funções totalmente distintas: uma contratual, com consequências jurídicas, e outra de reconhecimento social, com implicações para o status das pessoas.
      No que diz respeito ao Estado, que precisa regular os aspectos cíveis e fiscais das uniões, apenas a primeira tem relevância, mas é a segunda que responde pela maior parte dos desentendimentos.
      Os conservadores alegam que conceder o status de casamento a parcerias homossexuais implica não só tolerar esse tipo de relação como sancioná-la.
      A maneira lógica de resolver a celeuma, sustentam autores como Richard Thaler, Cass Sunstein e Michael Kinsley, é fazer com que o Estado deixe de reconhecer qualquer tipo de casamento, limitando-se a lidar com os aspectos jurídicos das uniões, sejam elas hétero ou homossexuais.
      Com isso, a função de reconhecimento social seria privatizada. Cada grupo poderia celebrar as núpcias como bem quisesse.
      Para católicos o casamento continuaria a ser exclusivamente heterossexual e indissolúvel. Mas os gays estariam perfeitamente livres para também chamar suas uniões de casamento e gozariam dos mesmos direitos de casais heterossexuais.
      Até os sempre segregados polígamos teriam finalmente a chance de regularizar sua situação.
      Lamentavelmente, é improvável que essa engenhosa solução prospere, pois, a julgar pelos debates, os dois lados estão mais interessados em antagonizar-se.

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