quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Tendências/debates

folha de são paulo

JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL
A eterna ilusão do controle
A prevalecer a ideia de que a atriz matou o motorista ao reclamar de seus serviços, ninguém mais demite um empregado ou rompe o noivado
Divulgou-se que a atriz Zezé Polessa teria reclamado dos serviços prestados por um motorista e que este, temeroso com a possível perda do emprego, passara mal, vindo a morrer.
Em um contexto minimamente racional, o fato triste ensejaria duas consequências: primeiro, a atriz poderia carregar, para o resto de sua vida, o sentimento de que não precisaria ter sido tão contundente; em segundo lugar, todos nós poderíamos refletir acerca de como damos importância exacerbada a situações menores, tomando um atraso corriqueiro como eventual falta de respeito.
No entanto, inacreditavelmente, uma infelicidade inerente à vida transformou-se em assunto policial. Ao ver das autoridades, ou a atriz incorreu no teratológico crime capitulado no artigo 96 do Estatuto do Idoso, consubstanciado no impreciso verbo de humilhar; ou praticara homicídio culposo, pois, mesmo sem ser esse seu objetivo, findou por causar a morte de um senhor.
Percebe-se que, apesar da incerteza acerca de qual crime fora perpetrado, curiosamente, ninguém duvida de que houve um delito.
Não conheço a atriz, também não conheci o falecido motorista, sendo certo que sinto muito por ele e por sua família. Mas precisamos tomar cuidado com a crescente tendência de, diante de toda ocorrência triste, buscar um culpado, alguém para responsabilizar.
Não são incomuns, em hospitais, cenas intrigantes, em que parentes de pessoas muito idosas perguntam como seus entes queridos morreram. Nesse momento, não se recordam de que a pessoa já tinha 90 e poucos anos, sofria do coração, ou de câncer. Afinal, na era em que as pessoas vivem mais de cem anos, a morte tem que ser causada por um erro médico ou mesmo um envenenamento deliberado!
De fato, com a evolução tecnológica, cria-se a sensação de que tudo pode ser controlado e todos podem ser controláveis. É a falsa percepção de que não existe mais o imponderável. Sinto informar, mas as pessoas morrem. Sim, elas ainda morrem!
Responsabilizar criminalmente alguém por ter se alterado ou simplesmente reclamado de um serviço equivale a punir por homicídio a mulher que trai o marido que vem a se matar, ao descobrir a traição.
Situação correlata seria a do homem que abandona a mulher para viver com outra, 20 anos mais jovem. Ora, seria esse homem autor de homicídio, caso sua ex-mulher tivesse um ataque cardíaco, frente à desilusão? Seria ele culpado pelo câncer que ela viesse a desenvolver?
Apesar de vivermos a histeria do controle, a vida é risco. A prevalecer a ideia de que a atriz matou o motorista ao reclamar de seus serviços, ninguém mais demite um funcionário, desfaz um noivado ou coloca um filho de castigo. Aquele senhor poderia ter morrido pela emoção de seu time ser campeão. Seria o técnico culpado por homicídio?
Ao que parece, por não conseguir eficácia relativamente aos fatos que são de sua competência, o Direito Penal começa a migrar para situações que lhe são completamente alheias, em uma frenética ilusão de que está cumprindo sua função.
A vida é recheada de ações e omissões de que nos orgulhamos e nos arrependemos; nem todas são assunto de Estado. Por mais que queiramos um mundo loteado por pessoas gentis, compreensivas, tolerantes e amorosas, não cabe ao Direito Penal propiciar o alcance de tal fim.
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GIULIANO CONTENTO DE OLIVEIRA
Questões macroeconômicas resolvidas?
A despeito dos avanços, de maneira alguma se pode assegurar que as questões macroeconômicas estejam resolvidas, como quer Dilma
Ao longo dos últimos anos, diversos indicadores macroeconômicos do Brasil apresentaram melhora substancial. A dívida líquida do setor público (DLSP) recuou de pouco mais de 60% do PIB em 2002 para 35% do PIB em 2012. A taxa de desemprego aberto, no patamar aproximado de 13% em 2003, girou em torno de 5,5% em 2012, encerrando o ano em 4,6%, segundo o IBGE.
E a taxa básica real de juros, que atingiu níveis exorbitantes nos anos 1990, depois do Plano Real, caiu para menos de 2% no final de 2012. Essa situação levou a presidente Dilma Rousseff a afirmar que as questões macroeconômicas no Brasil estão resolvidas ("Valor", 12/12/2012).
De fato, não há como negar a importante melhora dos indicadores mencionados. Isso, contudo, não tem se mostrado suficiente para viabilizar o crescimento econômico sustentado da economia brasileira, tampouco para fazer deslanchar o investimento no país.
Ademais, fica cada vez mais patente que o Brasil sofre de um problema de competitividade.
A despeito dos avanços recentes, de maneira alguma se pode assegurar que as questões macroeconômicas estejam resolvidas no Brasil. De fato, a taxa de juros caiu substancialmente depois da crise, mas em um contexto de pressões deflacionárias nas principais economias do globo. A redução da DLSP em relação ao PIB, por seu turno, foi fortemente condicionada pelo expressivo acúmulo de reservas internacionais, em meio ao contexto de bonança internacional.
Não por outro motivo, à diminuição da dívida externa líquida correspondeu o aumento substancial do passivo externo líquido (estoque de investimentos estrangeiros no Brasil deduzido do estoque de investimentos brasileiros no exterior) da economia brasileira, de US$ 295 bilhões para US$ 738 bilhões entre 2004 e 2011. A geração de superavits fiscais primários e, principalmente, o crescimento econômico, também contribuíram para a redução da razão DLSP/PIB.
Não há como negar, contudo, que as condições internacionais peculiares que prevaleceram entre 2004 e 2008 também foram muito importantes para a aceleração do PIB nesse interregno. E a redução do patamar da taxa de desemprego corre o risco de não se manter, caso a elevação do nível de investimento não ocorra rapidamente e de maneira sustentada.
Deve-se destacar, ainda, que a própria capacidade de manutenção da taxa de câmbio em patamar competitivo no período mais recente, considerando-se a institucionalidade vigente do regime de metas para a inflação, apenas tem se mostrado factível no cenário atual de baixo crescimento.
Em 2012, com a economia brasileira crescendo somente cerca de 1%, a taxa de inflação medida pelo IPCA atingiu 5,84%. Destarte, uma aceleração vigorosa do crescimento econômico tende a tornar a sustentação da taxa de câmbio em um patamar considerado competitivo muito difícil, ante a maior pressão sobre a inflação.
Isso posto, pode-se dizer, no máximo, que as questões macroeconômicas estão sob controle no momento atual, considerando a comunhão dos fatores indicados. Mas de maneira alguma estão totalmente resolvidas. Não se pode dissociar a melhora de alguns indicadores macroeconômicos da conjuntura internacional sine qua non que prevaleceu tanto antes como depois da crise global.
A resolução efetiva das questões macroeconômicas requer, pois, a implementação de reformas e iniciativas capazes de permitir a compatibilização entre taxa de juros baixa, controle da inflação, crescimento econômico e solidez das contas externas. Trata-se de algo, pois, inseparável das questões ligadas à competitividade da economia brasileira.
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