sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
Os lucros das farmacêuticas
A absurda margem de lucro da indústria de medicamentos sustenta um esquema de persuasão, para não dizer corrupção
Em 2003, a prestigiosa organização filantrópica Médicos Sem Fronteira (MSF) denunciou à comissão que gerenciava o Tratado de Livre Comércio da América Central (Cafta) uma distorção no preço de remédios. A ONG dizia pagar entre 75% e 99% a menos que o governo da Guatemala pelas mesmas drogas medicinais.
Isso significava que a margem (diferença entre preço de venda e custos de produção no setor) estaria entre 300% e 10 mil%.
Os acusadores davam um exemplo concreto: o preço do ARV 4T (40 miligramas) do Bristol-Myers Squibb para um ano de tratamento na Guatemala era de US$ 5.271 por pessoa, enquanto a MSF pagava US$ 53 pelo correspondente genérico. (É bom deixar claro que esse preço reduzido nunca aconteceria com os pseudogenéricos brasileiros).
Embora a maior das consequências perniciosas dessa obscena margem seja o conjunto de perdas econômicas para governos e sociedade, há outros prejuízos mais sutis, mas não menos deletérios. É apenas natural que esse desmesurado ganho proporcione e exija formas de persuasão, para não dizer corrupção, para manter-se vivo e até mesmo para estender seu campo de atuação.
É preciso, inicialmente, reconhecer a peculiaridade do setor: quem usa o remédio não é quem escolhe e, muitas vezes, não é quem paga. Essa condição dilui responsabilidades e compromissos. O exemplo a seguir vai tornar clara a condição.
A Secretaria estadual da Saúde de São Paulo durante o governo Fleury (1991-1994) emitiu por três meses uma série de pedidos de aquisição de até 20 medicamentos. As drogas eram condicionadas a direitos proprietários. Ou seja, eram medicamentos patenteados. Acontece, porém, que, àquela época, menos de 5% dos medicamentos em uso no Brasil eram produtos patenteados. Os demais tinham o registro de propriedade vencido e eram, portanto, mais baratos. Se o Estado tivesse se restringido à compra de apenas um medicamento patenteado, tudo bem. Mas foram 27 e constituíram a totalidade de compras naquele ano.
Para evitar problemas com as exigências legais de licitação, uma associação de produtores multinacionais de medicamentos atestava que tais produtos não tinham similar nacional e eram, cada um deles, produzidos exclusivamente por certa empresa farmacêutica.
Em seguida, essas empresas vendedoras de medicamentos declaravam que sua representante diante do governo do Estado de São Paulo era uma certa intermediária, sempre a mesma para todas as produtoras. Essa empresa intermediária era propriedade de um indivíduo que, aliás, foi condenado logo depois, no caso dos sanguessugas.
Nenhuma dessas ações, em si, constituiria uma ilegalidade, pois os preços dos medicamentos comprados pela secretaria eram idênticos aos vigentes, aprovados pelo governo federal. A questão era a escolha dos patenteados, em detrimento de versões similares mais baratas.
O conjunto de compras somou cerca de US$ 300 milhões. Os documentos foram todos assinados por bagrinhos. Se prevalecesse, então, a doutrina atual dita domínio do fato do Supremo Tribunal Federal, haveria tubarões na rede.
O esquema só foi e ainda é possível graças à absurda margem de lucro que caracteriza o setor, pois o intermediário poderia ficar com, digamos, 50% ou mais e ainda restaria aos produtores de medicamentos um assombroso lucro.
De acordo com relatórios das próprias empresas que desenvolvem novas drogas e de suas associações, elas despendem até 15% de seu faturamento com pesquisas. Não há, portanto, como justificar essa margem exorbitante praticada pela indústria de medicamentos, principalmente porque se torna uma forma imoral de exploração da doença e do sofrimento humano.

    RAFAEL ELDAD
    Relembrar para um amanhã melhor
    Deveria haver hoje no mundo 30 milhões de judeus, mas há 13,5 milhões. Nosso povo ainda não se recuperou da tragédia que foi o Holocausto
    O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, estabelecido em 27 de janeiro, é uma homenagem às suas vítimas e à lembrança do genocídio que resultou na aniquilação de mais de 6 milhões de judeus pelo regime nazista.
    A data, criada por resolução da Assembleia-Geral da ONU, foi escolhida por marcar o aniversário de libertação do campo de extermínio Auschwitz-Birkenau, o maior do terror nazista, onde mais de 1,5 milhão de seres humanos foram dizimados.
    Nosso papel, junto com a comunidade internacional, é garantir que atrocidades como essa não se repitam. O Holocausto deve sempre nos lembrar o que um regime extremo, baseado no ódio ao próximo, pode fazer e causar.
    No fim da barbárie nazista, havia 11 milhões de judeus no mundo. Antes disso, eram quase 18 milhões. Mesmo com um ritmo muito lento de crescimento natural da população, deveria haver hoje cerca de 30 milhões de judeus no mundo. No entanto, há apenas 13,5 milhões. Isso mostra que o povo judeu ainda não pôde se recuperar da tragédia.
    Nessa data, honramos a memória dos mais de 6 milhões de pessoas inocentes: homens, mulheres, idosos e mais de 1 milhão de crianças, cuja única culpa era a de terem nascido judeus. Mas também rejeitamos a negação do Holocausto e condenamos a discriminação e a violência embasadas na religião, etnia ou qualquer ato de violência por puro preconceito.
    O compromisso de conservar a memória dessas atrocidades não é uma tarefa somente do povo judeu, mas também é tarefa indispensável a todo ser humano.
    Ainda hoje, infelizmente, enfrentamos mais manifestações sutis de ódio aos judeus, não menos perigosas, como o antissemitismo disfarçado de antissionismo e a mais nova forma: um movimento para negar o direito do povo judeu de ter o próprio Estado soberano.
    Mas no Estado de Israel, mesmo após o Holocausto, conseguimos o que quase nenhum povo conseguiu em tão pouco tempo: resgatar nossa identidade e história, criar um Estado democrático, levantar uma nação.
    Conseguimos tudo isso, mesmo não tendo nem um dia de paz verdadeira em nossa região. Tivemos que investir na manutenção de nossa segurança e na defesa de nossa existência e soberania contra inimigos hostis.
    Israel será sempre grato a vários brasileiros, por terem salvo judeus durante o regime nazista. No Museu do Holocausto, em Jerusalém, duas árvores simbolizam dois "justos" brasileiros, reconhecidos por Israel como não judeus que ajudaram a salvar os perseguidos durante o Holocausto: o embaixador na França entre 1922 e 1943, Luis Martins de Souza Dantas, e Aracy de Carvalho, funcionária do consulado brasileiro de Hamburgo, na Alemanha, no fim da década de 1930.
    Sentimo-nos honrados em poder relembrar nossos irmãos na cerimônia desta semana, em Brasília, capital de um país de diversidade cultural, étnica e religiosa, assim como Israel. Como disse o poeta brasileiro Mário Quintana: "O passado não reconhece o seu lugar; está sempre presente". Devemos relembrar o passado, devemos relembrar o Holocausto, pois somente assim o mundo evitará cometer os mesmos erros no futuro. Uma importante lição é nunca esquecer, sempre lembrar.
    Espero que o mundo aprenda a lição e lute, tanto em palavras quanto em ações, contra o novo antissemitismo. O dia 27 de janeiro deve ser lembrado como uma data de união de todos os povos ao redor do mundo em busca de um amanhã melhor.

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