sexta-feira, 29 de março de 2013

Em busca da fantasia perdida

folha de são paulo

Hollywood vive crise no setor de efeitos especiais; produtora que levou o Oscar pediu falência
RODRIGO SALEMDE SÃO PAULOUm filme com um jovem indiano atacando o vazio com um remo dificilmente ganharia o Oscar de melhor direção em 2013. Um terço de um transatlântico afundando em um tanque d'água não se transformaria em um dos maiores fenômenos de bilheteria da história -caso de "Titanic".
E "Jack - O Caçador de Gigantes", blockbuster que estreia hoje nos cinemas do Brasil, teria cenas de ação com seu herói (Nicholas Hoult) lutando contra bolas de tênis.
As situações descritas são extremas, mas o alerta vermelho está aceso em Hollywood, que enfrenta uma grave crise no setor de efeitos visuais. Apesar da demanda crescente por parte dos estúdios, a concorrência se acirrou a ponto de derrubar cachês e margens de lucro dessas empresas, que têm alto custo.
Em setembro passado, a Digital Domain, fundada por James Cameron e responsável pelos efeitos de "Titanic", fechou as portas. Em janeiro, a Dreamworks Animation demitiu 350 pessoas.
Já a Rhythm and Hues, que venceu o Oscar de efeitos visuais neste ano por "As Aventuras de Pi", entrou com pedido de falência na mesma semana em que foi premiada.
Bill Westenhofer, supervisor de efeitos da empresa (uma das maiores do setor), até tentou alertar o mundo sobre a crise no segmento na cerimônia do Oscar, mas foi cortado abruptamente pela produção da festa com a música tema de "Tubarão".
Pior: ao receber o Oscar de melhor diretor por "As Aventuras de Pi", Ang Lee agradeceu até aos "construtores do tanque" do filme, mas deixou de lado os técnicos que desenharam 80% de seu longa.
O filme retrata um garoto (Suraj Sharma) aprendendo a conviver com um tigre -reproduzido digitalmente em quase todas as cenas- em um bote no meio de um oceano (ampliado por computador).
PROTESTO
Do lado de fora do Dolby Theatre, no qual ocorreu a festa do Oscar, 450 artistas visuais protestaram contra o sistema de trabalho dos grandes estúdios. Entre as reivindicações estão a criação de um sindicato e a participação nos lucros das produções.
Lee conseguiu enfurecer ainda mais os artistas quando, nas entrevistas pós-Oscar, disse que os "efeitos especiais poderiam ser mais baratos".
A declaração do cineasta deu origem a uma carta aberta de Phillip Broste, da Rhythm and Hues: "Foram precisos centenas de horas de artistas habilidosos e coordenadores para moldar os cenários e as performances de 'As Aventuras de Pi'. Seu dinheiro foi gasto nisso e, julgando pela noite que teve, foi uma barganha dos diabos".
Dias depois, o diretor respondeu tentando colocar panos quentes. "Quando a economia está bem, as empresas de efeitos visuais vão bem, porque existe dinheiro. Quando os tempos ficam ruins, é provável que elas peçam falência", afirmou Lee à Folha.
"Sei que é difícil fazer um trabalho artístico, mas espero que esse negócio custe menos e seja mais artístico e respeitado. Seria um sonho."
Para Tim Squyre, montador de "As Aventuras de Pi", o setor de efeitos especiais precisa encontrar um modelo de negócio que funcione. Hoje, uma empresa fecha um contrato com valor fixo -mesmo que filme renda US$ 600 milhões (R$ 1,2 bilhão), como "As Aventuras de Pi".
A competitividade acirrada entre as produtoras leva a um leilão às avessas nos bastidores: leva o projeto quem oferecer o menor orçamento.
"As companhias precisam operar como negociantes de verdade e parar de passar a perna umas nas outras", diz Scott Squires, um dos organizadores do protesto no Oscar.
PROTECIONISMO
Outro ponto que incomoda o segmento nos EUA é a estratégia de países como Nova Zelândia (sede da empresa que fez "O Senhor dos Anéis") e Canadá, que oferecem incentivos fiscais para atrair produções hollywoodianas.
"Nenhum trabalho que deixe os EUA, principalmente nesta época, será bem visto, a não ser que o outro país esteja financiando o longa", afirma o designer de produção Neville Page ("X-Men").
Page veio ao Brasil para a inauguração da Axis, escola de efeitos visuais que surge da parceria entre a brasileira Saga e a americana Gnomon.
Para ele, a internacionalização não resolve problemas do setor. "O Brasil está com uma economia diferente dos EUA e custa menos fazer efeitos aqui. Mas os estúdios sempre buscarão lugares mais baratos. É um ciclo vicioso."
Colaborou FRANCISCO QUINTEIRO PIRES, de Nova York
Atores admitem que trabalhar em filmes hi-tech é frustrante
FERNANDA MENAENVIADA ESPECIAL A LONDRESSe, nas telas, as novas tecnologias aplicadas ao cinema encantam os olhos por trás de óculos 3D, nos estúdios e sets de filmagem elas parecem arruinar a magia do trabalho dos atores.
É essa a avaliação de atores como Ewan McGregor e Stanley Tucci, que integram o elenco da superprodução hi-tech "Jack - O Caçador de Gigantes", dirigido por Bryan Singer, de "X-Men".
O filme utiliza quase toda a tecnologia de ponta disponível hoje para criar uma versão do conto de fadas "João e o Pé de Feijão".
Há 3D, imagens geradas por computador e filmagens com a tecnologia "motion capture" (captação de movimentos com atores cobertos por sensores dos pés à cabeça, que posteriormente determinam as ações das animações digitais).
"O trabalho do ator se torna outra coisa quando você tem de contracenar com nada, em um ambiente todo verde ou azul. É frustrante", admite o escocês McGregor.
"Frustrante? É humilhante", diz Tucci. "Eram horas e horas no set, vestido com uma armadura e empunhando uma espada e, na hora da ação, parávamos tudo porque uma câmera sei lá o quê não funcionou."
"Nas telas, os efeitos são incríveis. Mas, no set, esse tipo de tecnologia simplesmente acaba com a imaginação do ator", resume ele.
Os atores tiveram de gravar muitas cenas em estúdios totalmente verdes em que as imagens geradas por computador (gigantes e mais gigantes) seriam posteriormente inseridas.
"Você tem de contracenar com bolas de tênis, conversar com elas como se fossem os gigantes. O set de filmagem fica cheio de técnicos, que são criativos, mas de uma maneira diferente de um ator", explica McGregor.
O longa custou cerca de US$ 150 milhões (cerca de R$ 300 milhões) e consumiu quase um ano de pós-produção -fase restrita aos computadores, em que a mágica vista nas telas, quase incompreensível nas filmagens, de fato acontece.
"O problema é a expectativa da audiência", diz Singer. "Quando algo feito nos computadores não parecia real, refizemos até que ficasse a contento. Fui muito exigente com o pessoal da computação gráfica."
Atores e diretor avaliam o resultado de todo esse aparato tecnológico, além de caro, como surpreendente.
"O mais engraçado é que, em geral, quando faço parte de um filme e vou assisti-lo no cinema, fico me lembrando dos locais de filmagem", afirma McGregor. "Neste caso, no entanto, é surpresa pura porque o ator não tem memória de nada do que está ali. É como ver outra pessoa fazendo aquilo que você fez."

    CRÍTICA AVENTURA
    Longa tem bons personagens e cara de game
    Diretor soube valorizar ator principal e teve habilidade para trabalhar com arquétipos típicos dos contos de fada
    SÉRGIO ALPENDRECOLABORAÇÃO PARA A FOLHAAtualmente, quase todos os filmes de ação contam com um determinado artifício de estilo: a câmera-pássaro. Se for fantasia, para exibição em 3D, é quase certa a presença de tal expediente.
    Trata-se de uma câmera que voa alucinadamente por paisagens artificiais e faz com que os longas se pareçam com videogames.
    Temos um pouco disso em "Jack - O Caçador de Gigantes", adaptação de um antigo conto de fadas inglês cuja variação mais famosa é "João e o Pé de Feijão".
    Jack, jovem plebeu, recebe a visita de uma princesa que foge de um casamento forçado. Por acidente, um gigantesco pé de feijão cresce no meio de sua casa, levando-os a um mundo desconhecido, em uma montanha e habitado por gigantes. Os voos rasantes aparecem aqui e ali, para aproveitar ao máximo o efeito da terceira dimensão.
    Por outro lado, há na aventura um senso dramatúrgico interessante. Temos arquétipos que representam um panorama histórico da narrativa fantástica.
    Há o vilão ganancioso, seu ajudante abobalhado, a princesa meiga e justa, o pai atencioso e durão, o rapaz pobre de caráter rico, o guerreiro das causas nobres etc. Até mesmo os gigantes reproduzem tal esquema.
    Esse tipo de esquematização, quando trabalhado conscientemente, rende nas mãos de um diretor hábil como Bryan Singer. Porque se apoia na construção arquetípica dos personagens para conseguir momentos de emoção genuína (algo raro atualmente em filmes para a família).
    Singer sabe, por exemplo, como valorizar o trabalho de um jovem ator como Nicholas Hoult (que, aliás, se parece com Christopher Reeve).
    Sabe também encontrar o tom ideal para a atuação de Stanley Tucci, pois seu vilão pode ser caricatural de tão maldoso, mas funciona dentro da proposta.
    "Jack - O Caçador de Gigantes" não é primoroso como, por exemplo, "As Crônicas de Spiderwick", de Mark Waters. Tampouco tem o charme de algumas fábulas de Tim Burton. Mas é digno, um bom divertimento para uma tarde de domingo.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário