quarta-feira, 27 de março de 2013

Maria Alice Setubal - Tendências/Debates]

folha de são paulo

Novas formas de aprender e ensinar
Para fazer da tecnologia uma aliada da educação, é preciso vencer o medo do novo e superar a cultura imobilizadora da queixa
Os tablets substituirão o professor? Como as tecnologias afetam a educação? Por que a educação tradicional não responde aos anseios da sociedade contemporânea? A relação entre as tecnologias e a educação instiga muitas questões.
Os vídeos de matemática de Salman Khan são apenas um exemplo. O sucesso das inúmeras plataformas, vídeos, games e aplicativos educacionais que inovam as formas de aprendizagem nos leva a refletir sobre os fundamentos que apoiam essas ferramentas.
A revolução tecnológica possibilitou o surgimento de uma inteligência coletiva, com aprendizagens em rede e descentralização das esferas do conhecimento.
A aprendizagem é um processo social fruto de um contexto histórico. Portanto, a revolução tecnológica impacta diretamente esse processo não apenas pelas inúmeras possibilidades de acesso às informações, como também pela forma sistêmica de construção do conhecimento. A maioria das escolas ainda trabalha de maneira linear e simplista, onde o ensino se baseia em aulas expositivas e livro didático. Já a inteligência coletiva é colaborativa e se irradia a partir de diversas fontes e formatos.
O hipertexto é um exemplo desse processo. Cada clique abre infinitas portas de informações. O conhecimento não está mais estanque em caixas. Ele é transversal e produzido nas conexões entre várias informações. Essa transversalidade se expressa nas demandas das empresas e nas expectativas dos jovens.
De um lado, as organizações buscam um perfil de colaborador que responda aos desafios do mundo globalizado e complexo. Pessoas que saibam resolver problemas, comunicar-se claramente, trabalhar em equipe e de forma colaborativa. Que usem as tecnologias com desenvoltura para selecionar, sistematizar e criticar as informações. E que sejam inovadoras e criativas.
Por outro lado, pesquisas mostram que os alunos querem ter maior liberdade e autonomia, um ensino personalizado, colaborativo e em rede, com conteúdos relacionados ao mundo real. O jovem quer sentir-se motivado e conectado com as tecnologias. Quer ser produtor de conhecimento e cultura, não um passivo ouvinte de aulas expositivas.
Assim, tanto a demanda do mercado de trabalho quanto o novo perfil dos jovens exige uma mudança nas formas de ensinar e aprender. A autonomia, a construção colaborativa do conhecimento, o diálogo, a participação e a criatividade, potencializada pelas possibilidades de navegar na internet com diferentes ferramentas, são os eixos de sustentação desse novo modelo.
O processo amplificado pelas novas tecnologias faz com que o professor não seja mais o único detentor do saber. Ele deve tornar-se um mediador das diferentes fontes e formas de aprendizagem, função muito mais complexa do que a de um expositor de conteúdos. Trata-se de uma pedagogia descentrada, participativa e colaborativa, em que informações e conhecimentos se conectam, se multiplicam e voltam a se conectar gerando novos conteúdos e formatos.
Para fazer da tecnologia uma aliada da educação, é preciso vencer o medo do novo e superar a cultura imobilizadora da queixa. É preciso caminhar em direção a uma cultura da potência. Esse movimento cria um novo paradigma para a profissionalização dos professores.
Ao se atualizar o perfil do professor, dando-lhe condições de responder às demandas educativas que a sociedade espera da escola, resgataremos a valorização docente e a função imprescindível que esses profissionais exercem para a construção do país que queremos.


ROBERTO LIVIANU E FELIPE LOCKE CAVALCANTI
TENDÊNCIAS/DEBATES
Mandonismo à paulista
É natural que detentores do poder queiram impedir o Ministério Público de investigar crimes. Às vezes, são eles os próprios réus
A queda da Bastilha em 1789 simbolizou, em meio ao banho de sangue da Revolução Francesa, o fim do absolutismo monárquico.
O combate a esse sistema foi um importante legado da obra filosófica de John Locke, que, além de ser incorporado ao Iluminismo, influenciou também a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos em 1776.
Nascia a República. O exercício do poder, que durante séculos foi absoluto, concentrado, hereditário e de origem divina, passa a ter as dimensões da limitação, dispersão e alternância. O ser humano passa a ser o eixo central de preocupação da civilização.
A cidadania hoje se fortalece dentro dos conceitos da democracia representativa e participativa.
Mas bem antes disso, há mais de 400 anos, surgia no Brasil a figura do Ministério Público perante o Tribunal da Relação, na Bahia.
Hoje, há quase 25 anos, a Constituição Cidadã assegura direitos civis, sociais e políticos às pessoas e reafirma nosso caráter político democrático republicano, incumbindo o Ministério Público da concretização da cidadania e da ideia iluminista da limitação do poder.
Em São Paulo, somos 1.900 promotores e procuradores de Justiça atuando em mais de 400 comarcas e foros distritais, investigando, diligenciando, processando, trabalhando em prol de mais de 40 milhões de seres humanos.
Cumprindo nossa missão constitucional, protegemos o patrimônio público, cultural e social, o ambiente, a infância e juventude, os idosos, as pessoas com deficiência, os consumidores e a coletividade.
É natural e compreensível que, para isso, muitas iniciativas do Ministério Público incomodem os detentores do poder. Muitas vezes são eles os próprios réus que temos o dever de responsabilizar por atos desrespeitosos à sociedade. Talvez por isso queiram nos impedir de investigar crimes, juntando o Brasil a um grupo de apenas três países.
Não somos os donos da verdade e para isso existe o direito à defesa e cabe sempre ao Poder Judiciário o julgamento final.
Mas não é razoável que representantes do Legislativo do Estado andem na contramão da marcha histórica da civilização rumo à dispersão do poder preconizada por John Locke já no século 17. Querem amputar os promotores de Justiça, esvaziando o papel da promotoria. Tentam recriar a instituição do rei, com todo o poder, na figura do procurador-geral de Justiça, propondo emenda à Constituição nesse sentido.
Montesquieu, outro inspirador da Revolução Francesa, ao conceber a tripartição do poder, idealizou um Legislativo elaborador de leis democráticas, respeitosas ao interesse público e garantidoras dos direitos da sociedade.
Se é fácil perceber que a concentração de mercado nas mãos de uma única empresa elevará os preços e prejudicará o consumidor, também é fácil enxergar que concentrar poder estatal nas mãos de um só é nefasto para a sociedade. Assim já advertiram o estadunidense Robert Klitgaard, ao falar sobre o controle da corrupção, e o britânico Lord Acton, ao ressaltar que o poder tende a corromper. E que o poder absoluto corrompe absolutamente.
E é óbvio que o exercício do poder disperso nas mãos de 1.900, e não concentrado na caneta de um, é muito mais controlável, menos vulnerável a pressões e infinitamente mais eficiente. Porque quem está próximo aos fatos, conhece-os melhor e terá melhores resultados.
A proposta lembra o coronelismo, de triste memória, fere de morte a Constituição Federal e deve ser barrada, a bem da sociedade e da história do Brasil!

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário