quarta-feira, 27 de março de 2013

Trabalhadoras essenciais (abelhas selvagens)-Marcela Ulhoa‏

Estudo internacional com a participação de brasileiros mostra que polinização das abelhas selvagens não pode ser substituída pela de espécies manejadas 


Marcela Ulhoa

Estado de Minas: 27/03/2013 

Brasília – A polinização é um mecanismo crucial para a reprodução das plantas e, por isso, influencia diretamente as diversas culturas alimentares do mundo. Nos cultivos de abóbora, cacau, melancia e melão, por exemplo, o grau de dependência dos serviços prestados pelas abelhas e diversos outros bichos é extremamente alto. Embora o vento e a água ajudem na dispersão do pólen, o processo reprodutivo de mais de três quartos das angiospermas (plantas que dão flores e frutos) dependem das cerca de 200 mil espécies polinizadoras.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a agricultura precisa desses animais, ela é responsável pela gradual redução da diversidade de espécies nativas. O aumento da área de plantio faz com que os bichos percam o hábitat deles e desapareçam desses locais. Uma saída seria a criação de polinizadores nas regiões, mas a medida pode não ser muito eficaz, como aponta um estudo conduzido por uma equipe de pesquisadores internacionais.

O levantamento reuniu dados de campo de 41 sistemas agrícolas espalhados por 19 países, incluindo o Brasil. O resultado, publicado na revista Science, mostrou que a polinização por abelhas selvagens é, de certa forma, melhor que a das espécies exóticas manejadas, como é o caso da africana Apis mellifera. 

“A agricultura causa impactos, remove vegetação nativa e utiliza inseticidas. Isso elimina os polinizadores daquela área. Hoje, preconiza-se que, se o inseticida mata o polinizador, basta colocar depois colmeias de abelhas mellifera que elas farão o mesmo trabalho que as nativas. Isso tem sido feito ao redor do mundo”, explica Breno Magalhães Freitas, pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC) e um dos autores do estudo. “(A estratégia) resolve até certo ponto, mas, para um resultado ideal, é preciso contar também com as espécies nativas. Uma não substitui a outra, as duas se somam”, completa. A abelha africana, segundo Freitas, é uma generalista. Ela visita todas as culturas, mas não consegue ser tão eficiente quanto os polinizadores nativos.

Inédito Até então, era forte a dúvida da eficácia da substituição das espécies naturais pelas manejadas. A incerteza era alimentada pela falta de um levantamento global que analisasse os impactos desses animais na produtividade final. A reunião dos trabalhos de pesquisadores de vários cantos do mundo, com uma grande quantidade de culturas e áreas, possibilitou um panorama bem mais amplo.
Para fazer essa verificação, as diferentes informações foram colocadas em uma planilha padronizada, que exigiu a mesma metodologia de coleta e interpretação dos dados. Os cientistas participantes anotaram informações como o tipo de espécie que visita cada planta, a quantidade de grãos de pólen depositada nas flores e o tamanho das abelhas polinizadoras. Freitas conta que, no caso dele, as culturas analisadas foram as de algodão, urucum e acerola.

Outra instituição brasileira que participou do estudo foi a Universidade Federal da Bahia (UFBA). A bióloga Blandina Viana coordenou o levantamento dos dados sobre os cultivos de manga (variedade Tommy Atkins) e de maracujá-amarelo. De acordo com ela, tanto as espécies nativas quanto as exóticas manejadas são necessárias para o aumento da produtividade da maioria dos cultivos agrícolas. Entretanto, o que o artigo evidencia é que os serviços de polinização das espécies nativas não podem ser substituídos, pois a simples troca pode repercutir negativamente na colheita.

“Em alguns casos, como o do maracujá-amarelo, a produtividade pode ser totalmente dependente de espécies nativas. Essa cultura é polinizada por abelhas solitárias grandes do gênero Xylocopa. Já para a manga, as moscas da família Syrphidae destacam-se como potenciais polinizadoras, no entanto, a Apis mellifera, visitante mais abundante nas flores dessa cultura, pode também atuar como polinizadora efetiva”, pondera. Ela destaca que, apesar de as abelhas serem as principais polinizadoras das culturas mais importantes, outros animais, como besouros, moscas, borboletas, pássaros e morcegos, também contribuem.

Adaptação
Cristina Giannini, professora do Departamento de Biologia da Universidade de Santo Amaro (Unisa), diz que a hipótese mais provável para explicar a eficiência dos insetos nativos é  que eles seriam mais bem adaptados às plantas que polinizam, tanto do ponto de vista morfológico quanto fenológico. No primeiro, entram aspectos como o tamanho do corpo e das pernas e o tipo de pelo do animal. Essas especificidades “podem promover uma transferência mais eficiente de grãos de pólen de uma flor para a outra, aumentando assim a eficiência da polinização”, comenta a professora.

Já as adaptações fenológicas dizem respeito à sintonia entre o horário ou época do ano em que a flor está mais receptiva e a atividade do polinizador. “Alguns insetos, por exemplo, apenas estão ativos nas primeiras horas do dia, que corresponde também ao horário em que suas plantas hospedeiras estão com as flores totalmente abertas, com néctar e pólen disponíveis para serem coletados em troca do serviço de polinização”, explica Cristina.

São vários os fatores responsáveis pela diminuição da diversidade de espécies de polinizadores nativos. Alguns dos exemplos citados pelo estudo são o uso intensivo do solo pela agricultura moderna, a perda e a fragmentação do hábitat e o uso intensivo de agroquímicos. Para Breno de Magalhães Freitas, o estudo reforça as recomendações de reduzir o uso de defensivos, a remoção do solo e a retirada de plantas que fornecem alimento às abelhas silvestres. 

Cristina reforça o coro e defende que o estudo publicado na Science é fundamental para aumentar a conscientização sobre o valor das abelhas nativas. “É fundamental que a importância econômica desses insetos seja enfatizada. Não é só uma questão de preservação da natureza, mas também da preservação dos serviços que eles oferecem”, enfatiza. Ela acrescenta que a ênfase exagerada no papel da Apis mellifera pode ser imprudente. Isso porque o recente declínio das populações da abelha exótica no Hemisfério Norte deixa uma lição importante do “perigo de depositar uma função tão essencial quanto a polinização nas mãos de uma única espécie”.

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