segunda-feira, 4 de março de 2013

Marion Strecker

folha de são paulo

Valentões S/A


Algumas pessoas entenderam pelo meu último artigo que não acredito em psiquiatria. Quero desfazer essa impressão.
Psiquiatria não é questão de fé. Penso que se as pessoas tomam remédio para colesterol alto ou pressão alta, por que não haveriam de tomar para "depressão alta"?
Eu falava que a depressão é um dos motivos que levam as pessoas a mergulhar de cabeça nas redes sociais. O deprimido se isola, e páginas como o Facebook podem ser um bom passatempo. Quer dizer, bom ou mau. Depende.
A depressão é uma doença que afeta algo em torno de 20% da população mundial ao menos uma vez na vida. Vamos olhar para os lados. A doença caracteriza-se pelo isolamento, pela autocomiseração, pela desesperança, pelo autoflagelo.
Depressão não é sinônimo de tristeza. Encarar depressão como um estado de humor e achar que a pessoa pode se curar sozinha é privá-la de ajuda médica. Isso é sério. Suicídio é a pior consequência da omissão de socorro.
Depressão é uma doença biológica ou comportamental. Ou ambas.
Nem toda depressão traz tristeza. Depressão pode trazer irritação e ansiedade, por exemplo.
As doenças psiquiátricas mais populares podem ser subdivididas de acordo com os sintomas em dois grandes grupos: neuroses ou psicoses. Depressão, ansiedade ou pânico estão no grupo das neuroses, enquanto alucinação, delírio ou paranoia estão no grupo das psicoses.
Parece simples? Não é. Não há distinção clara entre casos comuns e problemas mentais severos. E sintomas de neurose e psicose podem surgir simultaneamente.
Se você quer ajudar alguém ou ser ajudado, procure um médico.
Isso posto, posso voltar a falar sobre o comportamento dos usuários de redes sociais.
Minha impressão é que as redes sociais exacerbam certos comportamentos, inclusive psicoses. Sim, estou falando de perda de contato com a realidade.
Todo o mundo pode ser valentão do outro lado da tela do computador. É muito mais comum encontrar um valentão no Twitter do que nas ruas da cidade.
Fiquei boba com a reação à visita ao Brasil da dissidente e blogueira cubana Yoani Sánchez no mês passado. Na vida real, seu primeiro compromisso em solo nacional, que era a projeção de um documentário em Feira de Santana (BA), teve de ser cancelado devido a protestos. Como assim? Impede-se a projeção de um documentário por discordância ideológica? Onde estamos? Brasil? Século 21?
Na internet, o mínimo que ouvi em redes sociais foi um grito retumbante: "Fora, Yoani".
Pessoalmente, sei apreciar os avanços da sociedade cubana e sua importância para o mundo. Mas não compactuo com a falta de liberdade de expressão e com o cerco ao direito de ir e vir.
Simples assim.
Não podemos conviver com opiniões discordantes? Por que os gritos de "Fora,Yoani"?
Quando perguntei isso no Twitter, os covardes se calaram.
Então penso que o embate nas redes sociais está educando os cidadãos aos poucos. É um processo longuíssimo e doloroso. Mas, no embate cotidiano, alguma coisa melhor há de surgir.
Ah, sim, há de surgir.
Marion Strecker
Marion Strecker é jornalista e cofundadora do UOL. Começou sua carreira como professora de música e coeditora da revista Arte em São Paulo. É formada em comunicação social pela PUC-SP. Trabalhou na Redação daFolha entre 1984 e 1996, onde foi redatora, crítica de arte, editora da 'Ilustrada', editora de suplementos, coordenadora de planejamento, coordenadora de reportagens especiais, repórter especial, diretora do Banco de Dados, diretora da Agência Folha e coautora do Manual da Redação. É colunista da Folha desde 2010. Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conteúdo do UOL de 1996 a 2011. Viveu em San Francisco, Califórnia, de julho de 2011 a julho de 2012, atuando como correspondente do portal. Mudou-se para Nova York, onde começou a escrever um livro sobre internet, previsto para sair em 2013 pela Editora Record. Atualmente vive em São Paulo

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