domingo, 31 de março de 2013

O mosquito que desafia a ciência - Tiago de Holanda‏

Com 100 anos no país e mais uma epidemia em Minas, aumenta preocupação de cientistas em encontrar vacina contra o vírus causador da doença. Estudos também buscam imunizar o mosquito 


Tiago de Holanda

Estado de Minas: 31/03/2013 

O Brasil registrou os primeiros surtos de dengue há mais de 100 anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a considerar, em 1958, o país livre do mosquito Aedes aegypti, responsável por carregar e transmitir o vírus que causa a doença. Depois, o bicho renitente voltou a fazer vítimas em 1976 e as epidemias se tornaram mais frequentes, como a enfrentada hoje por municípios de Minas, onde 37.733 casos foram confirmados neste ano, segundo balanço da Secretaria de Estado da Saúde. A ciência tenta descobrir maneiras de expulsar a moléstia do território nacional, e pesquisadores mineiros participam da batalha.

A maioria das pesquisas que tem a dengue como alvo, no estado, é executada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A equipe coordenada pelo virologista Flávio Fonseca, professor do Instituto de Ciências Biológicas, é uma das que perseguem o objetivo de gerar uma vacina. Em laboratório, as cargas genéticas dos quatro sorotipos são retiradas e clonadas dentro do vírus Vaccínia, o mesmo usado para produzir medicamento que ajudou na erradicação da varíola. Em seguida, o micro-organismo é inoculado em camundongos. Os animais, então, devem se mostrar imunizados depois que forem infectados com uma espécie de dengue adaptada artificialmente para deixá-los enfermos. “Ao entrar na célula, esse vírus (Vaccínia) produz as proteínas do vírus da dengue sem que a doença se manifeste. Isso pode gerar anticorpos”, explica Fonseca.

A pesquisa começou em 2008 e, à época, o professor esperava que em cinco anos a vacina estivesse no mercado. Os primeiros resultados, porém, foram desanimadores e a equipe precisou redefinir seus rumos. Antes, um protótipo da vacina era testada contra os quatro tipos de vírus ao mesmo tempo. Agora, ele é experimentado em um por vez.

ANTICORPOS Na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), os professores do Departamento de Ciências Biomédicas Luiz Felipe Leomil Coelho e Luiz Cosme Cotta Malaquias coordenam dois projetos que também buscam a vacina. Um deles desenvolveu nanopartículas compostas por uma proteína natural (albumina sérica bovina) associada aos quatro tipos de vírus da dengue, usados em inatividade. “Vacinamos camundongos e observamos que há uma produção de anticorpos contra os quatro sorotipos. Entretando, esses anticorpos têm fraca capacidade neutralizante”, diz Coelho. “A equipe está tentando modificar as nanopartículas para induzir a produção de anticorpos mais eficazes”, acrescenta.

No outro projeto, os pesquisadores usam estratégia diferente. A equipe sintetizou, por meio de reações químicas, três peptídeos artificiais, formados por aminoácidos (moléculas que estruturam as proteínas). Uma pessoa infectada por um sorotipo desenvolve duas espécies de anticorpos contra uma das proteínas mais importantes do vírus: um que neutraliza o mesmo sorotipo em uma nova infecção e outro que, além de não neutralizar, ainda favorece o contágio por outros sorotipos. “Até agora, os resultados indicam que os peptídeos podem induzir a produção de anticorpos capazes de combater células infectadas com os quatro sorotipos.”
 

 
Bactéria cura mosca infectada


E se o próprio mosquito Aedes aegypt puder ser usado para coibir a proliferação da dengue? Essa é a possibilidade perseguida por uma pesquisa coordenada por Scott O’Neill, professor da Universidade de Monash, em Melbourne, na Austrália. A equipe tem cientistas de vários países e os integrantes brasileiros são coordenados por um pesquisador do Laboratório de Malária do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais (CPqRR/Fiocruz), Luciano Andrade Moreira. A instituição ainda tem outros dois participantes: Marcelo Lorenzo e Paulo Pimenta. E o projeto tem alcançado resultados bastante promissores.

Os estudos começaram há oito anos, quando cientistas australianos injetaram em ovos do mosquito a bactéria Wolbachia, encontrada nas moscas-das-frutas, as drosófilas. Os pesquisadores planejam usá-la para impedir a propagação da doença. “É como se o mosquito fosse vacinado. Nele, o vírus precisa de 10 a 15 dias para se desenvolver. É o período de incubação. A bactéria bloqueia esse processo”, explica Moreira. “O número de indivíduos com a bactéria aumenta rapidamente”, constata Moreira.

Em 2011, mosquitos com o micro-organismo foram soltos em dois subúrbios de Cairns, na Austrália. “Todos os mosquitos das duas áreas passaram a conter a bactéria”, ressalta. Em abril, exemplares do inseto vão ser soltos em uma ilha do Vietnã, país que se assemelha ao Brasil em números de casos. O primeiro estado brasileiro a participar do experimento será o Rio de Janeiro, onde mosquitos devem ser espalhados em três localidades da capital e uma de Niterói até maio de 2014.

DESCARTE Muitas políticas públicas de combate ao mosquito são criadas ou modificadas em parceria com cientistas, mas é comum que acabem sendo abandonadas. Em Minas, por exemplo, a tecnologia MI-Dengue deixou de ser usada em 2011. Criada por pesquisadores da UFMG, ela inclui um equipamento chamado MosquiTrap, cujo desenvolvimento consumiu R$ 3 milhões do próprio governo, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).

Parecida com um vaso plástico, a MosquiTrap é uma arapuca georreferenciada via GPS. “No fundo da armadilha há água e uma substância sintética que exala um odor que atrai a fêmea. Quando ela entra para pôr os ovos, fica retida em uma cola adesiva”, explica Luís Felipe Ferreira Barroso, diretor da Ecovec, empresa de biotecnologia licenciada pela UFMG para comercializar o MI-Dengue. Mas, em 2011, o governo do estado e a Fiocruz avaliaram o produto. A conclusão foi de que era uma tecnologia cara e que não identificava se ao redor da armadilha havia criadouros. Ela não dispensa o trabalho de campo dos agentes”, alega a coordenadora do Programa Estadual de Controle de Dengue, Geane Andrade. (TH)


Saiba mais

Os primeiros surtos

As teorias mais aceitas sustentam que o Aedes aegypti, espécie originária da África, tenha chegado ao Brasil em embarcações que transportavam escravos. No país, os primeiros surtos foram registrados no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e províncias do Norte. Depois de ser erradicada em Minas, a dengue ressurgiu em 1991. Naquele ano, houve 286 casos. Em 1998, o número aumentou 515 vezes. Em 2010, houve recorde, com 214.552 ocorrências e 34 mortes. Em BH, o primeiro surto depois da reaparição da doença ocorreu em 1996, com 1.806 casos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário