domingo, 21 de abril de 2013

Entrevista Marcelo Silva [Presidente do Magazine Luiza]

folha de são paulo

Acredito em obter resultados sem 'fatiar' as pessoas
Presidente do magazine luiza, segunda maior varejista do país, vê esfriamento no consumo, mas diz acreditar em melhora
CLAUDIA ROLLITONI SCIARRETTADE SÃO PAULOPor trás de uma grande mulher, às vezes há também um grande homem.
No caso do Magazine Luiza, que tem a empresária Luiza Helena Trajano, da família fundadora, como conselheira e garota-propaganda, esse homem é Marcelo Silva.
Presidente da segunda maior varejista do país, é ele quem negocia com fornecedores, fixa preços, define abordagem do cliente, cuida do comércio eletrônico e das entregas, além de contratar e de demitir funcionários.
Para essa última função, alinhado com dona Luiza, é adepto do que chama de política do "gente não é salame", que procurar valorizar e preservar talentos treinados. Silva, 62, está lançando o livro "O que a Vida me Ensinou" (Saraiva). Leia trechos da entrevista.
Folha - Como foi o "casamento" com Luiza Helena Trajano, dona do Magazine Luiza?
Marcelo Silva - Eu a conheci em 2004 no IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), que reúne as empresas formais do setor, que vendem com nota, formalizam os empregados.
Percebemos uma sintonia de valores muito forte. Em 2006, ela já tinha decidido profissionalizar mais a gestão e me convidou para ser o CEO. Mas eu não podia sair das Pernambucanas, precisava esperar 2008 terminar, pois era o ano do centenário.
Sou pernambucano e não faria isso com nenhuma empresa. Ela disse então que, quando eu decidisse, que a procurasse.
E ela esperou?
Quando terminou 2008, formalizei minha decisão em reunião do conselho. Telefonei: "Luiza, cumprindo o que falei, deixei as Pernambucanas ontem". Mas não havia compromisso dela comigo, nem meu com ela. Queria fazer curso em Harvard. Mas ela disse que precisava de mim e Harvard ficou para depois.
Qual foi a sua trajetória até chegar ao varejo?
Sou de Palmares, nasci num pequeno engenho de cana-de-açúcar de Pernambuco. Meu pai queria estudar, meu avô dizia que iria mandá-lo, mas nunca mandou. Meu pai se casou com minha mãe, tiveram 12 filhos, e a obsessão dele era com os estudos.
Estudamos em colégio interno. Depois fui para Recife estudar e comecei a trabalhar aos 15 anos como escriturário.
Aos 20, no terceiro ano de faculdade, surgiu a oportunidade de trabalhar na Arthur Andersen, empresa falecida estupidamente em razão de pessoas que colocaram os interesses financeiros acima dos valores éticos. Quando o ganho está acima de tudo, você passa por cima da ética, da moral, do legal, porque o que prevalece é o dinheiro.
Mas e a cobrança por resultados, eficiência?
Como CEO, me perguntam se não gosto de resultado. Gosto não, tenho de dar resultado. Caso contrário, você está fora. Mas não posso obtê-lo passando por cima de pessoas. Uma empresa que abre o capital tem de tomar cuidado, o mercado demanda resultados de qualquer maneira. Quando você passa por cima dos colaboradores, passa por cima dos clientes.
Vim para uma empresa que não pensa assim, que nunca vai demandar de mim fazer lucro de qualquer maneira. Não vale a pena. Não estou dizendo isso por ser melhor do que ninguém, é por que acredito nisso. Nas Pernambucanas, trabalhei seis anos e meio sem passar por cima de ninguém.
Por falar em resultados, como está o varejo?
O varejo não está em rota de crescimento. O brasileiro está mais cauteloso, ouve sobre a inflação e isso mexe com sua cabeça. Mas achamos que o segundo semestre será melhor. Sempre vejo o copo meio cheio. Tem uma série de medidas sendo adotadas, como a desoneração. A economia não decola por obra e graça do Espírito Santo. 2013 será melhor que 2012.
A classe média parou de comprar?
Com pleno emprego, não há esgotamento do consumo. Estamos longe disso.
A entrada de consumidores na classe C continua, e essa faixa, quase toda, ainda tem de comprar lavadora. Quem já tem geladeira quer mudar para uma frost-free.
O mesmo acontece com a TV. Mais casas estão em construção e precisarão de móveis. Precisamos fazer a inflação ter um patamar adequado, o desemprego sob controle e juros menores, e assim a economia vai crescendo.
Como o varejo pode crescer sem perder suas raízes, sem se descaracterizar?
Nós somos um dos três cachorros grandes do varejo. Esse tamanho é uma base em que queríamos estar. É possível crescer mais, mas o desafio é maior. São 22 mil colaboradores, 1.200 líderes.
Em treinamentos, levamos esse pessoal para um hotel em Atibaia dizendo: vocês não podem embutir seguro e garantia estendida. Não podem fazer isso. Isso é gol de mão. Não façam isso.
A concorrência faz gol de mão?
Muitos fazem. E, se fizerem na gente, tomamos providência. A Luiza fala o tempo todo nisso. Temos um código de conduta que não pode ficar no papel.
Quando se coloca o lucro à frente de qualquer coisa, fica difícil. Se você é o CEO e os maiores acionistas não prezarem isso, esqueça, não tem a menor chance.
Como o varejo pode crescer sem perder os valores?
Trocou de dono, perde a referência. O dia que essa empresa sair das mãos dos Trajano, será uma empresa como outra, em que prevalecerão os resultados.
Não concordo que as pessoas não sejam a coisa mais importante no planeta.
O senhor já fez demissões em massa?
Em 2009, quando veio a crise, foi preciso ajustar os quadros das Pernambucanas à realidade das vendas. Decidi não estabelecer um percentual. Pedi que fizessem uma avaliação para eliminar os improdutivos e os que não aderiram aos valores da companhia. Quando você estabelece um percentual, pode cometer um festival de injustiças. Dei essa ordem muito angustiado, com a música de Gonzaguinha na cabeça.
Qual música?
No dia da demissão fui para casa com a canção "Um homem também chora" martelando: "Um homem se humilha, se castra, seu sonho. E, sem o seu trabalho, o homem não tem honra. E, sem a sua honra, se morre, se mata... Não dá para ser feliz, não dá para ser feliz...".
Por isso digo que gente não é salame para ser fatiada.
Existe uma receita, uma filosofia para comandar uma companhia?
Tudo que sei é porque devo a alguém e porque a vida me ensinou. Por isso fiz o livro com esse tema.
A essência é acreditar e apostar nas pessoas. Não abdico dos resultados, empresa que não dá resultado está fora. Mas o grande desafio é dar resultado sem passar por cima das pessoas.
Apesar da sintonia de valores com a rede, o sr. já é cobrado por dona Luiza?
Quando a gente não entrega para o cliente no prazo, por exemplo, somos cobrados, ela reclama. Ela mantém contado direto com os clientes e cobra, mesmo: "Olha, tem entrega atrasada".

    RAIO-X MARCELO SILVA
    IDADE
    62
    FORMAÇÃO
    Economia pela UFPE e pós-graduado em Administração Financeira pela Fesp
    CARREIRA
    Iniciou na consultoria Arthur Andersen. No varejo, atuou no Bompreço (hoje Walmart), G.Barbosa e Pernambucanas
    LIVROS
    "Gente Não é Salame" (Clio Editora) e "O que a Vida me Ensinou" (Saraiva)

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