domingo, 21 de abril de 2013

O assunto é América latina [tendências/debates]

folha de são paulo

SERGIO FAUSTO
Venezuela: amanhã pode ser outro dia
Abandonará Maduro a lógica da confrontação em nome da governabilidade e o "socialismo do século 21" pela reconstrução da economia?
Está desfeito o mito da invencibilidade eleitoral do chavismo. No último domingo, dia 14, ele colheu seu pior resultado nas quatro eleições presidenciais que disputou.
A diferença de votos com a oposição vinha caindo sistematicamente desde 2006. Em condições de normalidade democrática, Henrique Capriles teria vencido o pleito. Contra todas as iniquidades, conquistou 49,1% dos votos.
Nicolás Maduro começa o mandato com pouca força política e muitos problemas a enfrentar.
Seu desgaste no cargo é inevitável. Com um déficit fiscal superior a 10% do PIB e uma dívida pública elevada, o governo precisa cortar gastos e aumentar a arrecadação.
Numa economia em que as exportações de petróleo são a principal fonte de receita do Estado e a produção de barris está estagnada, o aumento da arrecadação exige uma nova desvalorização da moeda.
Ela terá impacto sobre uma inflação que já ultrapassa 20% ao ano, a despeito de congelamento de alguns preços. Impacto inflacionário significativo, porque a Venezuela hoje importa quase tudo que consome, inclusive gasolina.
Os venezuelanos perderão renda pelo aumento da inflação, pela elevação das tarifas públicas, pesadamente subsidiadas, e/ou pela diminuição das transferências governamentais para os programas sociais.
O ajuste pode ser suavizado se o governo contar com novos empréstimos da China (seu maior credor externo) e com auxílio de países interessados na estabilidade da Venezuela, como o Brasil. Mas ele é inescapável, e seus resultados, incertos.
A verdade é que não basta à Venezuela um ajuste macroeconômico. Trata-se da reconstrução de uma economia destruída por vários anos de voluntarismo e incompetência. Agora, com os preços internacionais do petróleo tendentes à queda.
Como se não bastasse, Maduro enfrentará um quadro político adverso dentro da heterogênea coalizão de forças que compõem o chavismo. Ungido por Chávez, respaldado pelos irmãos Castro, ele precisava de uma consagração eleitoral para adquirir capital político próprio e firmar sua liderança dentro do seu grupo político e ante o país.
Abandonará Maduro a lógica da confrontação política em nome da governabilidade e o "socialismo do século 21" em favor da reconstrução da economia venezuelana? Nada em sua formação política, nos interesses e na ideologia do chavismo indica que este será o caminho.
Dois dias após o pleito, ele afirmou sobre as medidas que pretende tomar para enfrentar os constantes apagões de energia elétrica no país: "Vou declarar o setor elétrico serviço de segurança do Estado, com disciplina militar interna" (para expurgar supostos sabotadores).
O peso das Forças Armadas no chavismo é crescente: 11 dos 22 governadores eleitos pelo Partido Socialista Unido da Venezuela em outubro do ano passado são militares. Oficiais ocupam postos e sinecuras no aparelho estatal. Com uma maioria eleitoral mínima, um Maduro enfraquecido requer o apoio das Forças Armadas para operar o Estado e manter-se no Palácio de Miraflores.
Militar da reserva, presidente da Assembleia Nacional, homem da boliburguesia, preterido por Chávez na sua sucessão, Diosdado Cabello deve estar sorrindo por dentro.
Em três anos, Maduro tem encontro marcado com o referendo revocatório previsto na Constituição venezuelana. Ninguém mais duvida de que a oposição tem hoje força para convocar o referendo e vencê-lo. Resta saber se o chavismo aceita conviver com essa perspectiva. E se a oposição saberá consolidar a nova posição conquistada no domingo.

    MARK WEISBROT
    O ASSUNTO É AMERICA LATINA
    As mãos dos EUA sobre a região
    A administração Obama não aceita que a região mudou e objetiva afastar governos de esquerda; também o Brasil precisa se manter vigilante
    Acontecimentos recentes indicam que a administração Obama intensificou sua estratégia de "mudança de regime" contra os governos latino-americanos à esquerda do centro, promovendo conflito de maneiras que não eram vistas desde o golpe militar apoiado pelos EUA na Venezuela em 2002.
    O exemplo mais destacado é o da própria Venezuela na última semana. No momento em que este artigo está sendo impresso, Washington está mais e mais isolada em seus esforços para desestabilizar o governo recém-eleito de Nicolás Maduro.
    Mas a Venezuela não é o único país vitimado pelos esforços de Washington para reverter os resultados eleitorais dos últimos 15 anos na América Latina.
    Está claro agora que o afastamento do presidente paraguaio Fernando Lugo, no ano passado, também teve a aprovação e o apoio do governo dos Estados Unidos.
    Num trabalho investigativo brilhante para a agência Pública, a jornalista Natalia Viana mostrou que a administração Obama financiou os principais atores do chamado "golpe parlamentar" contra Lugo. Em seguida, Washington ajudou a organizar apoio internacional ao golpe.
    O papel exercido pelos EUA no Paraguai é semelhante a seu papel na derrubada militar, em 2009, do presidente democraticamente eleito de Honduras, Manuel Zelaya, caso no qual Washington dominou a Organização de Estados Americanos e a utilizou para combater os esforços de governos sul-americanos que visavam restaurar a democracia.
    Na Venezuela, na semana passada, Washington não pôde dominar a OEA, mas apenas seu secretário-geral, José Miguel Insulza, que reiterou a reivindicação da Casa Branca (e da oposição venezuelana) de uma recontagem de 100% dos votos.
    Mas Insulza teve de recuar, como teve de fazer a Espanha, única aliada importante dos EUA nessa empreitada nefanda, por falta de apoio.
    A exigência de uma recontagem na Venezuela é absurda, já que foi feita uma recontagem das cédulas de papel de uma amostra aleatória de 54% do sistema eletrônico. O total obtido nas máquinas foi comparado à contagem manual das cédulas de papel na presença de testemunhas de todos os lados. Estatisticamente falando, não existe diferença prática entre essa auditoria enorme já realizada e a recontagem.
    Jimmy Carter descreveu o sistema eleitoral da Venezuela como "o melhor do mundo", e não há dúvida quanto à exatidão da contagem.
    É bom ver Lula denunciando os EUA por sua ingerência, e Dilma juntando sua voz ao resto da América do Sul para defender o direito da Venezuela a eleições livres.
    Mas não apenas a Venezuela e as democracias mais fracas que estão ameaçadas pelos EUA.
    Conforme relatado nas páginas deste jornal, em 2005 os EUA financiaram e organizaram esforços para mudar a legislação brasileira com vistas a enfraquecer o PT. Essa informação foi descoberta em documentos do governo americano obtidos graças à lei americana de liberdade de informação. É provável que Washington tenha feito no Brasil muito mais e siga em segredo.
    Está claro que os EUA não viram o levemente reformista Fernando Lugo como um elemento ameaçador ou radical. O problema era apenas sua proximidade excessiva com os outros governos de esquerda.
    Como a administração Bush, a administração Obama não aceita que a região mudou. Seu objetivo é afastar os governos de esquerda, em parte porque tendem a ser mais independentes de Washington. Também o Brasil precisa se manter vigilante diante dessa ameaça à região.

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