domingo, 21 de abril de 2013

Os herdeiros de Tiradentes / O mistério do herói decapitado

Os herdeiros de Tiradentes 

Conheça a história dos irmãos que reivindicam o título de parentes do mártir. Eles tentam provar que linhagem descende do único filho do herói, que fugiu com a mãe da ira da Coroa 



Paulo Henrique Lobato
Estado de Minas: 21/04/2013



Os Tiradentes de Bom despacho: assentados, da esquerda para a direita, maria do carmo, José Maria, Maria José e JOsé fausto, com filhos e netos, buscam reconhecimento como descendentes do mártir


Bom Despacho, Quartel Geral e Martinho Campos – O sobrenome dos irmãos José Maria, José Fausto, Maria do Carmo e Maria José aguça a curiosidade de muitos moradores de Bom Despacho, no Centro-Oeste mineiro, a 160 quilômetros de Belo Horizonte. Quem estiver disposto a escutar a história da família Tiradentes, em uma prosa regada a café e pão de queijo, ouvirá dos orgulhosos irmãos: “Somos filhos de Orozimbo Pedro Luís, netos de Belchiorina Augusta Cesarina, bisnetos de Belchior Beltrão de Almeida, trinetos de João de Almeida Beltrão e tetranetos de Joaquim José da Silva Xavier, o maior herói do país”. Linhagem que pode garantir a eles uma pensão vitalícia de cerca de dois salários mínimos mensais (R$ 1.356).

“O valor é simbólico. O que meus clientes querem é o reconhecimento do governo”, sustenta o advogado da família, Leonardo Gontijo Azevedo. Para isso, ele tentará convencer a bancada mineira no Congresso a propor um projeto de lei beneficiando a família. A segunda estratégia será estudar a viabilidade de uma ação na Justiça. Oito descendentes do mártir da Inconfidência Mineira, cuja memória é celebrada hoje, já conseguiram esse reconhecimento. Para eles, o benefício começou a ser pago no governo militar. Em 1969, para reforçar a imagem da pátria, a União localizou três trinetos do mártir, todos primos de segundo grau dos Tiradentes de Bom Despacho, e os premiou com a pensão. De lá para cá, alegando equidade e isonomia, mais cinco integrantes da árvore genealógica do alferes conseguiram o mesmo.

Dos oito pensionistas que já conseguiram o feito, apenas uma descendente, que hoje mora em Brasília, está viva. Os demais residiam no Oeste de Minas, onde o mártir talvez jamais tenha colocado os pés, pois a principal missão do alferes (cargo abaixo do de tenente na hierarquia militar) era policiar parte da Estrada Real, de Ouro Preto ao Rio de Janeiro. O mártir teve muitas amantes nesse trecho. Ele não se casou, mas deixou uma filha e um filho. O garoto, João, foi fruto do romance com dona Eugênia Joaquina da Silva, que deixou Vila Rica e se mudou com a criança para Quartel Geral, hoje com 3,5 mil moradores, a 100 quilômetros de Bom Despacho.

Muita gente se pergunta o porquê de Eugênia trocar Vila Rica, então capital da província das Gerais, por um lugarejo menos promissor. A resposta está na sentença que condenou o alferes. O texto, assinado pela rainha dona Maria I, considerou “infames” filhos e netos de Joaquim José da Silva Xavier. Sentença de natureza impensável nos dias atuais, pois a individualização da pena é um princípio do direito criminal, mas foi considerada pela Coroa portuguesa exemplar para a época.

 “Seja conduzido (Tiradentes) pelas ruas públicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre (…). Declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens applicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique (…).” Na prática, o infame perdia o direito de herança e sofria outras restrições.
Pesquisadores sustentam a tese de que aliados do mártir orquestraram um plano audacioso para preservar o menino. Mãe e filho foram levados para Quartel Geral, a 300 quilômetros de Vila Rica, e um amigo do alferes, Luiz de Almeida Beltrão, assumiu a paternidade do garoto, registrando-o como João Almeida Beltrão, para evitar vestígios de sua ascendência. “Esse amigo também era de espada (guarda) e servia em Quartel Geral (onde o regimento era preciso) em razão da exploração de diamantes”, explica Adalberto Guimarães Menezes, integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), onde ocupa a cadeira cujo patrono é Tiradentes.

ÁRVORE GENEALÓGICA Embora haja pesquisadores que considerem a história fantasiosa, os que a defendem se baseiam em um documento encontrado em Martinho Campos, a 40 quilômetros de Bom Despacho e a 50 quilômetros de Quartel Geral. Trata-se da certidão de óbito de um curandeiro batizado de Belchior, que viveu em Ibitira, povoado de Martinho Campos, e que é tido como filho de João, o herdeiro do mártir. “Belchior morreu, aos 100 anos, em 1925. No rodapé da certidão de óbito dele consta que era neto de Tiradentes”, informa o pesquisador e escritor Orlando Ferreira de Freitas, que estuda a árvore genealógica das famílias da região há mais de 20 anos.

A certidão de óbito de Belchior foi uma das provas usadas pelo governo federal para conceder a pensão a descendentes do alferes. O nome completo dele era Belchior Beltrão de Almeida Tiradentes. Depois de instaurada a República, em 1889, pesquisadores dizem que familiares do mártir no Oeste mineiro adotaram o apelido do herói como sobrenome, pois o fim do Império afastou qualquer possibilidade de perseguição à linhagem. A certidão de óbito de Belchior é o documento mais antigo encontrado com o sobrenome Tiradentes. O curandeiro era avô do pai dos irmãos de Bom Despacho: José Maria, José Fausto, Maria do Carmo e Maria José.


O mistério do herói decapitado


Sumiço da cabeça de Tiradentes, que foi exposta na praça principal da antiga Vila Rica, até hoje intriga moradores. Muitos ainda creem que um dia vão desenterrar a relíquia

Gustavo Werneck


Francisco de Paula acredita que em seu terreno foi enterrado o crânio, do qual ouviu falar ainda menino e que não se cansa de procurar


Ouro Preto – A casa da Rua Conselheiro Quintiliano, antiga Rua das Lajes, tem 300 anos e é tão antiga quanto Vila Rica, nome primitivo da cidade que é patrimônio cultural da humanidade, título concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Ali nasceu e foi criado Francisco de Paula Mendes, de 81 anos, solteiro, o Tito, grande conhecedor das histórias e lendas de Ouro Preto. “O alicerce é todo de pedra, meu pai comprou a residência em 1902”, gaba-se Tito, contemplando ao longe, da janela da sala, a Igreja de Santa Efigênia, construída pelos escravos no século 18. Simpático ao apresentar os cômodos e o quintal, Tito vai se lembrando de seus episódios preferidos. O sumiço da cabeça de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), é um deles. “Desde pequeno, ouço dizerem que ela foi enterrada aqui. Já cavaquei o terreno todo e nunca encontrei nada”, revela o aposentado ainda com esperança de achar vestígios do herói da Inconfidência Mineira, de quem até hoje não se sabe a verdadeira face, passados 221 de sua morte.

O relógio ainda não marcava 7h, na quarta-feira, quando Tito, enxada no ombro, desceu a escada e foi ao quintal. “Tenho uma pequena horta, cultivo cebolinha, quiabo, abóbora, plantas para fazer chá... Veja os pés de goiabeira! Estou sempre mexendo na terra”, afirma o ex-empregado do setor de mineração e da prefeitura. Mais uma vez, como ocorre há décadas, o homem de porte franzino capina e remexe o terreiro. Mais uma vez, nenhum osso surgiu. Só raízes e tocos. “Minha porta vive cheia de visitantes, não é de hoje que os cicerones (guias) tocam a campainha como se este lugar fosse turístico. Há muitos casos envolvendo Tiradentes. Dizem que a cabeça teria sido colocada numa caixa de couro e enterrada. Ouro Preto é uma cidade cheia de lendas”, revela, com um sorriso enigmático.

O mistério do desaparecimento ou roubo da cabeça de Tiradentes é um lado curioso, e jamais desvendado, da Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira, que completa 224 anos. O dia de hoje, com solenidades em Ouro Preto e entrega de medalhas a personalidades, reverencia a memória de Tiradentes, enforcado na manhã de 21 de abril de 1792, no Largo da Lampadosa, no Rio de Janeiro. Logo em seguida, por ordem da rainha dona Maria I, o corpo do mártir foi esquartejado, salgado e as partes espalhadas ao longo do Caminho Novo, que ligava o Rio a Vila Rica, onde o herói tinha feito “as infames práticas ou pregações pela independência”. A cabeça teria que ser levada a Vila Rica e exposta para desenconrajar novos aventureiros.

Autor do livro A Inconfidência Mineira: uma síntese factual, e integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Márcio Jardim explica que não há qualquer prova sobre a localização da cabeça de Joaquim José da Silva Xavier. “O corpo foi dividido em quatro partes: o tronco em duas, e as pernas. A ordem era que a cabeça ficasse fincada no alto de um poste, no centro da praça principal de Vila Rica, até que o tempo a consumisse.” Há registro de que a cabeça ainda estava no local, sob o olhar público, quando houve uma “cerimônia de regozijo” pelo fracasso do movimento inconfidente, na sala da Câmara – na época, os vereadores ocupavam uma sala no segundo andar do prédio, ainda em construção, do atual Museu da Inconfidência.

“Não se sabe ao certo quanto tempo a cabeça teria ficado no lugar”, explica o historiador, que dá algumas pistas. “Naqueles tempos, deixar um cadáver insepulto era uma calamidade, algo contra a humanidade. Havia muitos padres em Vila Rica e pode ser que eles tenham sepultado a cabeça do mártir. Outra possibilidade é que algum piedoso tenha retirado a cabeça de Tiradentes, então da irmandade da Santa Casa de Misericórdia. Mas não há nada de certo sobre isso”, destaca Jardim.


A velha feição da praça central



Quem vê hoje a Praça Tiradentes pulsando no coração barroco de Ouro Preto nem imagina o seu formato nos tempos da Conjuração Mineira. O diretor do Museu da Inconfidência, Rui Mourão, revela que o espaço, antes conhecido como Praça da Cadeia, era metade do que existe hoje, portanto, o monumento inaugurado em 21 de abril de 1892, centenário da execução de Tiradentes, não seria o ponto certo onde ficara pendurada, numa gaiola, a cabeça do mártir. Mesmo assim, há placa afixada no granito: “Aqui em poste de ignomínia esteve exposta sua cabeça”.

Mourão esclarece que as ruas Cláudio Manoel (antiga Ouvidor) e Conde de Babadela (Direita) não estavam abertas. Dessa forma, a praça parava ali. É possível que a estaca tenha ficado uns 20 metros acima do monumento contemporâneo, em direção ao Palácio dos Governadores, uma construção bem menor do que a atual. Havia ainda o pelourinho, a Igreja de Santa Quitéria e a Santa Casa, ambas demolidas, além de moradias, destacamento da polícia e a cadeia. “A Câmara tinha apenas o lado esquerdo pronto, sendo edificada pelo governador da Capitania de Minas (de 1783 a 1788), Luís da Cunha Menezes”, diz Mourão. Um desenho que teria sido elaborado em 1780, nove anos antes da Inconfidência, contido no livro Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial, de Nestor Goulart Reis, mostra o aspecto da praça nos primórdios.

 O certo mesmo é que, caminhando por Ouro Preto, alguém sempre aponta um lugar onde estaria a cabeça do líder da conjuração. Afinal, muitos livros registram o episódio, alguns à luz do espiritismo, e gerações não se cansam de discutir o assunto. “É uma história recheada de mistérios, é melhor deixar como está”, pondera a escritora Angela Leite Xavier, autora da obra Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto. Mas, refletindo um pouco mais, Angela acredita que, se o crânio fosse encontrado, Tiradentes ganharia finalmente um rosto, como ocorreu com o conjurado José Resende Costa, que viveu na Região do Campos das Vertentes e morreu, aos 70 anos, em 1798, no degredo, na Guiné-Bissau, na África. Há dois anos, foi divulgada a reconstituição facial do herói. Para isso, desde 1993 a equipe do professor Eduardo Daruge, da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), esteve envolvida com pesquisas e minucioso trabalho sobre os restos mortais.

No livro de Angela, um capítulo contempla o caso que intriga moradores e visitantes. Com ilustração do artista plástico e restaurador José Efigênio Pinto Coelho (três encapuzados sob a estaca com a cabeça), o texto conta que um homem comprou uma casa nas Lajes, “guiado por suspeitas de que a cabeça do herói estaria enterrada ali”. Vasculhou cômodos, o quintal, até achar uma estrutura de pedra identificada como altar maçônico, devido aos desenhos. “As buscas continuaram, mas, de concreto mesmo, só foram localizados cachimbos de barro de escravos, moedas antigas e objetos de ferro.”

Inspiradas pela busca que nunca chegou ao fim, histórias ligadas à cabeça de Tiradentes se multiplicaram. Uma lenda antiga ainda pode ser ouvida na cidade. Depois da morte do herói, um frade andava à noite segurando a cabeça no Morro da Forca, com escadaria de 100 degraus, e na Cruz das Almas, onde há uma capelinha dedicada a São Miguel e Almas, atualmente com movimento intenso de veículos. Chafarizes também viraram alvo das especulações. “A vida de Tiradentes é muito romanceada. Falam até que a cabeça teria sido enterrada com o ouro dos inconfidentes”, lembra a turismóloga Angélica Gonçalves, que trabalha em um hotel. Ela já ouviu que um dos pontos onde o crânio poderia ter sido sepultado seria o chafariz do Bairro Taquaral, de 1866. Pena que o lugar esteja malcuidado, sujo, com muito mato e cacos de vidro. Apenas um filete escorre na pedra, sendo impossível provar da água.

Já nas Lajes, há outro chafariz, com jorro intenso, apontado também como forte candidato a ser o lugar secreto, pois remonta à época da Inconfidência. Alguns donos de imóveis coloniais citados como candidatos em potencial a “guardar” a cabeça nem gostam de tocar no assunto. E até se irritam. “Eles têm medo de que façam escavações no terreno e destruam a propriedade”, diz um morador de Ouro Preto.


Quem foi Tiradentes?

Até hoje não se conhece o verdadeiro rosto de Tiradentes, nascido numa fazenda à beira do Rio das Mortes, na Região do Campo das Vertentes. Veja as imagens mais conhecidas do herói


REPUBLICANO

Em 1890, um ano depois da Proclamação da República, Tiradentes ganha o seu primeiro “rosto”, pelo pintor carioca Décio Villares (1851-1931). Os traços, que se tornaram consagrados inclusive em monumentos, são de uma figura messiânica, com barba e cabelo comprido, parecido com Cristo. Coincide a imagem que aparece ao alto das páginas desta reportagem.





Monumento à crueldade

Em Conselheiro Lafaiete, na estrada para Ouro Branco,fica o sítio histórico Gameleira da Varginha, local onde, conforme a placa, ficou exposto o quarto inferior direito de Tiradentes. No local há um monumento erguido em 21 de abril de 1989, em reverência ao bicentenário da Inconfidência Mineira.  “É a primeira vez que paro aqui. Tiradentes é um ícone nacional e merece todas as honras, pelos seus ideais de liberdade”, comenta o comerciante Júlio César de Paula (foto), de 45 anos, residente em Conselheiro Lafaiete.


Lenda ou chave do enigma?


 Escritos encontrados em casarão em Pitangui sustentam que a cabeça de Tiradentes foi furtada em Ouro Preto e sepultada em Quartel Geral, atiçando o imaginário da população 



Paulo Henrique Lobato
Enviado especial






Quartel Geral e Pitangui – Considerado o maior mistério da história brasileira, o sumiço da cabeça de Tiradentes também povoa a imaginação de moradores de um lugarejo de 3,5 mil habiantes, a 300 quilômetros da antiga Vila Rica. Em Quartel Geral, no Centro-Oeste de Minas, para onde fugiram a amante do alferes, dona Eugênia Joaquina da Silva, e João, o filho do casal, parte da população acredita que o crânio do mártir foi enterrado no lado Norte da lagoa que é cartão-postal do município.

A lenda caiu na boca do povo depois que um calhamaço foi encontrado, na metade do século passado, durante a reforma de um casarão colonial de Pitangui, a 100 quilômetros de Quartel Geral. Ninguém sabe onde a papelada foi parar, mas muita gente diz que o material era composto de cerca de 100 páginas, amareladas pelo tempo, com o título “Memórias de um camarista (vereador) pitanguiense sobre o povoamento dos sertões diamantíferos do Indaiá e do Abaeté”.

O material despertou a atenção de um historiador, que o comprou do dono do imóvel restaurado. As folhas estavam bastante desgastadas, o que não permitiu a leitura de todo o conteúdo. Mas algumas páginas relatavam um caso curioso: o próprio camarista e um padre de Pitangui teriam sido os responsáveis por furtar a cabeça de Tiradentes. A dupla teria planejado uma operação arriscada para conduzir o resto mortal do alferes de Vila Rica a Quartel Geral.

Todo cuidado era pouco, pois, se fossem descobertos, seriam julgados pelo crime de lesa-majestade, cuja pena era a forca. É bom lembrar que a ordem da Coroa portuguesa foi de que a colônia mantivesse a cabeça do herói exposta em uma gaiola na principal praça de Vila Rica, até que o tempo a consumisse. O objetivo era inibir novos levantes contra o reino. De acordo com o calhamaço encontrado em Pitangui, porém, o camarista e o padre conseguiram retirar a cabeça do local, no silêncio da terceira noite, e a teriam enterrado próximo à lagoa em Quartel Geral.

“Aprendi a história ainda pequeno. A cabeça está lá, na beirada da lagoa”, aponta o advogado Sebastião Caetano de Andrade, de 64 anos. Próximo ao espelho d’água há a Praça da Matriz, onde foi erguida a Igreja do Divino Espírito Santo. O templo foi construído no terreno doado pela amante de Tiradentes, dona Eugênia. Diante da igreja, na Casa de Cultura, um cartaz escrito à mão destaca a passagem de mãe e filho pelo antigo arraial.
A lenda de que a cabeça do alferes está enterrada às margens da lagoa seduziu escritores da região. “Há um livro de crônicas de Rubens Fiúza, natural de Dores do Indaiá, que trata do assunto. A narrativa associa o suposto furto da cabeça a personagens que povoam o imaginário dos moradores do Oeste mineiro, como o capitão Inácio de Oliveira Campos, marido da matriarca Joaquina de Pompéu. Fiúza afirma que essa história seria baseada em documentos de sua família. Porém, não há vestígios desses papéis. Para mim, a ausência de fontes primárias dá à obra o caráter de ficção”, diz o historiador Licínio de Sousa e Silva Filho.

Titular da cadeira do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG) cujo patrono é o alferes, Adalberto Guimarães Menezes, um tenente-coronel da reserva do Exército, acha graça nas lendas sobre a cabeça do mártir. Natural de Luz, cidade próxima a Quartel Geral e a Bom Despacho, ele faz questão de dizer que, “até hoje, não há nada sobre a localização do resto mortal que mereça crédito”.

Seu colega de entidade, o presidente benemérito do IHGMG, Herbert Sardinha, destaca que o assunto já foi discutido a fundo: “Tenho duas ceretezas. Primeira: a cabeça não foi retirada (da Praça Santa Quitéria) por apenas uma pessoa. Segunda: o sumiço da cabeça é o maior mistério da história brasileira”.

O segundo sumiço da relíquia

Pode soar estranho, mas a cabeça de Tiradentes foi furtada duas vezes. E os autores da última ação são conhecidos e estão vivos. Trata-se dos artistas plásticos José Efigênio Pinto Coelho e Gelcio Fortes. O “crime” deles foi cometido em 1992, na madrugada anterior à cerimônia de 200 anos da morte do mártir. Para celebrar a data, o governo de Minas encomendou uma réplica da cabeça do herói. Pesava 30 quilos e, tal qual a original, foi colocada em uma gaiola sobre um grande mastro.

A cerimônia havia saído como o planejado, com as homenagens ao herói. Por volta das 5h, porém, quando a praça estava vazia, Efiênio e Gelcio, que haviam passado a madrugada rodando bares da cidade, se depararam com a réplica. “Então, eu disse ao Gelcio que, conforme a história, a cabeça não poderia amanhecer na gaiola. Retiramos a réplica de lá e a enterramos no meu quintal”, conta Efigênio.

A audácia da dupla foi descoberta poucas horas depois, pois uma testemunha flagrou a ação e acionou a PM. “Acordei com a polícia em minha casa. Fomos levados para a delegacia com a prova do crime. Recebemos voz de prisão e a notícia se espalhou pela cidade. Muita gente foi à delegacia, mas para nos apoiar. Houve quem dissesse ao delegado que nosso ‘crime’ fazia parte (da cerimônia)”, recorda Efigênio. Diante do clamor, os artistas plásticos foram liberados. E viraram heróis no município. 

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