quarta-feira, 22 de maio de 2013

Colóquio na USP discute artistas 'malditos' e Folha aponta ovelhas negras da cultura

folha de são paulo

CASSIANO ELEK MACHADO
DE SÃO PAULO

Em 1884 apareceram sorrateiramente em algumas bancas de livros de Paris uns livrinhos beges com a expressão "Poetas Malditos" escrita em vermelho na capa.
Seu autor, o poeta e ensaísta francês Paul Verlaine (1844-96), reunia nele pequenos ensaios e poemas de três escritores conterrâneos: Arthur Rimbaud, Stéphane Mallarmé e Tristan Corbière.
Mais do que uma coletânea de escritores quase obscuros à época, Verlaine cunhava ali um termo que não só entraria para o cânone literário como seria debatido em universidades, mesmo mais de 120 anos mais tarde.
Bom exemplo é o colóquio "Malditos nos Trópicos", que reúne hoje e amanhã na Universidade de São Paulo 13 destacados pesquisadores brasileiros, franceses e italianos para esmiuçar o que é a maldição literária.

Meu Maldito Favorito

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Divulgação
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Nelson Rodrigues (1912-1980): Embora reconhecido pela consistência de sua obra, o autor de “Vestido de Noiva”, nos últimos anos de vida, foi colocado de lado por causa de sua posição política de direita e “teve dificuldade para encenar”, opina Zé Celso. Pelo teor sexual dos textos, também foi atingido pela censura
Concebido pelos professores Eliane Robert Moraes (USP) e Camille Dumoulié (Universidade de Nanterre), o evento tratará de uma ampla gama de "malditos". Estarão em debate figuras distantes como o poeta baiano do século 17 Gregório de Matos (o "Boca do Inferno") e o rapper paulistano Sabotage, assassinado há dez anos.
E o que são os "malditos"? "São os artistas que dão as costas à sociedade", explica Robert Moraes, que associa a estas "ovelhas negras" traços comuns como "a exaltação do mal", a "sexualidade fora dos padrões" e a proximidade com o universo do crime.
"O grande doente, o grande criminoso, o grande maldito", chegou a definir o maldito Arthur Rimbaud (1854-91), que encerrou sua brilhante e curta carreira poética e foi traficar armas na África.
O professor italiano Ettore Finazzi-Agrò explica que figuras como Rimbaud e Verlaine são incontornáveis nesta discussão, mas a "maldição" é bem mais ampla.
"A definição de 'maudits' se refere a uma época e a autores bem definidos, como Rimbaud e Mallarmé, mas é evidente que o adjetivo pode se abrir a outras épocas e a outros autores, incluindo tempos e espaços longínquos da França dos finais do século 19", diz Agrò, que falará no colóquio sobre o dramaturgo (e maldito) gaúcho Qorpo Santo (1829-1883).
Robert Moraes comenta que a ideia de centrar a programação em brasileiros procura examinar como malditos à la Charles Baudelaire ecoaram aqui e definir, não de maneira exaustiva, a história dos "maudits" do país.
A conferência de abertura, de João Adolfo Hansen, será a mais panorâmica. O professor da USP percorrerá um arco que vai de Gregório de Matos a Glauco Mattoso, que aos 61 anos continua ativo.
Personagens ainda menos evidentes, como o criminoso Febrônio Índio do Brasil (1895-1984), tema de Carlos Augusto Calil, ou a poeta Gilka Machado (1893-1980), objeto de Maria Lucia dal Farra, compõem esta história.
MALDITOS BRASILEIROS
Usando o mote do colóquio, a Folha ouviu dezenas de personalidades culturais para questionar quem são seus "malditos" brasileiros prediletos, em diferentes áreas de atuação.
Os amaldiçoados "eleitos" não fazem parte da programação do colóquio.
"O universo dos malditos é elástico. Assim como na França vem desde François Villon, no século 15, aqui poderíamos ter incluído vários grandes escritores, de Álvares de Azevedo e Augusto dos Anjos a Hilda Hilst e Roberto Piva", diz Robert Moraes.
MALDITOS NOS TRÓPICOS
QUANDO: 22 e 23 de maio (veja horários abaixo)
ONDE: auditório 8 do prédio das Ciências Sociais - FFLCH/USP
(av. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária, São Paulo)
QUANTO: grátis (não é preciso fazer inscrição)
QUEM VOTOU NA ENQUETE DA FOLHA
TEATRO Juliana Galdino, José Celso Martinez Corrêa, Caetano Vilela, Ivam Cabral e João Roberto Faria
CINEMA Cláudio Assis, Francisco Garcia, Caio Gullane, Cacá Diegues, Carlos Augusto Calil e Luiz Carlos Barreto
ARTES PLÁSTICAS Lorenzo Mammì, Tadeu Chiarelli, Paulo Venancio Filho, Luiz Camillo Osorio e Luisa Strina
TELEVISÃO Astrid Fontenelle, Barbara Gancia, Domingos de Oliveira, João Victor D'Alves, José de Abreu, Helio de La Peña, Marilia Gabriela, Otávio Mesquita, Vincent Villari
LITERATURA Eliane Robert Moraes, Claudio Willer, Rinaldo Gama, Idelber Avelar e João Cezar de Castro Rocha
*
Veja a programação completa do Colóquio Malditos nos Trópicos, que acontece na USP:
22 de maio
10h - Conferência - João Adolfo Hansen (USP)
"Norma e Obscenidade em Gregório de Matos, Hilda Hilst e Glauco Mattoso"
11h -
Mesa-redonda "Amor e Maldição"
Maria Lúcia Dal Farra (Universidade Federal de Sergipe)
"A Mulher Proibida: Gilka Machado"
Francesca Manzari (Universidade de d'Aix-Marseille)
"Amor Maldito Motor da Poesia: Provence e Modernidade"
Mediação: Eliane Robert Moraes (USP)
14h30
Mesa-redonda "Baudelairianas"
Jean-Paul Manganaro (Universidade de Lille 3)
"Artifícios dos Paraísos"
Álvaro Faleiros (USP)
"Bendito Baudelaire"
Vagner Camilo (USP)
"Erotismo e Política: Figurações Femininas na Transição do Romantismo ao Realismo Poético"
Mediação: Camille Dumoulié (Universidade de Paris Ouest-Nanterre)
23 de maio
10h
Annie Le Brun
"Poesia e Subversão"
11h
Mesa-redonda "Subversivos"
Carlos Augusto Calil (USP)
"Aí Vem o Febrônio!"
João Camillo Penna (UFRJ)
"O Risco do Famigerado Sabotage"
Mediação: Álvaro Faleiros (USP)
14h30
Mesa-redonda "Marginalidades"
Ettore Finazzi-Agrò ("Sapienza" Universidade de Roma)
"Corpo Mal-dito - Considerações Sobre a Obra de Qorpo-Santo"
Michel Riaudel (Universidade de Poitiers)
"Malditos vs Marginais?"
Mediação: Vagner Camilo (USP)
16h
Mesa-redonda "Visões dos Trópicos"
Camille Dumoulié (Universidade de Paris Ouest-Nanterre)
"O Tropismo Tropical dos Malditos Franceses"
Eliane Robert Moraes (FFLCH- USP)
"Francesas nos Trópicos: a Prostituta como Tópica Literária"
Mediação: Ettore Finazzi-Agrò ("Sapienza" Universidade de Roma)

"Artistas malditos não existem mais", diz curador de colóquio da USP sobre o tema


"Os artistas malditos definitivamente não existem mais", diz Camille Dumoulié.
Professor de literatura da Universidade de Nanterre, em Paris (instituição que coorganiza o evento com a USP e receberá uma segunda parte do colóquio em outubro), ele acredita que o conceito "maldito" virou "um mito que continua ativo para dar a dimensão sagrada ao artista num mundo onde não há mais o aspecto sagrado da arte".

Uma das grandes atrações do colóquio, a escritora e ensaísta francesa Annie Le Brun, 70, que faz conferência amanhã, defenderá ponto semelhante. A poeta, que participou do grupo dos surrealistas nos anos 1960, vai defender "a impossibilidade dos malditos hoje".Sua colega de organização do seminário, Eliane Robert Moraes, também relativiza o uso do termo hoje. "A noção de poeta maldito diz respeito a uma relação com a sociedade, e a do século 19 era muito estreita", diz. "Numa sociedade com os costumes relaxados, como a atual, estar à margem é outra coisa."
Responsável por falar sobre um dos "malditos" mais recentes do colóquio, o rapper Sabotage, o professor João Camillo Penna (UFRJ) defende sua escolha, que considera "provocativa". "Ele criou uma língua particular", diz. "E simboliza a nova realidade das cidades contemporâneas, dos 'enclaves fortificados' e das comunidades segregadas", diz Penna.

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