quarta-feira, 22 de maio de 2013

Fernando Henrique,Ricardo Lagos, Paul Vockler e Eduardo Suplicy - Tendências/Debates

folha de são paulo

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, RICARDO LAGOS E PAUL VOLCKER
TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma nova voz no debate sobre as drogas
Primeira proposta multilateral sobre política de drogas, relatório da OEA parte da premissa realista de que a demanda continuará a existir
Após mais de quatro décadas de guerra fracassada contra as drogas, as declarações pedindo mudanças profundas nessa estratégia aumentam a cada dia. Na América Latina, o debate engrenou. Chefes de Estado da Colômbia, Guatemala, México e Uruguai assumiram a liderança para transformar suas políticas nacionais de drogas, desencadeando forte dinâmica de mudança por toda a região e ao redor do mundo.
A discussão chegou aos Estados Unidos. Pela primeira vez, a maioria dos norte-americanos apoiam a regulação da maconha para uso adulto. Em nenhum outro lugar tal apoio é tão evidente como em Washington e Colorado, que aprovaram leis locais nesse sentido.
A mudança na opinião pública representa um desafio não apenas à lei federal dos EUA, mas também às convenções da ONU e ao regime internacional sobre drogas.
Desde 2011, a Comissão Global de Política sobre Drogas, formada a partir da mudança de paradigma apresentada pela Comissão Latino-Americana de Drogas e Democracia, tem insistido nesse caminho. Mais de 20 lideranças globais vêm expondo as consequências desastrosas de políticas repressivas.
Nosso relatório "Sobre a Guerra às Drogas" traz duas recomendações principais: substituir a criminalização do uso de drogas por uma abordagem de saúde pública e experimentar modelos de regulação legal de drogas ilícitas para reduzir o poder do crime organizado. Ao promover uma verdadeira conversa global sobre a reforma na política de drogas, nós quebramos um tabu que perdurava há mais de século.
Na semana passada, uma inesperada voz foi adicionada ao debate. O secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, apresentou ao presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia, uma resposta à demanda dos chefes de Estado americanos.
O estudo da OEA propõe quatro possíveis cenários e reflete um consenso emergente na América Latina. Felizmente, nenhum cenário insiste em manter o status quo. A maior parte dos especialistas subscreve aos três primeiros cenários --trocar a repressão por abordagens que privilegiem a segurança cidadã, experiências com diferentes formas de regular drogas ilícitas e o fortalecimento da resiliência comunitária. Obviamente, todos concordam que o quarto cenário --a ameaça da criação de narcoestados-- deve ser evitado a qualquer custo.
Na prática, o relatório é o primeiro tratado de reforma de política de drogas proposto por uma organização multilateral. Indica caminhos complementares e não excludentes. Parte da premissa realista de que a demanda por substâncias psicoativas continuará a existir e que apenas uma pequena parte dos usuários se tornará dependente.
De fato, vários países e Estados já estão descriminalizando o uso de drogas, testando a regulação da maconha e implementando programas de redução de danos incluindo o fornecimento medicinal de drogas como a heroína. Essas políticas têm gerado resultados positivos e mensuráveis, e não o agravamento do consumo.
É tempo de permitir aos governos do mundo que, de forma responsável, experimentem modelos adequados às suas necessidades locais. A liderança demonstrada pelo presidente Santos e o secretário-geral da OEA é bem-vinda. Porém, o relatório é apenas um começo --autoridades do continente devem considerar seriamente as propostas de cenários e avaliar como suas políticas nacionais podem ser melhoradas. Assim, romperão com o ciclo vicioso de violência, corrupção e prisões superlotadas e priorizarão a saúde e a segurança das pessoas.

    EDUARDO MATARAZZO SUPLICY
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Felicidade e susto na Virada Cultural
    Haddad me disse que, se já tivesse implantado a renda básica de cidadania, muito provavelmente não teriam levado minha carteira e celular
    Como muitos paulistanos, tive dificuldade de escolher entre as atrações a que gostaria de assistir no último final de semana, gratuitamente, na Virada Cultural. Fiquei contente que, por sugestão minha e de outros, o prefeito Fernando Haddad e o secretário da Cultura, Juca Ferreira, convidaram para se apresentar os Racionais.
    Eu estava lá na praça da Sé, em 2007, quando por volta das 4 horas surgiram conflitos por causa da forma com que a PM tentou conter a superlotação no apresentação do grupo. Mesmo com o apelo de Mano Brown, não houve como parar a ação violenta da polícia. O show precisou ser interrompido.
    Tendo assistido muitas vezes aos Racionais, eu tinha certeza de que eles poderiam cantar outra vez na Virada Cultural, num ambiente tranquilo, como aconteceu na praça Júlio Prestes, na tarde do último domingo, diante de uma multidão que se apertava por inúmeros quarteirões. Mano Brown falou com a sua costumeira assertividade: "Eu vim ontem à noite na Virada e vi muita covardia. Todo mundo fala da polícia, do sistema, mas vi vários manos se desrespeitando, se roubando, se saqueando. O rap precisa de caráter, não de malandragem".
    Eu tinha passado por um susto. No sábado, vindo de Ribeirão Preto, fui direto à praça Júlio Prestes para assistir aos shows de Daniela Mercury e Gal Costa. Fui em direção ao palco em que Daniela cantava. Foi difícil atravessar a multidão. A cada passo, eu era parado para tirar fotos, abraçado e beijado. Até recebi um pedido de casamento de uma bonita moça, mas eu disse que já estava comprometido. Por fim, consegui chegar à grade junto ao palco.
    Subi ao camarim, sendo recebida por Daniela, que foi supersimpática e agradeceu-me pelo pronunciamento que fiz, em abril, no qual enalteci a sua coragem e respeito pelos seres humanos. Ao dar-lhe um abraço, entretanto, notei que a minha carteira e o meu celular já não estavam comigo, que alguém os havia furtado. Ela então me levou ao palco de onde acabara de se despedir do público, superaplaudida, e fez um apelo para que devolvessem os documentos. Reforcei o pedido. Instantes depois, um rapaz os trouxe. Fiquei ainda para assistir ao formidável show de Gal Costa.
    No domingo à tarde, lá voltei para assistir aos Racionais. Estava ainda mais cheio. Muita tranquilidade, o povo cantando o rap. Ali estavam Haddad e Juca Ferreira, também para cumprimentar Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay.
    O prefeito me disse que, se já tivesse implantado a renda básica de cidadania, muito provavelmente não teriam levado a carteira e o celular. Sim, tenho a convicção de que quando todos tiverem o direito a uma renda suficiente para suprir suas necessidades vitais será muito menor a incidência de delitos dessa natureza.
    Na segunda-feira, ao registrar a ocorrência, fui informado de que houve um grande número de pessoas vítimas de pequenos furtos.
    Para a próxima Virada Cultural, será bom haver maior precaução, organização e entrosamento entre a Secretaria da Segurança e a prefeitura. Será importante que São Paulo tenha cada vez mais uma Virada tão especial pela qualidade artística como a deste final de semana.
    Em que pesem os episódios de violência, há um extraordinário mérito em se proporcionar a milhões de pessoas a possibilidade de assistir gratuitamente a mais de 900 espetáculos de tão boa qualidade.

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