sexta-feira, 10 de maio de 2013

Novo disco de Marcelo D2 lança luz sobre limites para se alterar músicas de outros

folha de são paulo

LUCAS NOBILE
MATHEUS MAGENTA
DE SÃO PAULO

Há dez anos, Marcelo D2, conhecido na época como líder do Planet Hemp, estabeleceu sua carreira solo com o disco "A Procura da Batida Perfeita", em que misturava rap com samba. Recentemente, o músico carioca teve de enfrentar outra procura, cujo desfecho não foi tão perfeito.
Em seu quinto álbum solo, "Nada Pode me Parar", D2 foi obrigado a deixar de fora músicas que havia sampleado de outros discos. Como não chegou a um acordo para a liberação com os autores das canções, precisou mudar os planos do CD, que começou a ser gravado em fevereiro de 2011.
No jargão musical, o "sample" é a técnica de usar trechos de sons previamente gravados num sampler (equipamento eletrônico), alterá-los e inseri-los em uma nova gravação.
Editoria de Arte/Folhapress
Associado à cultura do hip-hop americano desde os anos 1970, o ato de samplear tem dois caminhos: ou o artista pede liberação ao autor da música para reutilizá-la (dando crédito ao compositor) ou o faz sem autorização, prática mais comum no rap.
D2, por exemplo, optou por tentar um acordo com os sampleados para seu novo disco. Obteve êxito em alguns casos --como o tema "Abre Alas", de Ivan Lins, autor que já lhe rendera sucesso com o "sample" de "Desabafo"; e "Escravos de Jó", gravação de Dom Um Romão para composição de Milton Nascimento--, mas fracassou em outros.
Entre as negativas, o músico não recebeu autorização para usar trechos de "Mr. Tambourine Man", de Bob Dylan, em gravação vocal de Raul Seixas; de "Take Five", de Dave Brubeck; de uma música do Parliament; e de um discurso sobre o rap feito pelo apresentador Roberto Maya, no programa "Documento Especial", na TV Manchete, na década de 1980.
"É difícil fazer sample no Brasil. Fica mais fácil negociar quando o músico está vivo, é uma homenagem. Complicado é tratar com as editoras e com os herdeiros, que, em muitos casos, não entendem de música", diz D2.
Segundo o músico, em muitos casos, são cobrados valores "inviáveis" para se obter a liberação do sample.
"Os caras do Parliament pediram R$ 50 mil, quase a metade do orçamento do meu disco", completa.
Roberto Maya confirmou a negociação que envolvia sua narração e disse ter cobrado R$ 500 para liberar sua voz no disco de D2.
"Pedi a metade do meu condomínio, mas não aceitaram. Sabia que não podia cobrar muito, sei que o Brasil é uma grande quitanda, é tudo a preço de banana", disse. A reportagem não consegui ouvir D2 sobre esse valor até a conclusão desta edição.
Diferentemente de D2, muitos artistas fazem seus "samples" sem autorização prévia. No grupo estão nomes como ConeCrewDiretoria, que sampleou "I Put a Spell on You", de Nina Simone, Racionais MC's, Emicida e RZO.
Fabio Braga/Folhapress
Marcelo D2, que lança o álbum "Nada Pode Me Parar"
Marcelo D2, que lança o álbum "Nada Pode Me Parar"
"Não peço autorização, editora brasileira tem a cabeça no século passado. Deveria haver uma forma de fragmentar o lucro da nova criação de maneira menos leonina", diz Emicida.
Em alguns casos, a prática é descoberta, e os músicos têm de pagar direitos autorais, como ocorreu com a ConeCrewDiretoria, que sampleou Os Originais do Samba em "Falador Passa Mal".
Depois de lançá-la, o grupo recebeu notificação extrajudicial de Jorge Ben Jor, autor da canção, fechando um acordo de repassar a ele 30% dos direitos da execução.
Para o produtor musical BiD, o "sample" é parte da cultura hip-hop de pegar a música emprestada sem dar o crédito ao compositor.

Lei brasileira proíbe modificar obra sem autorização do autor
DE SÃO PAULOA Lei dos Direitos Autorais brasileira permite que um artista use pequenos trechos de obras de outros autores para compor uma música, por exemplo, independentemente de eles terem autorizado.
Esse tipo de uso, chamado de citação, difere do "sample" (amostra, em inglês), porque esse segundo altera o original para a nova obra.
"A lei brasileira permite o uso de pequenos trechos de uma obra, mas o artigo 24º dessa mesma lei diz que ninguém pode mudá-la sem a autorização do autor", diz José Carlos Costa Netto, advogado que preside a Associação Brasileira de Direito Autoral.
Para Hildebrando Pontes, advogado que representa o Ecad (que arrecada e distribui direitos autorais de obras sonoras) em diversas ações judiciais, o "sample" feito sem autorização pode ser considerado "genericamente" um plágio --apresentar-se como autor da obra de outra pessoa.
"A lei brasileira não define o que é um plágio, mas o que é a contrafação, ou seja, a reprodução não autorizada."
Para ele, o "sample' sem autorização do autor faz parte de uma mentalidade que vem sendo difundida no país em nome de um processo de formação cultural que é, na verdade, só uma forma de violar direitos e de não pagar o que se deve ao autor."

    HIP-HOP
    Nada Pode me Parar
    Marcelo D2
    GRAVADORA EMI Music
    QUANTO R$ 30 (em média)
    AVALIAÇÃO ****
    Depois de escutar as 15 faixas do novo disco de Marcelo D2, bate uma grande vontade de ouvir as outras que não foram lançadas por questões de direitos autorais. Porque a fase do rapper carioca parece ótima. "Nada Pode me Parar" é um título adequado: remete à autorreferência (o nome Marcelo D2 em vários versos, os bairros do Rio, o filho, os amigos...) e à experimentação quase sem limite que corre pelo álbum. O som negro das últimas décadas, de artistas nacionais ou estrangeiros, dá as caras em apropriações sampleadas ou influências não menos escancaradas. Confortável entre a virulência de um Racionais MC's e o lirismo de um Gabriel O Pensador, o hip-hop de D2 seduz até quem torce o nariz ao gênero. Ele solta agora seu melhor trabalho desde "A Procura da Batida Perfeita", de 2003. (THALES DE MENEZES)

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