sábado, 8 de junho de 2013

Gênero 'intranquilo', ensaio ganha viés mais pessoal

folha de são paulo
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHAUm gênero intranquilo, na definição do crítico português João Barrento. Ou uma ciência sem prova explícita, como escreveu o filósofo espanhol José Ortega y Gasset.
O ensaio, espécie de exercício literário da razão sem o rigor do estudo científico, nunca foi gênero de fácil definição. Mas num ponto especialistas tendem a concordar: sua evolução nas últimas décadas vem lhe angariando público mais amplo.
O sucesso de autores cult como o inglês Geoff Dyer e o americano David Foster Wallace ou o surgimento de best-sellers como o suíço Alain de Botton resultam dessas sutis transformações, que incluem a fragilização do vínculo acadêmico e o fortalecimento de um discurso mais intuitivo.
"A realidade atual se presta a esse novo ensaísmo. Como grandes questões universais se fragmentaram, com o esgotamento de temas como esquerda e direita, ateísmo e religião, o ensaísmo se espatifou em minidiscursos mais pessoais", diz o artista e escritor Nuno Ramos, expoente do gênero no Brasil.
Em "Ensaio Geral" (Globo, 2007), Ramos usa o discurso pessoal para tratar de temas como arte, música e futebol.
O jornalista e editor Paulo Roberto Pires é um entusiasta do gênero no Brasil. Desde que começou a editar a "Serrote", publicação quadrimestral de ensaios do Instituto Moreira Salles, promoveu dois concursos do gênero.
No primeiro, concorreram 186 textos, das quais 20 mereceram atenção mais detida. Venceu o professor de filosofia da Unifesp Luciano Ferreira Gatti, com o ensaio "Os Duplos de Sebald" --um sinal de que a universidade, apesar das mudanças, ainda tem forte ligação com o ensaísmo.
"O gênero passa pela academia, embora não coincida com a teoria praticada na universidade", esclarece Francisco Bosco, autor de "Alta Ajuda" (Foz) e um dos ensaístas nacionais mais elogiados hoje, ele próprio doutor em teoria literária pela UFRJ.
O segundo concurso de ensaísmo da "Serrote" está com inscrições abertas até o próximo dia 30 pelo site revista serrote.com.br e premiações de R$ 2.000 a R$ 5.000 para os três primeiros lugares.
Pires diz que o mais difícil é encontrar concorrentes que entendam de fato o formato. Na edição anterior do concurso, um dos textos inscritos era de uma mulher que descrevia sua vida sexual. Não passou da primeira triagem.
"Ensaio é um texto de não ficção curto para médio que defenda um ponto de vista não necessariamente original. É sobre o já sabido, como diz [o crítico Antonio] Candido. Percorre-se um caminho já percorrido para fazer com que o leitor veja a questão por outro ângulo", define
O editor é da opinião de que alguns dos melhores momentos do ensaio brasileiro estão intimamente ligados à academia, caso do próprio Candido e de discípulos intelectuais seus, como Roberto Schwarz e Davi Arrigucci Jr.
O formato pelo qual Geoff Dyer é hoje um dos nomes mais conhecidos, o ensaio pessoal, ainda não se disseminou no Brasil. Um exemplo foi o texto "Sobre Ser Filho Único", publicado na "Serrote" em 2011.
Integrante do livro "Working the Room", de 2010, inédito no Brasil, o ensaio parte da experiência do autor de não ter tido irmãos para imaginar como esse fator interfere na vida de uma pessoa.

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