Edição 82 > _esquina > Julho de 2013
Copa das conflagrações
Dilemas político-esportivos de um jovem comunista no Mineirão
por Nuno Manna

Terêncio de Oliveira, um comunista autodeclarado de 27 anos, havia participado das manifestações anteriores na capital mineira. Herdou o ativismo do pai, Paulo Sergio Ribeiro de Pinho, ex-candidato ao governo e à prefeitura do Rio de Janeiro pelo PCO, Partido da Causa Operária. Na adolescência, Terêncio panfletou ao lado do pai e tentou articular a juventude do PCO na capital mineira, sem grande êxito.
Quando faltavam duas horas para o início da partida, o rapaz abandonou os colegas de protesto e tomou um ônibus que faria o trajeto pela Carlos Luz até o Mineirão. Afinal, não podia desperdi-çar os ingressos comprados há mesespara os jogos da Copa das Confederações em Belo Horizonte. Terêncio é apaixonado por futebol e chegou a escrever sobre o tema para revistas especializadas.
Acomodado numa cadeira do anel superior do Mineirão, vestindo uma camiseta surrada do Pink Floyd e bermudão camuflado, o jornalista disse não ver contradição em sua atitude. Trocar o protesto nas ruas para assistir à competição promovida pela Fifa, argumentou, não significava trair a causa. “Do mesmo jeito que não adianta eu simplesmente parar de tomar Coca-Cola”, comparou.
Na Antônio Carlos, o clima era de apreensão. Nas vésperas do jogo, o prefeito Marcio Lacerda declarou que haveria “tolerância zero contra o vandalismo”. O comandante da PM mineira recomendou a quem quisesse protestar que permanecesse no ponto de concentração, no Centro – quem saísse em passeata rumo ao Mineirão se submeteria “a um risco desnecessário”.
Quatro minutos após o início da partida, as primeiras bombas de gás e balas de borracha eram lançadas contra um grupo de manifestantes que se desviara da multidão e tentara avançar sobre o perímetro da Fifa. Alguns entoavam um grito recorrente naquela tarde: “Não vai ter Copa! Não vai ter Copa!”

Os poucos cartazes que passaram pelo crivo inicial reclamavam do estado das rodovias ao Novo Código Penal. Mas não tardaram a ser flagrados pelos fiscais que circulavam de colete laranja fluorescente e olhar grave – eram 1 050 no total. Um brigadista que reforçava a segurança notou um cartaz subversivo que escapara à vigilância e o denunciou a um fiscal: “Aquele ali é de protesto, ó.” O funcionário analisou o cartaz que exaltava em espanhol o burburinho das ruas – QUE LA CALLE NO SE CALLE– e não viu motivo para confiscá-lo. “Ah, não é em português, pode deixar.”
Nos momentos de jogo parado, Terêncio de Oliveira aproveitava para criticar as demandas intransigentes da Fifa e a submissão dos governantes brasileiros. “Mas nem sempre foi essa palhaçada”, ressalvou. “Em 1998 a Fifa não fez o que quis na França. Imagina se eles fecham a Sorbonne e enchem de militares, como fizeram na UFMG?”
Sem medo dos fiscais, Terêncio arriscou puxar um impropério contra a Fifa, mas os torcedores pareciam mais preocupados com o gol de empate do Uruguai que levaria o jogo à prorrogação. À Seleção de Luiz Felipe Scolari, reservaram o apoio incondicional. Hostilidades contra o juiz ou Galvão Bueno, por outro lado, tiveram ampla adesão. No segundo tempo, eclodiu uma discussão na arquibancada e um grupo de torcedores acionou o grito que ecoou pelas ruas de Belo Horizonte durante os protestos: “Sem violência! Sem violência!”
Quando a Seleção fez seu segundo gol, no final do jogo, qualquer tensão se dissipou, e o grito de orgulho e amor pelo país voltou a reinar contundente.

Ao final da tarde, o saldo era de lojas e agências bancárias depredadas, quatro veículos incendiados e cinco pessoas gravemente feridas – o rapaz do viaduto não resistiu e foi a quinta vítima fatal da onda de protestos. Mas o Brasil estava na final.
Caminhando pelas imediações do Mineirão, a satisfação de Terêncio com o resultado vinha amalgamada de angústia.
O jovem comunista se sentiu momentaneamente realizado quando avistou por ali um homem vendendo chocolates: “Um ambulante no perímetro da Fifa”, observou, admirado. E completou com um riso agridoce: “Um herói da resistência.”
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