sábado, 6 de julho de 2013

Plebiscito é o melhor caminho para a reforma política? [tendências/debates]

folha de são paulo
BRENO ALTMAN
Plebiscito é o melhor caminho para a reforma política?
SIM
Para reinventar a democracia
Os dois argumentos principais contra o plebiscito para reforma política transitam entre o cinismo e a demofobia. O primeiro deles é que, nas ruas, poucos pediram alteração do sistema institucional --apesar do apoio de 68% dos eleitores, detectado por pesquisas como a do Datafolha, à proposta da presidente Dilma Rousseff.
O segundo alega que sobra complexidade técnica e falta tempo para que o povo se pronuncie acerca do tema antes de 2014, sugerindo que deveria ser deixado para os conciliábulos do Parlamento. Na melhor das hipóteses, depois de fechado o pacote, os eleitores seriam chamados a referendá-lo.
Ambos os raciocínios afundam na mesma areia movediça ao desconsiderarem que a cultura da qual emanam múltiplos movimentos e reivindicações é fruto da ruptura entre a vontade popular e as instituições políticas.
Quando acenou para a abertura de processo constituinte, por meio de consulta à cidadania, a chefe de Estado não se limitou a bandeiras desfraldadas nas manifestações. De forma audaciosa, exigiu a refundação política da República, calibrada pelo protagonismo direto dos cidadãos.
Mesmo que a ideia original tenha sido modificada, o plebiscito sobre reforma política é caminho que vai além de ouvir as ruas, pois a essas devolve o poder originário previsto na Constituição. Sem esse passo, qualquer outra iniciativa será parte do surrado axioma de que algo deve mudar para tudo permanecer como está.
Essa ferramenta pode liquidar o ordenamento autoritário, herança da transição conservadora à democracia. Salvo em processos eleitorais, a cidadania possui canais pobres de participação, apesar da sofisticada rede de organização da sociedade.
As atuais regras eleitorais --com financiamento empresarial, proibição de doações sindicais e voto uninominal-- facilitam a influência de grupos econômicos, diluem o confronto político-ideológico entre projetos e preservam históricas relações de clientelismo, tão preciosas ao poder de coronéis rurais e urbanos.
A interdição de contribuições empresariais e a implementação do voto em lista certamente constituiriam golpe duro contra essa faceta da ordem política. Aparte limpeza nos modos e costumes, tal reforma tenderia a transformar o voto nas eleições parlamentares em opção mais clara quanto a programas e partidos.
O avanço poderia ser maior, contudo, se houvesse decisão de ir à raiz do problema, ampliando o território da soberania popular. A possibilidade de convocar plebiscitos impositivos por iniciativa dos próprios cidadãos, por exemplo, desde que apoiada por percentual mínimo de eleitores, estenderia as fronteiras democráticas.
Apenas o Parlamento, atualmente, detém essa prerrogativa. Ainda assim, seus resultados estão sujeitos à confirmação de deputados e senadores. Se o presidente da República também pudesse convocar plebiscitos, muitas das mazelas que caracterizam as negociações entre Poderes estariam fulminadas. Decide, em última instância, a cidadania soberana.
Ares frescos seriam igualmente lufados se houvesse recurso ao voto popular para o impedimento de governantes e parlamentares. Os norte-americanos chamam isso de recall, os venezuelanos também o aplicam e tem se mostrado eficaz mecanismo de controle do eleitorado sobre seus representantes.
O fato é que a rebelião popular e juvenil iniciada em junho desnudou a putrefação e o emperramento do sistema político. As ruas lutam por mais democracia para reposicionar o Estado. O plebiscito se apresenta como passo indispensável para varrer entulhos oligárquicos.
    FLAVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH
    Plebiscito é o melhor caminho para a reforma política?
    NÃO
    A pauta que parou
    O Brasil tem uma Constituição, instrumento jurídico cuja finalidade é limitar o poder político. A Constituição é o estatuto do governo e as hipóteses de soberania popular nela previstas não podem ser usadas como pronto-socorro.
    Caso o Brasil sobreviva mais 200 anos a seus políticos, algum dia, no futuro, quando se examinar o arquivo morto correspondente à atual fase de nossa história, será encontrado o atestado de óbito de instituições que perecem por doença de lenta evolução. Metástases avançadas tomam conta dos organismos, alastrando-se impiedosamente nos Estados e municípios, empresas públicas e autarquias, entes da administração pública e na vida privada.
    A certidão será lavrada com a estampilha maldita da corrupção --a miúda e a graúda--, usada de modo constante, corriqueiro, quase casual, como instrumento de poder.
    Para lembrar apenas o conhecido episódio de Ruy, estarrecido diante da vitória das nulidades, ou o célebre sermão do padre Vieira, na conjugação do verbo rapio, tudo o que já se disse no Brasil, em todas as épocas, acerca da roubalheira despudorada, da gatunagem institucionalizada, dos sobrepreços criminosos, da malfeitoria organizada, da impune confusão entre a "res publica" e a "cosa nostra" não passa de pálida imagem de aquarela ante as tintas sombrias dos delitos que se sucedem como pragas bíblicas.
    Até poucos dias atrás, parecia que não indignavam mais ninguém. O escândalo de cada semana tornava perempto o da anterior e assim imaginávamos que seria na seguinte. Esse crime continuado tinha de parar. Há de parar. A afronta a elementares princípios éticos não pode se tornar banal. Ontem, era imperativo lutar por liberdade. Hoje, pela decência.
    Era preciso um gesto inicial de esperança, que chegasse para dar impulso a uma tarefa pedagógica de compostura e limpeza. Não veio dos políticos. Nem da universidade. Veio de onde menos se esperava, do povo, consciente de que já não lhe bastam pão e circo. O povo, por enquanto, pode não saber bem o que quer, mas bem sabe o que não quer.
    Faz pouco mais de uma semana, poderia ter sido consultado o Conselho da República, medida prevista nos artigos 89 e 90 da Constituição Federal. Porém, a presidente optou por outra saída. Agora é tarde.
    As fórmulas mágicas, as alquimias políticas, meros placebos institucionais, nada resolvem, só agravam e prolongam a doença. Refiro-me à constituinte exclusiva e aos plebiscitos com alguma autoridade e nenhum ressentimento. Em 1985, na transição do regime militar para a democracia, foram minhas ambas as propostas. No Congresso Nacional, fiquei vencido. Entretanto, tive o apoio da sociedade civil e da Ordem dos Advogados do Brasil.
    Agora, a ideia velhaca da constituinte foi abortada em 24 horas. O povo sabe que o Congresso é poder constituído e não constituinte. Outrora, o povo saiu às ruas por falta de uma Constituição. Hoje, não.
    Os pronunciamentos populares, sejam plebiscitos ou referendos, já foram matrizes de algumas ditaduras e ajudaram a sepultar outras. Estão sempre na ambiguidade da transição, ponto de partida ou ocaso de um regime de exceção. A história ensina que a confusão entre democracia e democratismo geralmente termina mal. Os governos desapetrechados costumam perder a estabilidade quando atiram no próprio pé.
    Espera-se dos intelectuais clareza nas ideias. Dos políticos, na ação. Aos sociólogos, cabe dar explicações, interpretar os fatos. Aos políticos, cabe apontar caminhos. Senão, o povo escolherá o seu trajeto. Não vai combinar com a polícia e vai passar por cima da hipocrisia dos que ostentam o monopólio da virtude.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário