sábado, 6 de julho de 2013

Público aplaude de pé poemas de Pessoa por Bethânia e dona Cleo

folha de são paulo - FLIP2013
Autora encanta festa com 'fazcarigundum'
Em debate ontem sobre Nabokov, tema de seu livro elogiado, franco-iraniana Lila Azam ganha plateia em Paraty
Musa do evento, ela falou sobre a influência do autor de 'Lolita' e cantarolou música de Adoniran Barbosa
RODRIGO LEVINOENVIADO ESPECIAL A PARATYA franco-iraniana Lila Azam Zanganeh, 36, foi consagrada em Paraty como a musa desta Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).
Ontem, pouco antes de subir ao palco principal e depois de alguns meses estudando português via Skype com um professor brasileiro, a escritora, que fala seis idiomas, temia não ter vocabulário suficiente para levar adiante a discussão com o ensaísta carioca Francisco Bosco, com quem dividiria a mesa "O Prazer do Texto".
Estimulada por colegas -e pelo namorado brasileiro-, pôs o tanto que já dominava à prova. E, no primeiro pedido de desculpas pela pronúncia (cheia de charme e sotaque francês), ganhou a plateia da Tenda dos Autores.
SONHO
Lila é autora de "O Encantador: Nabokov e a Felicidade", um ensaio sobre a busca pela felicidade na obra do autor de "Lolita". Ela disse ter sonhado várias vezes com o próprio durante a feitura do seu livro. Um dos trechos da obra, aliás, traz uma entrevista fictícia com Vladimir Nabokov feita por Lila, no final dos anos 1970. Na verdade, ela tinha apenas dez meses de idade quando o escritor morreu.
"Nos meus sonhos, ele tinha muitas ideias erradas e o pior: não gostava de escritoras e tradutoras de suas obras", disse.
Segundo ela, um teste de fogo foi ter lido em voz alta trechos do livro para Dmitri, filho de Nabokov, que estava doente à época.
"Inicialmente ele ficou bravo, perguntando por que eu havia inventado aquelas coisas que estavam no livro, mas depois me ajudou na pesquisa sobre o pai."
A autora explicou como a personalidade do escritor russo-americano (1899-1977), que enfrentou uma série de tragédias pessoais e encontrou, nos exílios, novos prazeres da vida, a inspirou na busca pela felicidade em seu texto.
Um dos pontos altos da mesa se deu quando Francisco Bosco falava da força da expressão verbal na música quando perde o contato com a realidade e tende à explosão, como as onomatopeias de "País Tropical", do cantor Jorge Ben Jor.
"É como em 'Trem das Onze'", interveio Lila, que continuou, dessa vez cantarolando: "Que tem aquele 'fazcarigundum, fazcarigundum, fazcarigundum'".
A plateia veio abaixo em sorrisos e aplausos.
    Coutinho diz que só se vê filme nacional 'por acaso'
    Cineasta relança tiragem limitada em que critica filme de Bergman e nouvelle vague
    MARCO AURÉLIO CANÔNICOENVIADO ESPECIAL A PARATY"Eu nunca tenho nada a dizer, amanhã vai ser um problema." A reclamação do cineasta Eduardo Coutinho, 80, na entrevista coletiva ontem, em Paraty, poderia ser mau presságio para a mesa de que participa hoje na Flip.
    Mas basta a primeira pergunta para Coutinho mostrar que tem muito a dizer sobre cinema e o gênero de sua preferência, o documentário.
    "Não me levo muito a sério, isso é essencial. Como eu fiquei relativamente conhecido com 50 anos, levo isso tudo com muita ironia. Eu sou o melhor cineasta de mim mesmo, do meu quarteirão", disse o diretor de "Cabra Marcado para Morrer" (1984) e "Edifício Master" (2002).
    Coutinho disse lidar com a crítica a seus filmes "de modo contraditório". "Quando a crítica é burra, eu nem ligo. Tem coisas que falam bem de um filme meu e eu acho que me enganei, porque, para certas pessoas estarem elogiando, só pode ter sido erro meu. E há outras que indicam novas leituras possíveis, coisas que eu não tinha pensado."
    A presença do cineasta na Flip será celebrada também com uma tiragem limitada do livro "O Olhar no Documentário", que reúne o ensaio que dá título a obra, em que Coutinho analisa sua profissão, e depoimentos de Ferreira Gullar, João Moreira Salles e Eduardo Escorel.
    A parte mais rara do livro é a que inclui críticas cinematográficas que o próprio Coutinho assinou para o "Jornal do Brasil", entre 1973 e 1974.
    Nelas, diz ter falado mal de "O Sétimo Selo", "o pior filme do Bergman, com uma simbologia que pesa toneladas" e atacado duramente a nouvelle vague francesa.
    "Não gosto do surrealismo no cinema, acho que não dá certo. E odeio a vanguarda francesa. Os dois filmes que o [Luis] Buñuel fez com o [Salvador] Dalí, Um Cão Andaluz' e A Idade do Ouro', valem mais do que toda a vanguarda francesa junta, pode pegar e jogar no lixo."
    Com um humor ranzinza, Coutinho falou sobre a falta de audiência do cinema nacional, em que "o público só vê filme brasileiro por acaso". "Estava entrando no cinema para ver um filme nacional e o porteiro me falou: Olha, o filme é brasileiro, hein'",
      Público aplaude de pé poemas de Pessoa por Bethânia e dona Cleo
      Recital dedicado ao português foi um dos pontos altos da Flip
      MARCO RODRIGO ALMEIDAENVIADO ESPECIAL A PARATYA noite de ontem tem tudo para ser lembrada como um dos maiores momentos da história da Flip. A cantora Maria Bethânia e a professora Cleonice Berardinelli fizeram uma homenagem comovente ao português Fernando Pessoa. Foram aplaudidas de pé diversas vezes.
      A palestra foi a primeira a ter os ingressos esgotados nesta Flip.
      Aos 96 anos, Cleonice, ou dona Cléo, como a chama Bethânia, encantou o público com seu humor e disposição.
      A primeira parte da apresentação foi dedicada à leitura ininterrupta, por mais de uma hora, de poemas.
      Dona Cléo, imortal da Academia Brasileira de Letras e especialista em Pessoa, fez um roteiro que abarcou toda a obra do poeta. Começou com "Dois Excertos de Ode", do heterônimo Álvaro de Campos.
      A partir daí elas se alternaram em poemas como "Abdicação", "O Infante" e "Natal".
      Arrancaram ainda mais aplausos a cada vez que recitavam juntas, como em "Todas as Cartas de Amor São Ridículas", em que cabia a dona Cleo todos os "ridículos" ao longo do poema.
      Depois, dona Cleo deitou e rolou com perguntas do público, como "qual seu heterônimo preferido?" ("É como perguntar a uma mãe de que filho ela gosta mais").
      Bethania disse que quer gravar com a amiga um CD recitando Pessoa, ao que dona Cleo complementou: "Responder a isso é mais fácil que as perguntas que vocês me fazem: claro que quero!".
        FLIPETAS
        AQUARELA BRASILEIRA
        A americana Lydia Davis fez um passeio de barco na manhã de ontem, acompanhada do marido. Nadou no mar, alimentou macacos e disse ter se sentido "num paraíso tropical". Sobre Paraty, disse ainda estar "aprendendo a andar nas ruas de pedra", mas elogiou a população e a comida --seu prato preferido foi uma moqueca de banana-da-terra.
        SOM, SOM
        Maria Bethânia inovou na Flip: resolveu passar o som antes de sua mesa ontem, recitando versos de Fernando Pessoa. "Muito ruim. O som tá abafadinho." Reclamou também da luz e do ar refrigerado. "E ainda nem testaram o microfone de dona Cleo! [Cleonice Berardinelli]", disse.
        700
        é o número estimado de participantes da manifestação que atravessará hoje Paraty. O cálculo foi feito ontem por 20 integrantes em reunião de duas horas. A ideia é que eles ocupem por 20 minutos a ponte que dá acesso à Tenda dos Autores --justamente o que preocupa a organização do evento.

        NA INTERNET
        Outros destaques
        A COZINHA VENENOSA
        Silvia Bittencourt dá aula' sobre o Münchener Post', pequeno jornal que fez vigorosa oposição a Adolf Hitler durante dez anos.
        folha.com/no1306723
        ENGAJADO
        Biógrafo de Graciliano Ramos afirma que escritor, filiado ao Partido Comunista, apoiaria os protestos no Brasil.
        folha.com/no1306768
        AFINIDADES
        Ensaísta Roberto Calasso diz que Kafka e Baudelaire têm em comum a habilidade de envolver seus leitores.
        folha.com/no1307074
        LOBÃO
        Na programação paralela, Roqueiro volta ao ataque e classifica projeto de lei que prevê controle do Ecad de golpe'.
        folha.com/no1307287

        ANDRÉ BARCINSKI

        Festa literária e política de Paraty
        Você pode sair de um debate sobre Baudelaire e dar de cara com palhaços lendo histórias infantis
        Veteranos da Flip sentem no ar estranhas vibrações. Se, em anos anteriores, a literatura foi o tema dominante do evento --afinal, trata-se de uma festa literária, certo?--, neste ano, as discussões políticas dão o tom.
        O efeito das manifestações populares que tomam conta do Brasil é sentido em muitas mesas e debates. Gilberto Gil reclamou do público "esbranquiçado" que dominou as arquibancadas do Maracanã na final da Copa das Confederações; Dênis de Moraes, biógrafo de Graciliano Ramos, disse que o velho Graça, se vivo fosse, certamente estaria apoiando os protestos. Na quinta-feira à noite, a mesa "Narrar a Rua", que por vezes teve um clima mais de palanque que de conversa, foi muito aplaudida pelo público.
        Em meio ao tiroteio de opiniões e frases de efeito, um debate sobre o prazer do texto sob a ótica de Nabokov e Barthes, com a franco-iraniana Lila Azam Zanganeh e o ensaísta brasileiro Francisco Bosco, trouxe um pouco de leveza à festa.
        A verdade é que a Flip é uma alegre bagunça. Você pode sair de um debate denso sobre Baudelaire e Kafka com Roberto Calasso e dar de cara com um grupo de palhaços lendo histórias infantis, ou ver uma multidão se espremendo em frente à Casa Folha para ouvir o Pondé falando sobre Kant e Nietzsche.
        Nos cafés e restaurantes, um assunto dominava as conversas: a manifestação marcada para a manhã de hoje, que sairá do cais de Paraty e percorrerá a cidade. A concentração está marcada para as 9h, e a saída, para as 13h. Se as ruas de pedra já ficam intransitáveis nesses dias de Flip, como estarão hoje?
        O que acontecerá quando manifestantes, carregando cartazes contra o preço dos ônibus, os gastos da Copa e a "cura gay", encontrarem os pequenos fãs de Adriana Calcanhotto assistindo a seu show infantil na praça da Matriz? A conferir.

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