quinta-feira, 4 de julho de 2013

Poetas discutem o cotidiano na escrita

folha de são paulo
FLIP 2013
Alice Sant'Anna, Bruna Beber e Ana Martins Marques participam de mesa mediada por Noemi Jaffe em Paraty
Com motivações pessoais diferentes para escrever, elas não querem que sua poesia seja vista como solene
FRANCESCA ANGIOLILLOEDITORA-ADJUNTA DA "ILUSTRÍSSIMA"
Alice, 25, trabalha numa revista, Bruna, 29, numa editora, Ana, 35, é redatora e revisora num órgão público. Alice nasceu no Rio, Bruna, em Duque de Caxias (mas mora em São Paulo), e Ana, em Belo Horizonte.
Alice Sant'Anna, Bruna Beber e Ana Martins Marques são poetas e fazem hoje na Flip a mesa "O Dia a Dia Debaixo d'Água", mediadas por Noemi Jaffe, crítica literária e escritora.
Os deslizes entre os fatos e as possibilidades são, para Jaffe, um tema possível para a conversa --que versará sobre o cotidiano na escrita e que teve uma prévia num "chat" de Facebook, maneira encontrada para reunir o trio, que só em Paraty terá seu primeiro encontro real.
Para as três autoras, o ofício surgiu de maneira natural --Bruna e Ana escrevem versos desde a infância, e Alice, que ensaiava entrar na escrita pelos contos, passou a se dedicar à poesia após topar, na escola, com um poema de Ana Cristina Cesar (1952-1983). Suas motivações para fazê-lo, porém, são diferentes e revelam, de certa forma, traços da poesia de cada uma.
"Acho que a poesia ficou sendo meu jeito de prestar atenção nas coisas", diz Ana. "A Sophia de Mello Breyner Andresen [Portugal, 1919-2004] fala alguma coisa assim: escrever poesia é fazer um círculo em volta de uma coisa", arrisca a mineira, cuja poesia tem, de fato, um caráter muitas vezes interrogativo.
Para Bruna, a resposta é mais sucinta. "Escrevo poesia porque gosto de escrever poesia e gosto de poesia."
Já Alice, brincalhona, resume: "Comecei a escrever, para valer, porque era muito ruim em educação física".
Enquanto para Alice o cotidiano é a fonte incontornável de toda poesia ("Não sei de uma poesia em que isso não apareça"), Bruna diz que "nem sempre se escreve sobre o habitual, o corriqueiro".
"Se colocarmos nesses termos, não existiria invenção. Acho que o tema da mesa trata disso, do que está próximo e é rotineiro."
"Talvez seja mesmo uma das características frequentes da poesia tratar dos grandes temas a partir do singular, dos objetos cotidianos, do pequeno", diz Ana. "De qualquer modo, isso diz respeito a um plano temático, e nesse aspecto não há tantas questões assim a serem tratadas. O que importa é o como."
SEM ROTINA
Se o cotidiano conforma a poesia das três, o contrário, contudo, nem sempre se dá. Nenhuma delas diz escrever com rotina de escritório.
Bruna diz que gosta de "sentar para escrever, como é mais saboroso fumar um cigarro sem fazer outra coisa ao mesmo tempo"; Ana se angustia quando passa muito tempo sem produzir, temendo que não seja "capaz de escrever alguma coisa de novo"; e Alice se preocupa bem menos: "O último poema escrevi há três meses", calcula.
De modo geral, porém, é de leveza a relação que as poetas têm no dia a dia com o ofício que abracaram no paralelo de seu ganha-pão ("Não dá para escrever poeta como profissão em ficha de hotel", diz Ana, "vão pensar que você não tem dinheiro para pagar").
E nenhuma delas quer, nem de longe, que sua poesia seja vista como algo "solene" --mesmo se dificilmente poderia, seja o tema o amor ou a decepção de calçar sandálias num dia de chuva. "Aliás, que palavra, solene, parece nome de creme de cabelo vagabundo", ironiza Bruna.

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