quinta-feira, 4 de julho de 2013

O essencial está fora - Janio de Freitas

folha de são paulo
O essencial está fora
Sem o fim do arrastão, das doações empresariais e do fundo partidário não haverá reforma política
Se for para elevar o padrão político em geral, a moralidade do Congresso e combater a corrupção, três medidas são indispensáveis. Sem elas, pode haver remendo em um outro ponto, mas não haverá reforma política. Mas nenhum dos três está nas discussões.
FIM DO ARRASTÃO - É preciso que só se tornem deputados os que recebam votos para tanto. A legitimidade da Câmara depende dessa obviedade eleitoral. O sistema vigente faz a alta quantidade de votos de um candidato completar a votação insuficiente de outros, e torná-los deputados. É, portanto, um arrastão às avessas, em favor de quem perdeu.
Já houve deputada com 200 votos, entre os puxados pelo exótico recordista Enéas. A cada legislatura, a Câmara recebe um contingente desses deputados não eleitos. A deformação eleitoral é ainda agravada pelas coligações partidárias. Partidos miúdos, tantos deles formados como vias para o enriquecimento fácil, fazem deputados ao aproveitarem a votação nos partidos maiores a que se coligam.
Ao arrastão devem-se, além da ilegitimidade da representação parlamentar, outros três efeitos devastadores. Um, o baixíssimo nível mental (nem se pode dizer nível intelectual ou cultural) preponderante na Câmara.
Outro, a falta de sentido de uma Câmara tão grande, com seus 513 integrantes a um custo imoralmente gigantesco. E ainda o altíssimo nível da corrupção no ambiente, desde a corrupção implícita no "é dando que se recebe" com o governo à corrupção pelos negócios com projetos e votos.
Acabar com os suplentes de senador, como convém fazer, e manter a posse de não eleitos é contraditório. Mas o arrastão não está sozinho nas responsabilidades negativas.
FIM DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS - Uma das grandes fontes de corrupção, seja política ou administrativa, é o sistema de doações em nome de empresas para as campanhas eleitorais. Sua finalidade mais comum é a compra mesmo. Na melhor hipótese, como um seguro contra más eventualidades. Como regra, para ter um intermediário, um agente nos governos, no Legislativo e, nada raro, também no Judiciário.
A doação empresarial é usada para encobrir identidades e, com isso, dificultar possíveis comprometimentos e responsabilizações legais de doadores-compradores. O financiamento das campanhas, no entanto, precisa ser claro e objeto de fiscalização rigorosa em mão dupla: da Justiça Eleitoral, na contabilidade do candidato ou partido, e da Receita Federal na parte doadora.
Toda obscuridade eleitoral deslegitima o processo democrático e amplia a corrupção.
FIM DO FUNDO PARTIDÁRIO e alguns outros - Na democracia, os partidos têm de viver por seus próprios meios --mensalidades, eventos, edições, doações até um total determinado. Dinheiro público na sustentação dos partidos é uma forma de autoritarismo: impõe a contribuição dos cidadãos, ainda que indireta, para a propagação de ideias e propósitos que não são os seus. Ou até contrários aos seus.
As coligações para absorção de um tempinho a mais na propaganda eleitoral dita gratuita, em TV e rádio, resultam em corrupção maior a cada eleição. Tornaram-se comuns as coligações para que dirigentes de partidos pequenos vendam o tempo de propaganda que caberia à sua sigla.
Junte-se esse negócio ao dinheiro do fundo partidário, e aí está a razão de ser de muitos dos partidos miúdos, como também da pretendida formação de outros (mais 30, a somar-se ao outro tanto já existente). Dinheiro fácil, tomado aos contribuintes em geral, para os bolsos de grupelhos profissionais em degeneração eleitoral.
Reforma política que não contribui para a moralização e a representação legítima não é reforma. Com sorte, não é apenas embuste.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário