quinta-feira, 4 de julho de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo
JUNIA NOGUEIRA DE SÁ
O recado das ru@s
Boa parte do combustível que incendiou os indignados surgiu das manchetes da mídia tradicional, mas ela é hostilizada nas ruas
As manifestações dos últimos dias escancaram uma crise de representatividade e tocam no nervo exposto da mídia tradicional: seu papel (sem trocadilhos) no mundo invadido por redes sociais e blogs.
Emprestando o conceito de democracia direta, o que vemos é a ampliação --até limites ainda indefinidos-- de um fenômeno que poderia se chamar mídia direta.
Num esforço de reportagem proporcional aos fatos, esta Folha tem mantido dezenas de jornalistas em campo. Já os "conectados" da mídia direta são milhares, estão em todos os cantos, têm acesso a tudo e se sentem não apenas na obrigação, mas no direito de serem atores e testemunhas da história --além de guardiões da verdade. Eis o problema.
Que o universo digital produza essa sensação libertadora é positivo. Que a tecnologia lhe permita multiplicar ao infinito opiniões, contribuições e denúncias é positivo. Que a mídia direta crie uma maneira colaborativa de a sociedade se informar é positivo. Mas a ideia de que é apenas na internet "off mídia" que os fatos são relatados sem manipulação e sem compromissos com aqueles que --para usar um bordão das ruas-- "não me representam" é desastrosa.
Na crise de representatividade, tudo é posto em xeque. Como instituição, a mídia é questionada como os partidos, o governo, o pastor Feliciano, a Copa e por aí vai. Nas ruas ou no universo digital, não poucas vezes ela tem sido até hostilizada.
Ocorre que boa parte do combustível que incendiou os indignados surgiu exatamente da mídia e de sua vigilância sobre desmandos, desvios e desvãos transformada em reportagens e manchetes. Que, aliás, são frequentemente postadas, curtidas e compartilhadas nas redes sociais.
Um assombroso paradoxo: a mídia direta se nutre da mídia tradicional, aquela com mandato legítimo para apurar e editar, mas cospe no prato em que come.
Isso acontece porque o sujeito das ruas compara o poder da mídia --o tal quarto poder-- com o seu e sai para a revanche quando edita a si mesmo na mídia direta.
O recado é claro: a vigilância da mídia é menos rigorosa do que ele quer. Os assuntos da sua vida não estão na pauta --que, de resto, estava desfocada. Basta dizer que, tanto quanto os palácios, os governantes e os marqueteiros, a mídia não foi capaz de pressentir aquilo que agora noticia.
Para o sujeito das ruas, essa mídia "não me representa".
Para reverter esse cenário, a mídia tradicional precisa enfrentar seus temores diante do fenômeno da mídia direta --na qual o cidadão fala, grita, critica e elogia sem intermediários. Mais: precisa se alimentar dela.
Um bom exemplo: na mais tensa edição de sua história, na noite de 20 de junho, quando o país parecia pegar fogo, o "Jornal Nacional" foi ao ar não ao vivo, mas on-line, com um olho na câmera e outro nas redes sociais, monitorando o pulso do país por meio delas. Sintomaticamente, mudou o tom da cobertura.
É simples assim. O cidadão exige participar de todos os processos que afetam sua vida. E não precisa nem plebiscito para entender o que ele demanda: basta olhar uma "timeline". Está tudo ali.
No país que não quer mais ser passado para trás, mas quer se passar a limpo, a mídia tem a chance de se aproximar do Brasil.
ROBERTO LIVIANU
A aguçada percepção do Congresso
Promotores não são máquinas de acusar nem hesitam em pedir absolvições necessárias. Impedir o Ministério Público de investigar crimes seria um erro
Soa preconceituoso e autoritário afirmar que a voz da rua contra a PEC 37 foi mugido de procissão, como fez Luiz Fernando Pacheco há alguns dias, nesta seção. O autor parte de equívocos e afirmações carregadas de maledicências generalistas e gratuitas.
Os caras-pintadas voltaram para reivindicar pautas como a revogação do aumento da tarifa de ônibus e a rejeição da proposta de emenda constitucional 37, esta como caminho para a redução da impunidade e controle da corrupção.
A PEC 37 vinha sendo debatida desde o ano passado, tendo havido inúmeras discussões tanto no universo acadêmico e quanto no parlamentar. Acabou sendo compreendida e eleita pelo povo como caminho concreto para a não ampliação da impunidade --especialmente da corrupção.
Faz sentido essa percepção. Em 7 de fevereiro de 2000, o Brasil subscreveu o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI) para julgar crimes contra a humanidade que os países individualmente não conseguiriam responsabilizar.
Dar ao Ministério Público o poder de investigação para apurar crimes contra a humanidade, como os genocídios, foi considerada a maior conquista do estatuto para a civilização. É óbvio que estava sendo feita ali clara opção para questões de dentro e de fora do país.
É injusto afirmar que o Poder Legislativo foi covarde e sem personalidade. Muito pelo contrário. O placar da rejeição da PEC 37 (430 votos contrários e 9 a favor) é resultado de aguçada percepção do Parlamento.
Seria gravemente equivocado impedir o Ministério Público de investigar crimes, colocando o país no mesmo patamar de Uganda, Quênia e Indonésia. Detalhe: Uganda e Quênia têm ex-mandatários réus no Tribunal Penal Internacional.
Com certeza, o Parlamento levou em conta que, nos anos de chumbo no Brasil, quando a polícia matava a mando do Estado, sem acusação nem julgamento, quem investigou e responsabilizou os criminosos foi o Ministério Público, representando por corajosos promotores, entre os quais Hélio Bicudo.
Afinal, quem conseguiria ter investigado o "esquadrão da morte"? A corregedoria da polícia? Quem investiga os crimes contra os direitos humanos no Brasil?
Promotores não querem substituir a polícia. Louvam-na e querem continuar realizando esse trabalho conjunto. Sem santificações. Com eficiência. O Ministério Público quer a regulamentação da investigação criminal.
Todos devem poder investigar crimes quando necessário. Inclusive o Ministério Público. O Poder Legislativo nas comissões parlamentares de inquérito, o Banco Central, a Receita Federal, as corregedorias, as controladorias, a imprensa, os detetives, os cidadãos. Monopólios não são saudáveis na democracia. Desde John Locke, consolida-se a ideia da dispersão do poder como elemento fundamental para seu exercício em prol da comunidade.
Nós, promotores, não somos máquinas de acusar. Trabalhamos pela justiça, com ética e lealdade, e não hesitamos em pedir as absolvições necessárias. Estamos e sempre estaremos conectados e atentos às necessidades da sociedade.
Somos seres humanos e erramos. Devemos querer e queremos ser controlados em relação a eventuais exageros e, quando for caso, punidos individualmente. Mas não seria adequado sermos punidos pelos mais que prevalentes acertos. Não se amputa a instituição, desprotegendo a sociedade.
Parabéns ao Parlamento, que agiu lastreado pela legitimidade do voto popular. Viva a democracia!

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