sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Técnica menos invasiva contra a hérnia de hiato - Paloma Oliveto‏

Procedimento criado por médicos brasileiros reduz em pacientes com refluxo os riscos de sangramento e de infecção após cirurgia. Intervenção tem cortes menores 

Paloma Oliveto
Estado de Minas: 23/11/2012 

Sensação de queimação no peito, regurgitação e azia são incômodos bem conhecidos de quem sofre de refluxo gastroesofágico. A culpa é do mal funcionamento do esfíncter inferior esofágico, válvula muscular que evita o retorno do bolo alimentar. Uma das causas do problema é a hérnia de hiato, situação em que uma parte do estômago avança pelo diafragma, podendo provocar úlceras e, em casos mais graves, câncer. Quando o paciente não responde mais ao tratamento convencional, baseado em medicamentos e mudanças de hábitos (veja infográfico), a solução pode ser a cirurgia. 

Ao contrário do que se imagina, um procedimento no aparelho digestivo não exige a abertura do abdômen do paciente. Com a videolaparoscopia, técnica realizada com o auxílio de uma câmera, são feitas pequenas incisões para o acesso dos instrumentos cirúrgicos, enquanto os médicos se guiam pelas imagens que aparecem em um monitor. Essa intervenção pode ser executada com cortes ainda menores, de acordo com dois brasileiros que apresentaram a minilaparoscopia para a hérnia de hiato durante o primeiro Congresso Internacional de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica, realizado há duas semanas em São Paulo. 

Os médicos Angelo Loss e Carlos Marins afirmam que não se trata de uma nova cirurgia, mas da adaptação da já consagrada videolaparoscopia. “Conseguimos fazer a mesma técnica, mas traumatizando menos o paciente, o que ajuda paraa recuperação mais rápida”, esclarece Loss, que realizou quatro cirurgias minimamente invasivas para hérnia de hiato no Rio de Janeiro, nos hospitais Quinta d’Or e São Vicente. Em menos de 24 horas, o paciente pode ir para casa e passados sete dias as cicatrizes são praticamente imperceptíveis. “Como as incisões são pequenas, não é preciso dar pontos, usamos apenas a ponta do bisturi para fechá-las. O resultado estético é muito bom”, conta o médico Carlos Marins.

Na videolaparoscopia tradicional, são feitas cinco incisões de 5mm a 1,2cm, por onde os médicos introduzirem os trocateres, tubos pelos quais passam os instrumentos cirúrgicos. O corte maior é no umbigo, que serve de acesso à câmera. Na minilaparoscopia, além da incisão umbilical, os cirurgiões fazem três cortes com tamanhos que variam de 2mm a 3mm. Angelo Loss explica que a abertura no umbigo, de 1cm, segue o princípio do portal único: nela, além da câmera, entra um trocater, que na cirurgia laparoscópica convencional seria posicionado em outra parte da barriga, exigindo uma incisão a mais. 

“O trauma na parede do abdômen é menor. Tradicionalmente, o cirurgião usa um afastador de fígado para fazer a válvula antirrefluxo. Com os trocateres mais finos, usamos fiozinhos ou hastes”, relata Marins. Além do menor tempo de recuperação e da vantagem estética, os riscos de infecção e de sangramento diminuem, garantem os cirurgiões. “Hoje, a videolaparoscopia é o procedimento escolhido para a grande maioria das patologias cirúrgicas dos órgãos intraabdominais, sobretudo do aparelho digestivo e dos órgãos anexos. Com a rápida evolução dos equipamentos e tecnologias cirúrgicos, inclusive a robótica, a tendência da cirurgia videolaparoscópica é se tornar cada vez menos invasiva”, avalia Isaias Neto, cirurgião geral e do aparelho digestivo e videolaparoscópico do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.

Outras aplicações A minilaparoscopia, desenvolvida na década de 1990, é aplicada em outras situações, como problemas ginecológicos, obesidade, correção de hérnia iguinal, retirada de vesícula e de tumores no cólon. “Agora, estamos começando a transportar esse conceito para cirurgias que já fazíamos”, diz Angelo Loss. Ele destaca, contudo, que, em relação à hérnia de hiato, nem todo paciente poderá se beneficiar do procedimento. “Cada caso precisa ser avaliado. Tem pessoas que não vão conseguir por questões anatômicas; o fígado, por exemplo, pode ser muito grande, o que inviabiliza a minilaparoscopia”, esclarece.

O cirurgião Isaias Neto lembra ainda que nem todas as pessoas que sofrem de refluxo gástrico têm hérnia de hiato. Daí a importância de analisar cuidadosamente a indicação cirúrgica. “Quando bem indicada, a cirurgia proporciona excelentes resultados, mas é bom ressaltar que pode haver refluxo mesmo sem a presença da hérnia hiatal. Os pacientes com indicação cirúrgica têm de ser bem avaliados no pré-operatório. Além da endoscopia, é muito importante fazer a pHmetria (exame que mede a quantidade de ácido que flui do estômago para o esôfago e a permanência do líquido no órgão) e a esofagomanometria (o teste de imagem avalia as contrações musculares), além de outros exames de rotina”, afirma.

Implante de anel magnético alivia sintomas

Três estudos apresentados na 77ª Reunião Científica Anual do Colégio Americano de Gastroenterologia, que ocorreu na última semana de outubro, em Las Vegas, demonstraram a eficácia de uma técnica alternativa à cirurgia para o tratamento do refluxo endogástrico resistente a medicamentos. Trata-se do implante de um anel de titânio, composto por bolinhas magnéticas, aprovado em março pelo FDA, órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos. A Clínica Mayo, da Flórida, foi uma das 14 instituições de saúde americanas a participar do estudo clínico do dispositivo e a primeira a realizar o procedimento depois da autorização. 

O anel flexível é colocado ao redor da junção entre o estômago e o esôfago e controla o movimento do esfíncter esofágico inferior. A atração magnética das esferas é suficientemente forte para evitar a passagem do líquido ácido, mas permite que o bolo alimentar chegue normalmente ao estômago. “Os resultados do estudo clínico que levou à aprovação do dispositivo foram surpreendentes quando comparados a outros tratamentos de refluxo gastroesofágico. O sistema oferece um controle eficaz do problema, com efeitos colaterais limitados e, até agora, um excelente histórico de segurança”, afirmou, em um comunicado à imprensa, o chefe do Departamento de Cirurgia da Clínica Mayo, Daniel Smith. “Espero que esse dispositivo mude o jogo no tratamento do refluxo para pacientes que já não respondem aos remédios”, acrescentou Smith, que realiza cerca de 200 cirurgias anuais para a correção do problema. 

No encontro do Colégio Americano de Gastroenterologia, Michael Crowell, pesquisador da Clínica Mayo, e Edy Soffer, da Universidade do Sul da Califórnia, apresentaram dois estudos que avaliaram a melhora dos sintomas e a redução do uso de antiácidos em 25 pacientes que se submeteram à técnica. Eles constataram que 77% das pessoas não sofreram mais episódios ou tiveram uma melhora de 50% depois de 12 meses do implante. Em uma escala que mede a qualidade de vida de pessoas com refluxo, os pacientes submetidos à intervenção reportaram um incremento estatisticamente significativo, disseram os autores. 

Em um estudo separado e independente, Arjan Bredenoord, do Centro Médico Universitário de Utrecht, de Roterdã, na Holanda, constatou que 91% dos pacientes submetidos à mesma técnica não precisaram mais tomar medicamentos antiácidos. A pesquisa constatou também uma melhora na qualidade de vida e uma tendência de equilíbrio do pH esofágico. (PO)

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