quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Editoriais FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

Caos municipal
Novos prefeitos, em diversas regiões do Brasil, recebem a administração quebrada por seus antecessores; número de municípios é excessivo
Notabilizado por sua tragicômica passagem pela presidência da Câmara dos Deputados, em 2005, Severino Cavalcanti (PP-PE) volta agora ao noticiário inserido em mais um capítulo lamentável da crônica política brasileira.
Após quatro anos à frente da Prefeitura de João Alfredo (PE), Cavalcanti deixou a cidade sucateada: a sala de cirurgia do único hospital foi interditada, vacinas se perderam com corte de energia, servidores estão com salários atrasados e fornecedores não foram pagos, entre outros casos de inaceitável desorganização administrativa.
Cavalcanti não é o único, mas está entre os exemplos mais notórios de políticos que não foram reconduzidos ao cargo e entregaram a seus sucessores uma prefeitura em situação de penúria.
Num episódio folclórico, mas nem por isso menos deplorável, o novo alcaide de Santo Amaro das Brotas (SE), Luis Gallardo (PSL), teve de fazer seus primeiros despachos debaixo de uma árvore -e ali mesmo, na praça central da cidade, empossou seu secretariado.
Gallardo, assim como tantos outros eleitos, recebeu seu gabinete sem energia elétrica e ocupado por utensílios nada afeitos à rotina da gestão municipal, como panelas de cozinha e botijões de gás.
Pululam, Brasil afora, casos semelhantes. Prédios públicos depredados, luz, internet e telefone cortados por falta de pagamento, veículos quebrados e encostados, ausência de móveis básicos. Em Chapadão do Céu (GO), Rogério Graxa (PP) nem sequer recebeu as chaves da prefeitura.
São decerto caricatos esses eventos, mas eles revelam quão longe pode chegar a inépcia administrativa -esta, sim, mazela generalizada. A Confederação Nacional dos Municípios estima que mais de 70% das 5.565 municipalidades não tenham cumprido a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2012.
Dito de outra maneira: cerca de 4.000 prefeitos se mostraram incapazes -ou não fizeram questão- de observar normas administrativas rudimentares, como a necessidade de condicionar os gastos municipais à arrecadação.
Pode-se até alegar, em defesa dos alcaides, que muitas administrações sofrem impacto severo com a elevação do salário mínimo. Mas ainda que se aceite o argumento, nem por isso os gestores ficam isentos de seguir os preceitos legais no trato com a coisa pública. As sanções continuam as mesmas, de multas a suspensão de direitos políticos e prisão.
Não há dúvida de que as leis devem ser aplicadas com rigor a cada caso particular, mas dificilmente conseguirão alterar um problema que é estrutural: o número de municípios é desmedido no Brasil, e muitos deles, criados de maneira artificial, existem apenas para drenar recursos da União em favor de potentados locais.

    EDITORIAIS
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    Miséria Palace Hotel
    Cambridge, Othon, Lord: os nomes desses antigos hotéis pretendiam, por certo, sublinhar as aspirações de refinamento de uma cidade que já abandonara o antigo ar provinciano. Na São Paulo de meados do século passado, ainda assim, rareavam os estabelecimentos de nível internacional -e durante um bom tempo o Othon, em pleno centro, foi referência no setor.
    Veem-se com tristeza, assim, as imagens de sua invasão por um grupo de 800 sem-teto. A degradação só não é completa porque os novos habitantes, vinculados a uma entidade organizada, estabeleceram normas rígidas de convivência, interditando naquele espaço o uso de drogas e a prostituição.
    Apesar dos cuidados, as condições de alojamento são péssimas. A água, que não é potável, encontra-se disponível apenas em duas escavações no andar térreo; carregada em baldes, serve aos ocupantes dos 26 pavimentos do edifício.
    No antigo hotel Cambridge, há não muito tempo um ponto de encontro para a vanguarda boêmia da cidade, apenas no andar térreo as 200 famílias invasoras encontram banheiros em funcionamento.
    A falta de moradia, que aflige as populações indigentes de São Paulo, soma-se à tática de criar situações dificilmente administráveis depois do fato consumado.
    Essa faceta mais política se intensifica, segundo especialistas, pela presença do PP na Secretaria de Habitação. A sigla, a que pertence o ex-prefeito Paulo Maluf, faz parte da multicolorida aliança que conduziu o petista Fernando Haddad à chefia do município.
    A "ocupação" da máquina do Estado por ampla coalizão parece exacerbar uma militância que circulava pelos anexos menos iluminados do antigo Grande Hotel PT.
    O principal, porém, não está na forma como o novo prefeito há de orientar-se nesse labirinto de pressões contraditórias, mas no rumo a ser tomado por efetivas ações de revitalização do centro de São Paulo.
    Tem-se a impressão de que está em curso verdadeiro trabalho de Sísifo na cidade. Enquanto são feitos investimentos na região da Luz, áreas que não pareciam diretamente ameaçadas pela deterioração surgem prejudicadas.
    Lugares que fazem parte da memória paulistana, ainda impregnados de algum charme, seriam até mais fáceis de revitalizar -antes que se vejam corroídos pela miséria, pela exploração política, pela inatividade dos governos e pelo desinteresse da iniciativa privada.

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