quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Marta Suplicy - Tendências/Debates

FOLHA DE SÃO PAULO

"A gente não quer só comida"
O Vale-Cultura pode, sim, ser o "alimento da alma". Por que não? Pela primeira vez o trabalhador terá um dinheiro para o consumo cultural
Folha publicou editorial ("Vale-populismo", 10/1) crítico do Vale-Cultura (VC). Chama de "populismo" e promoção pessoal e eleitoreira projeto de lei que buscava aprovação desde 2009. Com a regulamentação do VC, empresas poderão passar R$ 50 a seus funcionários que recebam prioritariamente até cinco salários mínimos (R$ 3.390) para gastarem em cultura.
O Brasil nos últimos anos, com Lula e agora Dilma, tem dado passos gigantescos para acabar com a miséria. Não preciso citar os números dos que hoje comem nem dos que hoje entraram na classe média. O Bolsa Família, trucidado pela oposição, hoje é comprovadamente um instrumento de erradicação da pobreza.
O Vale-Cultura pode, sim, ser o "alimento da alma". Por que não? Pela primeira vez o trabalhador terá um dinheiro que poderá gastar no consumo cultural: sejam livros, cinema, DVDs, teatro, museus, shows, revistas...
Lembro que, quando fizemos os CEUs (Centro Educacional Unificado), na pesquisa (2004) realizada no primeiro deles, na zona leste, 100% dos entrevistados nunca tinham entrado num teatro e 86%, num cinema. Quando Denise Stoklos fez seu espetáculo de mímica, a plateia se remexia inquieta até entender a linguagem e não se ouvir uma mosca no teatro, fascinado.
Fomento ao teatro, aquisição de conhecimento e bagagem cultural! Não foi à toa que Fernanda Montenegro ficou pasma com a plateia dos CEUs. Essas pessoas, se tiverem criado gosto, finalmente poderão usufruir e escolher mais do que hoje podem. E os que não têm CEU têm televisão e conhecem o que é oferecido para determinado público. Sabem também o que aparece no bairro. E sabem que não podem ir.
Existe toda uma multidão de brasileiros (17 milhões) que hoje ganha até cinco salários mínimos (R$ 3.390) que potencialmente poderão, além de comer, alimentar o espírito. Este é um projeto de lei que toca duas pontas: o cidadão que vai consumir e o produtor cultural que terá mais público para sua oferta.
Quando chegarmos nesse potencial, serão R$ 7 bilhões injetados na cultura. Nossa previsão é atingir R$ 500 milhões neste ano.
Em 2008, o Ibope realizou pesquisa sobre indicadores de cultura no Brasil e mostrou que a grande maioria da população está alijada do consumo dos produtos culturais: 87% não frequentavam cinemas, 92% nunca foram a um museu; 90% dos municípios do país não tinham sala de cinema e 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança.
Segundo a Folha, estaremos incentivando blockbusters e livros de autoajuda. Visão elitista. Cada um tem direito de consumir o que lhe agrada. Não esqueço quando, visitando um telecentro, fiquei indignada que a maioria dos jovens estava nos chats de um reality show. Fui advertida pela gestora: "Esse é um instrumento que eles estão aprendendo a usar. Depois, poderão voar para outros interesses. Ou não".
Não custa lembrar que a fome pelo acesso à cultura é enorme, o que ficou evidente nas filas quilométricas na mostra sobre impressionistas quando apresentada gratuitamente pelo Banco do Brasil.
O que a Folha também menosprezou é a enorme alavanca que o VC pode representar e desencadear na economia. A cadeia produtiva da cultura é o investimento de maior rentabilidade a curto prazo. Para uma peça de teatro, você vai desde os artistas, ao carpinteiro, cenógrafo, vestuário, iluminador...
Quanto ao recurso ir para formação e atividades de menor sustentação comercial, citadas como prioritários pela Folha, os editais do ministério, os Pontos de Cultura, têm exatamente essa preocupação, assim como os CEUs das Artes e Esporte que são, no momento, 124 em construção no país.
"A gente quer comida, diversão e arte." (Titãs)
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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

    JOAQUIM FALCÃO
    Impasse entre os Estados
    A omissão do Congresso ao definir novas regras do Fundo de Participação dos Estados gera questionamento sobre sua capacidade de cumprir a função
    Em fevereiro de 2010, após ser provocado pelo Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os critérios de repasse dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE), criado pela Constituição, deveriam ser revistos pelo Congresso.
    Estavam em vigor desde 1989. E, desde então, o Congresso havia se autolimitado a definir os critérios em dois anos. A economia mudara. Não havia indícios suficientes de que o FPE estaria cumprindo a sua função constitucional de "promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados". O desequilíbrio persiste. Era imperioso reavaliar e mudar.
    A definição desses critérios é competência do Congresso. O Supremo respeitou. Apenas ordenou que, no razoável prazo de quase três anos, o próprio Congresso buscasse critérios mais eficazes para cumprir a Constituição e promover o equilíbrio socioeconômico. O prazo extinguiu-se em 31 de dezembro. O Congresso nada fez. Não cumpriu a ordem do Supremo. E agora?
    A Presidência da República não quis interferir na decisão do Congresso. Pois, como diz o senador Francisco Dornelles, "Se a questão do petróleo são 24 Estados contra 3, na do FPE, são 27 contra 27". Acordo quase impossível. A Presidência não atentou que o descumprimento do prazo pelo Congresso a atingiria, pois é a responsável legal para fazer os repasses mensais.
    A lei que estabeleceu os critérios antigos não mais existe. Existe um vácuo legislativo. E agora? A Presidência tende a pagar como vinha pagando, com base em um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU). O TCU não vale mais que o Supremo.
    No final do ano passado, alguns parlamentares tentaram um acordo. Congelava-se os recursos repassados em 2012, em termos reais. O recurso adicional do crescimento do FPE seria 50% distribuídos com base na população (limitando a um peso máximo por Estado de 7% da população do Brasil) e os 50% restantes, com base no inverso da renda domiciliar per capita.
    Ora, isso, na verdade, apenas chegava o mais próximo possível dos critérios antigos. Obedeceria formalmente ao Supremo. Mas dificilmente atingiria o objetivo de promover o equilíbrio socioeconômico que a Constituição exige. Mais do mesmo. Mesmo assim, o acordo não foi feito. Impasse.
    A omissão do Congresso e o pagamento da Presidência vão fazer a questão voltar ao Supremo, confrontando agora com ordem não cumprida. Como resolver? O Supremo dará novo prazo ao Congresso? Quais as chances do Congresso cumprir o novo prazo?
    Para não interromper os repasses aos Estados, desfazer o impasse congressual e cumprir com a Constituição, reduzindo os desequilíbrios, a alternativa seria: (a) Os repasses atuais seriam mantidos, em termos reais. Ninguém perde e se garante a solvência dos Estados. Algo similar ao que deveria ser feito na questão dos royalties. (b) O crescimento futuro do FPE seria dividido de modo a combater os desequilíbrios socioeconômicos através de uma regra que possa cumprir esse objetivo. A atual não conseguiu, nem a proposta de dezembro conseguiria.
    O fundo cresceu 5,1% em termos reais entre 1995 e 2001, ou seja, 127% em 16 anos. Estima-se que, a cada ano, o FPE teria em média cerca de R$ 2,5 bilhões adicionais para efetivamente combater os desequilíbrios.
    O pressuposto desta ou qualquer solução é óbvio: o Congresso tem capacidade de exercer sua competência legal no tempo que o Supremo determina?
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