terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A dona da rua - Maria Esther Maciel‏


Maria Esther Maciel
Estado de Minas: 05/02/2013 

Raul fazia o seu usual percurso de carro rumo ao trabalho quando lhe aconteceu o que vou narrar. Era uma quarta-feira nublada, antes das 8h. A Avenida do Contorno, perto do Bairro São Lucas, estava movimentada, embora o trânsito fluísse bem. Incrível como, no período das férias, Belo Horizonte se torna uma cidade transitável.

A certa altura, já perto da Carandaí, o sinal ficou vermelho e Raul parou logo atrás de um Gol cinza, no centro da via. Os pedestres começaram a atravessar a faixa, com exceção de uma mulher de uns 60 anos, que preferiu passar pelo espaço entre os carros parados mais abaixo. Ela andava com lentidão e segurava uma sacola de plástico. Teria passado despercebida se não tivesse parado na frente do carro de Raul e posto a sacola no chão. Depois, curvando-se com dificuldade, abriu a sacola e começou a remexê-la, como se procurasse algo. De dentro, tirou um pente e, ali mesmo, entre os carros, começou a pentear o cabelo, encostada no carro de Raul. “Deve ser meio doida”, ele pensou. Nisso, o sinal abriu e os carros da frente se moveram apressados. Os daquela fileira, porém, ficaram parados, aguardando a mulher sair da frente. Mas ela continuou lá, encostada no carro, penteando o cabelo, alheia ao mundo. Raul tocou a buzina de leve. Outros motoristas também buzinaram. E nada. Os que estavam nas filas paralelas resolveram, então, ir adiante. Um deles chegou a chamar a mulher de folgada. 

O homem continuou parado, esperando. Ele não podia mover o carro, e o fluxo de veículos nos dois lados era grande. O jeito foi abrir a janela e pedir a ela que fosse para o passeio. “Ficar aí é perigoso para a senhora e está me atrapalhando”, falou. Atrás dele, os motoristas impacientes ligavam a seta e tentavam enfiar os carros nas outras pistas, buzinando com histeria. E a mulher, nada. Parecia absorta, sem se preocupar com o entorno. O homem, então, decidiu esperar o sinal fechar e ir até ela. Ligou o pisca alerta e, com cuidado, saiu do carro. Ao se aproximar da mulher, viu que ela estava com os olhos molhados e vermelhos. Ficou mais surpreso ainda. Aí perguntou-lhe se estava se sentindo mal e precisava de ajuda. Ela respondeu, imóvel: “Se quiser passar em cima de mim, vai estar me fazendo um favor”. Um rapaz, na calçada, gritou que ia chamar a polícia para resolver o caso. Mas com um gesto de mão, Raul pediu calma ao moço e cogitou: “Será que ela está querendo se matar mesmo ou é apenas uma daquelas malucas de rua?” Achava que, se chamasse a polícia, poderia complicar mais as coisas.

Enquanto isso, os motoristas continuavam buzinando e falando impropérios. “Por favor, senhora, vamos sair daqui”, ele tentou mais uma vez, pondo a mão no ombro dela. E ouviu o seguinte: “Se o senhor me der R$ 100, eu saio”. Homem de coração mole, imaginou possíveis infortúnios para a pobre senhora. Por outro lado, ficou meio cabreiro. De qualquer forma, concluiu que, pagando, ficaria livre daquilo tudo. Tirou duas notas de 50 do bolso e deu-as à mulher. Ela, dizendo “Deus te pague”, esperou o sinal fechar de novo e seguiu, ágil, até a calçada. Raul, por sua vez, voltou para o carro, com alívio. Mas sem se livrar da desagradável sensação de ter sido enganado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário