terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Falha na proteção da pele causa eczema-Paloma Oliveto‏

Defeitos na ativação das células que barram a entrada de micróbios causam lesões e coceira intensa. Descoberta pode ajudar na criação de terapias 

Paloma Oliveto
Estado de Minas: 05/02/2013 

Manchas vermelhas na pele, coceira e feridas que podem infeccionar. Para piorar, a dermatite atópica, também chamada de eczema, não tem cura, e os tratamentos disponíveis apenas amenizam os sintomas. Por motivos desconhecidos, a doença afeta principalmente crianças: no Brasil, a prevalência na faixa dos 6 e 7 anos é de 14,8%; na dos 13 e 14, de 10,3%, segundo o levantamento International study of asthma and allergy diseases in childhood. Nos Estados Unidos, estima-se que até 20% dos pequenos sofram do problema crônico, sendo que, ao longo da vida, mais de 50% deles vão desenvolver alergias e asma. Estudo publicado na revista Science Translational Medicine descobriu um dos mecanismos por trás da doença, que pode ser a base para o desenvolvimento do primeiro remédio específico para tratar a dermatite atópica.
Em ratos manipulados geneticamente, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia encontraram uma quantidade anormal de células linfoides inatas nas lesões que caracterizam o problema. Esse tipo de célula foi descoberto recentemente e tem como função proteger a epiderme contra micróbios. Contudo, quando desregulado, causa inflamações crônicas, o que provoca o eczema. Para verificar se em humanos o processo era semelhante, os cientistas examinaram amostras de tecido cutâneo de pessoas saudáveis e que sofrem de dermatite atópica. “Constatamos a presença de uma concentração anormal das células linfoides inatas nas lesões”, conta David Artis, professor de microbiologia da Faculdade de Medicina Perelman e um dos autores do estudo. 
De acordo com o dermatologista Brian Kim, coautor da pesquisa, é o padrão de ativação da célula que define se ela vai proteger ou danificar a pele. Como toda doença autoimune – na qual o organismo começa a se autocombater –, não se sabe exatamente o que desregula o funcionamento normal dessas estruturas. Alterações genéticas herdadas ou adquiridas por fatores externos aparentemente desempenham um papel importante. Contudo, ao reconhecer o mecanismo que favorece a manifestação da doença, os pesquisadores acreditam ter dado um passo importante rumo ao desenvolvimento de um remédio eficaz, que não apenas combata os sintomas, mas evite a proliferação das células. Segundo Kin, outra descoberta importante é que nos ratos, quando eles conseguiam inibir a produção das células, as lesões diminuíam significativamente. 
“No momento, a terapia de primeira linha para dermatite atópica ainda consiste em pomadas de corticoides esteroides. Diferentemente de outras doenças inflamatórias, como psoríase e artrite, que podem ser tratadas com modernos medicamentos biológicos, não há remédios que tenham como alvo a dermatite atópica. Nossas descobertas nos dão a esperança de que novas terapias biológicas possam ser desenhadas para tratar essa doença no futuro”, diz David Artis. Ele esclarece, contudo, que os primeiros resultados ainda precisam ser replicados em laboratório antes que se possa pensar em testes clínicos, realizados com humanos. 
Autor de diversos artigos sobre o tema, o imunologista John Burg, da Universidade de Monash, na Austrália, afirma que é preciso encontrar com urgência novos tratamentos para uma condição extremamente incômoda. “Imagine que bebês com 6 meses de idade já começam a ter os sintomas do eczema. A doença tem início com assaduras vermelhas e secura da pele das bochechas. Em seguida, pode se espalhar para testa, braços e pernas. Há casos severos em que o eczema toma o corpo todo. Além da coceira e da aparência desagradável, a doença tem outras consequências graves, como infecções”, diz.
O especialista explica que a pele é como um muro, com as células epidérmicas representando os tijolos, e os óleos e gorduras naturais fazendo o papel da argamassa. “Pessoas com eczema produzem menos ‘argamassa’, significando que as células da pele murcham, pois perdem a umidade. Como a barreira é menos efetiva, a epiderme fica exposta a fungos e bactérias, que provocam as infecções”, diz. De acordo com Burg, entre os 3 e 5 anos os sinais melhoram, mas em alguns casos, a doença acompanha o paciente até a vida adulta. A vermelhidão pode desaparecer, mas a pele ficará seca e fina, precisando de hidratação constante. 

Influência genética 
Embora ache importante o desenvolvimento de terapias biológicas que evitem a formação do eczema, Burg afirma que as pesquisas precisam se intensificar, no sentido de serem identificadas e tratadas as causas da doença. “Muitas pessoas com dermatite atópica vão desenvolver outras alergias, como rinite e asma. Alguns estudos mostram que até três em cada 10 crianças com eczema e histórico familiar terão alergia a alguns tipos de alimento. Temos motivos para acreditar que a doença é genética, então precisamos ir atrás desses genes para ‘consertá-los’. Essa tarefa, porém, demanda muito tempo”, reconhece.
De acordo com pesquisadores da Universidade Estadual de Oregon, ao menos um gene já pode ser associado ao eczema. Os cientistas da Faculdade de Farmácia descobriram que, quando defeituosa, a proteína Ctip2 se manifesta muito discretamente, diminuindo a formação de gordura na pele. Por outro lado, ela estimula a produção exagerada de TSLP, uma substância secretada pelas células que está associada ao processo inflamatório. Em pessoas que não têm eczema, os níveis de TSLP são tão baixos que não podem ser detectados em laboratório. Contudo, em um experimento, os pesquisadores produziram ratos sem o gene Ctip2, e o que aconteceu foi uma produção mil vezes maior de TSLP. 
“Basicamente, mostramos que quando o gene não funciona adequadamente, além de a pele perder a proteção natural, abre-se o caminho para inflamações crônicas. Com um conhecimento melhor sobre as causas do eczema sob o ponto de vista genético, devemos conseguir personalizar o tratamento, determinar exatamente o que cada pessoa precisa e desenvolver novas terapias”, diz Arup Indra, principal autor do estudo, publicado na revista PLoS One. De acordo com ele, por enquanto, seria viável pensar em pomadas que estimulem a expressão do Ctip2 ou melhorem a produção de lipídeos. “Mas, no futuro, um tratamento que modifique o gene também deverá ser possível”, acredita.

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