quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Corpos da família imperial são exumados

folha de são paulo

Restos mortais de d. Pedro 1º e de suas duas mulheres, d. Leopoldina e d. Amélia, passaram por exames de imagem
Abertura da urna de d. Amélia revelou corpo preservado: cílios, unhas e até cérebro conservaram as formas
DE SÃO PAULOOs corpos de três membros da família imperial brasileira -d. Pedro 1º, sua primeira mulher, d. Leopoldina, e a segunda, d. Amélia- foram exumados e submetidos a análises físicas, químicas e a exames de imagem na Faculdade de Medicina da USP.
O trabalho, liderado pela historiadora Valdirene Ambiel, 41, fez parte de dissertação de mestrado defendida no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. As informações foram publicadas no jornal "O Estado de S.Paulo".
Uma das motivações para o estudo foi a preocupação com a conservação dos corpos, sepultados no Monumento à Independência, em São Paulo. "Há infiltrações, problemas de manutenção e o relevo não ajuda", diz Valdirene. A urna de d. Pedro estava se esfacelando, tanto que foi necessária a confecção de um novo caixão.
MUMIFICAÇÃO
Antes da abertura de cada urna, a pedido da família, um padre realizava uma cerimônia em latim, segundo a pesquisadora, bolsista da Capes.
A maior surpresa encontrada logo após a abertura foi no caixão de d. Amélia. Já se sabia que o cadáver estava preservado, mas não se imaginava quanto. "Cílios, unhas, cabelo, tudo inteiro", diz Valdirene. O médio Edson Amaro Jr., professor associado de radiologia na Faculdade de Medicina da USP, destaca também o cérebro.
"O órgão conservou sua morfologia. É possível observar até os giros. Isso vai motivar pesquisas futuras."
Depois da abertura e de análises preliminares, para verificar a presença de fungos, por exemplo, os corpos passaram por tomografia.
Mas, para isso, foram levados até o Hospital das Clínicas. A remoção foi cercada de cuidados. O interior dos caixões ganhou uma espuma para fixar os esqueletos no percurso entre o Monumento à Independência, na zona sul, e o HC, na região oeste.
O transporte foi realizado em etapas: d. Leopoldina em março, d. Pedro em abril e d. Amélia em agosto. Os corpos saíam da cripta mais ou menos às 21h e eram devolvidos entre 4h e 5h da manhã.
Para chegar ao prédio do HC onde foram feitas as tomografias, os restos mortais entraram no complexo pelo Serviço de Verificação de Óbitos e passaram por um túnel subterrâneo -tudo para garantir o sigilo da operação.
A ossada de d. Pedro foi a única a passar por decapagem -retirada de resíduos dos ossos- antes dos testes e também a única a ser submetida à ressonância.
Entre os achados dos exames, destaca-se a aparente ausência de fratura no fêmur de d. Leopoldina. Acreditava-se que a imperatriz teria sido empurrada de uma escada por d. Pedro, o que teria levado à sua morte. Os testes também permitiram identificar que a imperatriz foi sepultada com a roupa da coroação.
No imperador, não foram encontrados sinais de sífilis na ossada, o que não chega a descartar que ele tivesse a doença como se suspeitava, segundo o médico Paulo Saldiva, professor de patologia na USP. "Seria possível confirmar por meio de biópsia do coração dele, que está preservado em Portugal."
Amaro Jr. lembra que o trabalho é só um primeiro passo para pesquisas futuras. Uma das possibilidades é fazer uma reconstrução 3D, como um "d. Pedro virtual". Até a voz poderia ser reconstituída a partir de medidas ósseas, diz Saldiva.

    Descoberta mostra abandono de d. Leopoldina, diz historiadora
    DE SÃO PAULOO fato de d. Leopoldina ter sido enterrada com bijuterias em vez de joias mostraria o estado de abandono em que ela vivia na corte, segundo a historiadora Mary Del Priore.
    Ela afirma que o casamento entre d. Pedro 1º e d. Maria Leopoldina foi uma história de maus tratos e solidão para a imperatriz.
    A análise de sua correspondência com a família na Europa revela "a voz mais triste vinda do além que eu jamais ouvi", disse Del Priore, que lançou em 2012 "A Carne e o Sangue" (ed. Rocco, R$ 34,50), em que mostra o relacionamento entre dom Pedro 1º, sua mulher, d. Leopoldina, e a Marquesa de Santos, amante do imperador.
    Segundo Del Priore, a descoberta de que a imperatriz não teve o fêmur fraturado por um empurrão de d. Pedro 1º, como acreditam alguns, "certamente indica um homem menos violento do que a historiografia havia pintado, mas é bom lembrar que a violência não é só física. A violência psicológica pode ser tão ou mais cruel".
    Nos nove anos de casamento, d. Leopoldina passou por nove gestações e teve sete filhos. Como era "proibido" que o marido mantivesse relações com a mulher nesse período, diz Del Priore, ele a mantinha grávida e, dessa forma, não se aproximava.
    Sobre o relacionamento com d. Amélia, a segunda imperatriz brasileira, que se casou com d. Pedro 1º aos 17 anos, Del Priore diz que o casal era "sem graça".
    A historiadora teve acesso ao diário de Maria Amélia de Bourbon, rainha dos franceses, para o seu próximo livro. Nele, ela conta sobre um encontro que teve com d. Pedro 1º e a jovem imperatriz.
    "Não havia assunto e d. Pedro falava francês muito mal. Ela diz textualmente no diário que teve de se beliscar para não dormir."
    Mas d. Amélia teve importância ao impor regras no palácio de São Cristóvão (residência da família imperial) e introduzir na corte brasileira rituais que vinham das monarquias europeias. Ela assumiu as obrigações da vida social que não foram desempenhadas por d. Leopoldina.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário